sábado, 26 de dezembro de 2009

ELOCUBRAÇÃO VIGÉSIMA QUARTA:

“Ser culto es el único modo de ser libre”.
José MARTÍ (1853-1895)


(I)
A mudança na percepção do Direito Internacional se observa, antes de mais, nos elóquios de política estrangeira que, de forma, quase sistemática, fazem referência à necessidade de respeitar o Direito Internacional. A expressão se encontra, aliás, frequentemente associada à Moral Internacional, revelando, deste modo, que a “juridicização” se inscreve, numa démarche de moralização do comportamento dos Estados.

(II)
E, para dizer a verdade, um Estado de direito deveria logicamente se revelar legalista, no domínio da sua política externa. Espera-se, com efeito, uma certa coerência de comportamento, no plano internacional, com os valores defendidos, no plano interno. De feito, o cinismo da real politic não é muito compatível com os atributos da Democracia. Mais ainda, o esforço crescente de coordenação das políticas estrangeiras desde 1974, favorecendo uma “juridicização” do discurso. A posição comum se forja, efectivamente, à partir dos direitos e das obrigações admitidas por todos. Demais, o argumento jurídico pode aparecer como um pretexto, numa démarche unilateral, enquanto se torna o motivo que suporta uma decisão colectiva.

(III)
Deste modo, se perde o labirinto das intenções e dos móbeis, mais ou menos, contraditórios, que inspiram o actual empreendimento norte-americano no Iraque. Todavia, se as prerrogativas dos membros do Conselho de Segurança da ONU são verdadeiramente respeitadas, a racionalidade da démarche se encontra assegurada, designadamente, pela análise jurídica objectiva da situação. Na verdade, quando se trata de reagir à uma situação, a base de consenso é formada à partir da identidade dos pontos de vista sobre as questões jurídicas. Num tal contexto, não é surpreendente ver que as referências às normas e aos instrumentos do Direito Humanitário e dos Direitos do Homem se multiplicam tão latamente, no âmbito das Decisões do Conselho de Segurança.


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(IV A evolução da percepção do Direito se traduz, identicamente, nos Actos. Com efeito, vários instrumentos internacionais relevantes foram adoptados, no decurso do período recente, que correspondem à preocupação de incrementar a Efectividade do Direito Internacional).

(IV)
Vale a pena, trazer à colação, os seguintes Eventos, assaz relevantes, designadamente:
A Conferência de Marraquexe (Cidade de Marrocos) ocorrida no ano de 1994 e, outrossim, a criação da Organização do Comércio (OMC) se inscrevem plenamente, no âmbito das preocupações, acima enunciadas.
Por seu turno, o GATT (o antigo GATT) prosseguia já o objectivo de liberalização das permutas. A inovação introduzida pelo Tratado de 1994 resulta, por conseguinte, antes da Instituição do Órgão de regulamento dos diferendos (ORD) da OMC.
Sim, efectivamente, os redactores do Tratado desejaram reforçar a efectividade das regras que regulam as permutas internacionais e melhorar a igualdade entre os membros, no plano da aplicação do Direito. Quiseram permitir aos Estados escapar à uma mera relação de forças diplomática e ao unilateralismo. Por conseguinte, a possibilidade de adoptar contra-medidas, meio unilateral de obter Justiça, foi rigorosamente enquadrada em processos litigiosos.
Enfim e, em suma: Peritos desempenham o papel de árbitros. Examinam as alterações de votação das regras da OMC e verificam, dado o caso (melhor dito, em caso de necessidade), que as contra-medidas não excedam o montante do prejuízo comercial sofrido pelo Estado que se queixou perante a ORD. Este dispositivo permite prevenir eficazmente as sanções comerciais não fundamentadas ou desproporcionadas e os inevitáveis diferendos comerciais se regulam obrigatoriamente ante as instâncias do ORD quando as partes não chegam à uma solução negociada. Os prazos estritos nos quais estes processos obrigatórios se encontram enclausurados, interditando os subterfúgios.

(V)
Concomitantemente, dois (2) outros instrumentos anunciaram uma Ambição similar. Nos anos de 1993 e de 1994, respectivamente, duas (2) resoluções do Conselho de Segurança da ONU (resolução 827, de 25 de Maio 1993 e resolução 955 de 08 Novembro 1994) criaram Tribunais Internacionais para julgar as pessoas responsáveis das violações do Direito Internacional Humanitário para Jugoslávia e para o Ruanda (o TPIJ e o TPIR, respectivamente).

(VI)
De anotar, porém, que este duplo Evento (ora enunciado) era algo inconcebível e, por isso, mesmo, colheu, de surpresa toda a gente. Eis porque, foi recebido com uma certa descrença, obviamente. De feito, desde a época dos Tribunais militares de Nuremberga (Cidade alemã da Baviera) e de Tóquio (Capital do Japão), a criação de uma Jurisdição Penal Internacional era desejada e discutida, sob o Signo de um pronunciado Cepticismo e, não só.

(VII)
Na verdade, evidentemente, as violências extremas que a Jugoslávia conheceu suscitaram uma tomada de posição dos Governos que se aperceberam que a impunidade dos crimes importantes constituía um obstáculo sério para o restabelecimento da Paz. Na sequência, a Conferência de Roma (Itália), no ano de 1998 adoptou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional.

(VIII)
O que é importante, sublinhar é que não se tratava, desta vez, de um Tribunal criado para uma crise determinada, sim, efectivamente, da Instalação judiciária Internacional. O século que havia marcado a Cimeira da barbárie se terminava, deste modo, sobre uma nota de optimismo, visto que, os dois terços dos Estados do Mundo manifestavam através da assinatura da Convenção de Roma, a sua firme determinação em lutar contra as violações graves do Direito Humanitário Internacional. Até agora, este antiquíssimo direito universal sofria da incapacidade de assegurar a Sanção das regras. Os criminosos de guerra, sobretudo, nas situações de conflitos internos, escapavam, demasiado amiúde, à alçada dos seus juízes. Entretanto e, sem embargo, estavam, potencialmente, submetidos à Lei Internacional. Eram culpados na opinião do Direito dos indivíduos, todavia, fazia falta, até agora, mecanismos, permitindo coordenar a repressão. Eis porque, o Tribunal Penal Internacional deveria contribuir nisso, obviamente.

Lisboa, 24 Dezembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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