Os ex-ministros da saúde, Luís Filipe Pereira e António Correia de Campos, nomearam para os lugares de mando dos hospitais públicos ― digo bem: “mando”; porque comando é outra coisa e pressupõe rumo ― nomearam para os lugares de mando, na sua maior parte, indivíduos (não médicos e médicos) com a função principal de tudo fazerem para que os quadros mais competentes e mais experientes abandonassem os serviços hospitalares públicos. Paulatinamente isso vem acontecendo, desde há seis sete anos a esta parte. E admira-me muito que só agora, quando o deserto de quadros bons é quase perfeito, apareça a Sra. Ministra da Saúde a mostrar publicamente preocupação com a coisa; quando até já se vê em centros de saúde um só médico, ainda por cima “tarefeiro”, a trabalhar 60 horas seguidas no atendimento às urgências.
É isso! E até rima: O Titanic já está a pique!...
É preciso dizer que uma das primeiras preocupações dos ministros desmanteladores do Serviço Nacional de Saúde, já referidos, foi acabar com as Carreiras Médicas Hospitalares ― e cumpriram na perfeição esse desiderato.
Ora, acabando com as carreiras médicas (que prestigiavam quer as instituições de saúde, quer os médicos que nelas entravam; e que davam aos utentes a confiança de que os médicos a ela pertencentes tinham sido avaliados e seleccionados pelos seus pares, e se preocupavam em manter-se actualizados pois só podiam mudar de grau na carreira por concurso) os chamados lugares de carreira desapareceram e com eles os médicos mais competentes e mais experientes.
Passou-se a contratar “médicos” a trouxe-mouxe: “tarefeiros”; como antigamente se contratavam os estivadores ― sem ofensa ― ali mesmo nos cais de carga dos barcos, apontando o dedo e dizendo "sim, tu, tu e tu estão contratados para trabalharem hoje". Para o efeito fazem contratos individuais de trabalho ou então um "contrato de empresa" (tipo mulher-a-dias, sem tirar nem pôr). Nalguns casos contratam médicos sem dar o menor cavaco ao director do serviço onde aqueles irão trabalhar.
(Os directores passaram a ser nomeados pelas administrações hospitalares, segundo critérios os mais variados, achando eu, alguns, perfeitamente estapafúrdios. Dantes era-se Director de Serviço pelo Grau de Diferenciação e por tempo de serviço, conforme com a lei que regulava o acto).
Deixou de haver concursos e com isso os currículos profissionais (dantes com centenas de páginas de texto e documentação variada, sobre os quais se baseavam as provas dos concursos) passaram então a caber numa página A4 ― é verdade! Que eu não veja a luz que me alumia se não é verdade ― uma página A4; e mesmo assim não são avaliados e confirmados por ninguém capaz. Em suma: os hospitais estão hoje cheios de médicos que não passaram por qualquer prova de avaliação pela instituição onde trabalham e sobre cujas competências ninguém mete a mão no fogo. (Quanto a experiência... estamos conversados...).
Há serviços hospitalares sem hierarquia funcional válida e há mesmo serviços com sectores com inversão de hierarquia ― palavra de honra que é verdade! ―. Explicando melhor: em que mais novos, menos capazes e menos experientes ou mesmo inexperientes (levianamente e inconscientes da gravidade da situação) chefiam mais velhos, mais capazes e muitíssimo mais experientes do que eles.
Uma humilhação que só a ganância, o comodismo e a fuga à responsabilidade, por parte dos mais velhos, no meu entender, justificam.
Sou dos que deram força e ainda mantêm confiança na actual Ministra da Saúde; mas falta-lhe claramente poder para impor certas decisões e orientações. Basta lembrarmos do episódio do contrato da ADSE com o hospital da Luz: a Ministra da Saúde manifestou-se desfavorável ao mesmo com o fundamento de que “o SNS (Serviço Nacional de Saúde) tem todas as condições para satisfazer as necessidades da ADSE”; e o Sr. Ministro das Finanças, desautorizou publicamente a Sra. Ministra da Saúde, autorizando a realização do contrato com o seguinte fundamento ― espantem-se! ―:
«Para viabilizar financeiramente o Hospital da Luz» ― como se competisse ao Estado deixar de fazer o que sabe e pode, para permitir que o comerciante do lado transforme a coisa num negócio que o Estado em parte pagará.
A actual Ministra não tem força porque, entre outras coisas, herdou um aparelho administrativo da Saúde completamente minado, do topo até às administrações hospitalares ― só se safa, por enquanto, felizmente, uma parte do pessoal hospitalar ―.
Acresce a tudo isto a famigerada Lei das Aposentações em que quanto mais se trabalhar, menor será a pensão de reforma (mais um convite ao abandono de lugar por reforma antecipada dos mais velhos), e estará conseguida a quadratura do círculo.
No fundo, no fundo, tudo se resume a isto: grupos de interesses e grupos económicos importantes e tentaculares tomaram de assalto o Aparelho de Estado e vão distribuindo entre si, organizadamente, enquanto teatralizam o exercício do poder para distrair o pagode, o pouco da riqueza que Portugal ainda é capaz de produzir.
Não deverá haver, por tudo isso, qualquer esperança na salvação do moribundo SNS.
É que, tendo sido o Português capaz de dar cabo de um Império grandioso, como não há-de ele dar cabo de um resquício quase desprezível desse mesmo império?!
Nas mãos dos políticos e dos grupos económicos actuais, isso é canja!...
P.S. Só voltaremos ao blogue pela ou depois da Passagem do Ano.
Que 2010 traga ao menos um pouquinho de clarividência a este povo de Portugal.
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