domingo, 29 de março de 2009

NO FUNDO FAZ PENA



Eu peço desculpas, mas Carlos Queiros faz-me lembrar aqueles médicos que são brilhantes a dissertar sobre as doenças e que quando têm pela frente um doente vêem-se às aranhas para fazer um diagnóstico, às vezes simples.

Podem crer que há disso. Eu sei o que digo. E Queiroz, quanto a mim, é desse género.



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AI QUE SAUDADES DE SCOLARI, AI AI

PORTUGAL O - O SUÉCIA


Quatro defesas centrais ― quatro ― jogando contra a Suécia.
Essa foi mesmo de génio, não foi?!

Como diria Scolari: «E o burro sou eu?!»

BOM DIA
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sexta-feira, 27 de março de 2009

ELOGIO DOS BLOGUES


Não há nada de jeito que se possa ler nos jornais.

Se não fossem os blogues a fornecerem a notícia, o debate, a polémica, a análise e o comentário ― o que seria de nós leitores? Qual seria o panorama cultural português? Mais pobre, certamente. Apesar dos célebres 99% de lixo que todos vamos produzindo por aqui. (Eu, 100%).

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quarta-feira, 25 de março de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA NONA:

“Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos
Em todas as sociedades, etnias, géneros, classes e castas, vemos o
Mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo
Porque sabemos que outro é possível. Mas cabe a nós construí-lo 
Com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida”.
Augusto Boal, director artístico brasileiro, inventor do 
“Teatro do Oprimido”
In Mensagem Internacional do Dia Mundial do Teatro
Para o Ano de 2009.

Estudando, de forma dialecticamente consequente, os Eventos enformando a crise económico-financeira hodierna, somos coagidos a afirmar pertinentemente que a crise financeira que se declarou em Agosto de 2007 acrescentou um quinto episódio dramático à aventura financeira engagée au tournant dos decénios de 1970 e 1980.
Todavia e, antes de mais, sobretudo por imperativo didáctico-pedagógico, se impõe recordar, para principiar adequadamente esta nossa “posta”, os quatro episódios precedentes, a saber:
1) Craque bolsista em Outubro de 1987;
2) Crise europeia das permutas, em 1992 e 1993;
3) Crise dos pagamentos externos na Ásia, na Rússia e no Brasil, em 1992;
4) Nova crise bolsista ampla e profunda, vinculada à crise dos valores da Internet, em 2000 e 2002.

E, por razões e motivos assaz óbvios, se nos afigura, quão oportuno e percuciente, descrever a derradeira metamorfose do sistema financeiro desacreditado estes últimos tempos pela crise do mercado hipotecário norte-americano. Esta metamorfose coroa, não só provisória como quiçá, porque não definitivamente, a evolução sem freio que levou a recobrir o Planeta de dezenas de milhares de operadores que levam a vida, assumindo riscos quotidianos sobre as flutuações de activos financeiros de todas espécies. De elucidar avisadamente que assumiu a sua forma à partir das bases anteriores, apoiando-se na política de crédito, a mais laxista que tenha sido aplicada desde o término das hostilidades mundiais, sob a impulsão conjunta dos grandes bancos centrais, dos bancos comerciais e de negócios, das sociedades especializadas no crédito aos privados. Por seu turno, a crise actual revela disso os perigos e, concomitantemente, outrossim os maquinismos. Todavia, esta metamorfose e as suas atribulações recentes nos obsequiam com o ensejo e a oportunidade respectiva, para extrair um ensinamento de alcance geral, independente dos vícios de funcionamento do sistema financeiro.

Antes de mais, se impõe, evidentemente, consignar que este sistema financeiro, em apreço e análise, que preconizava reduzir o recurso ao crédito e apoiar, mais amplamente, o conhecimento económico acerca dos recursos da poupança, desdobrou os recursos ao empréstimo, sob fórmulas desconhecidas e em proporções até aqui inauditas.
Demais, outrossim e, ainda, jamais o acto de se expor à dívida, não foi tão elevado; jamais as economias haviam assentadas sobre um “apport” crescente de dinheiro oriundo do sistema bancário e dos bancos centrais que o sustentam, obviamente. O efeito de alavanca logrado na produção e na especulação pela disponibilidade de dinheiro “fresco” encontra-se no seu máximo histórico quando as ausências de pagamento dos lares norte-americanos sabotaram a confiança dos mercados internacionais do crédito.

Deste modo, evidentemente (melhor dito, aliás), no âmbito desta dinâmica, legítimo se afigurou asseverar, sem rebuço, que a experiência do último quartel do século XX pretérito terminou por renegar integralmente todos os seus fundamentos intelectuais de origem. Demais, por outro, a estulta atitude de voltar à carga da bolsa, decidida, visando reforçar os capitais próprios das empresas cotadas, desembocou na sua descapitalização reclamada pelos grandes accionistas do mercado. Eis porque, a reabilitação dos economizadores, cujo apport financeiro era reputado vital para o investimento, dissimulou um fenómeno oposto de endividamento dos lares, vindo suprir o crescimento insuficiente de rendimentos, fenómeno de endividamento do qual a crise do mercado hipotecário norte-americano proporcionou um doloroso sintoma. De anotar, enfim, que a gestão financeira dos Estados endividados pelos seus mutuantes dos mercados obrigatórios se revelou inoperante do facto da presunção de solvabilidade absoluta da qual continuam beneficiar os Tesouros públicos dos países ricos. Tudo isto principia, aliás a saber-se e o lustro cujos os mercados financeiros tanto beneficiaram se põe enfim a ofuscar. Donde e daí, então, efectivamente constituir a dívida e não a poupança, o fundamento real da expansão do capitalismo contemporâneo.

E, prosseguindo sagazmente o nosso estudo, se nos antolha pertinente, consignar que a expansão incessante e perseverante do crédito, o seu desdobramento respectivo assentam na possibilidade outorgada de o garantir por intermédio de activos. E, a título de elucidação eloquente, vale a pena, esclarecer que a expressão inglesa “Asset backed securities” serve para designar um dos procedimentos financeiros que estimulam a expansão indefinida do crédito.
Por outro, outrossim e, ainda, de assinalar os empréstimos contraídos são garantidos por o que eles permitem comprar, nomeadamente: os empréstimos hipotecários pelos imóveis, os empréstimos dos correctores de bolsas pelas acções que adquirem, as transacções sobre a dívida pública pelos títulos desta dívida, etc.
Finalmente, no fundo, no fundo, tudo isto significa que não é a solvabilidade pessoal do mutuante que se encontra na base da confiança dos mercados de empréstimos, sim, efectivamente toda a quinquilharia imobiliária e financeira que permitem adquirir, quer para uso económico trivial, quer para um fim meramente especulativo.

E, em jeito de remate consentâneo, na verdade, é este fenómeno central ora expendido, que a crise financeira do Verão de 2007 revelou, enfim a um vasto público. Demais, de sublinhar adequadamente que esta crise em apreço é o resultado de um craque do crédito. Explicitando, vale a pena recordar, que existe craque quando, num mercado, os compradores se esquivam ante os bens que lhes são propostos, designadamente: craque bolsista quando as acções cotadas, na sua grande maioria, abandonadas pelos compradores potenciais; craque imobiliário quando os imóveis vetustos ou novos já não encontram arrendatários; craque do crédito quando os títulos de dívidas emitidos pelos mutuantes são rechaçados pelos seus emprestadores habituais. Não deixa de ser bastante pertinente elucidar que o craque do crédito representa “un cas de figure” que convém, ipso facto, não confundir com o fenómeno denominado credit crunch. De anotar, que neste último caso, a massa dos empréstimos novos torna inferior ao montante dos empréstimos antigos efectivamente reembolsados. Existe, outrossim, contracção do crédito, porém o mercado continua preenchendo a sua função habitual.
Demais, por outro, a despeito dos riscos de abrandamento económico provocado pelo credit crunch, os bancos centrais não têm motivo para intervir, no caso de urgência, salvo aquando dos seus encontros respectivos, na data estabelecida com os bancos, sob a forma de adjudicações hebdomadárias de moeda, em função da procura expressa pelos bancos comerciais, pois que preservam uma lata faculdade de apreciação e de acção. Aliás, podem inteiramente afinal deixar se operar durante algum tempo a contracção do crédito que tentar remediar a situação, adoptando uma política monetária mais favorável ao sistema bancário. Eis porque, as suas intervenções inopinadas e maciças, a partir de Agosto de 2007 até aos derradeiros dias do ano, só se podem se justificar a contrario pela “détresse” de numerosos mutuantes cujos os títulos eram rejeitados, frequentemente a despeito da reputação excelente da qual usufruíam antes no mercado.
Lisboa, 25 Março 2009
KWAME KONDÉ
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domingo, 22 de março de 2009

RELEMBRANDO

Nunca é demais relembrar certas coisas. Relembrar coisas importantes. Sim, são coisas importantes estas.


Primeira coisa: Manuel Dias Loureiro continua a ser Conselheiro de Estado. Conselheiro do Senhor Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. E o Senhor Presidente sabe disso ― sabe, sabe!







Segunda coisa: Augusto Santos Silva. Ministro do actual governo. Gosta é de «MALHAR».

Como é importante aquele “é”, não acham?




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POBRE FUTEBOL E POBRE PAÍS


O que se passou ontem no estádio do Algarve é um retrato exacto da sociedade portuguesa actual: mediocridade, incompetência, roubalheira, falta de vergonha e impunidade total.

E Pedro Silva, brasileiro jogador do Sporting, foi aquele que melhor espelhou o desprezo a que se deve votar toda aquela gente envolvida na fraude:

Na impossibilidade de enfiar a medalha no cu dos responsáveis por aquela vergonha organizada, ou no cu do árbitro Lucílio Baptista, atirou-a fora na presença dos putativos vips que as distribuíam.

Os responsáveis do Benfica, com proverbial falta de pudor, em vez de mostrarem alguma pedagogia e algum carácter envergonhando-se e demarcando-se daquele «roubo de igreja», festejaram o resultado daquela palhaçada toda associando-se aos seus adeptos acéfalos a quem vão transmitindo a filosofia de que «o que interessa é ganhar, seja por que preço for».
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sábado, 21 de março de 2009

AU-AU-AU

Eu sei ladrar. E ladro bem. Fui actor nos tempos de estudante: tínhamos um grupo cénico que actuava numa sala da Junta de Freguesia do Castelo (de S. Jorge); então, numa peça satírica sobre o quotidiano do PREC, havia uma parte da representação em que eu imitava o ladrar de um cão ― e aquilo saiu-me tão bem que desde então penso que, se quiser, um dia posso ser cão... desde que isso me pareça ser melhor que a minha situação do momento. E é o caso.

Sinto tanto a degradação da Qualidade das instituições que, como cidadão, até me apetece oferecer-me como cão do Obama do que continuar nesta triste vida assistindo à permanente queda de qualidade ― sobretudo da qualidade das pessoas que fazem as instituições.

Auuuuuuuuuuuu!...

[Isto sou eu a dizer boa tarde.]
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quinta-feira, 19 de março de 2009

O EGO NUM MAR DE NADA

Esta governação monocórdica e sem contraditório; sem contraditório e sem oposição; feita por uma pessoa arrogante e de pouca cultura, que engoliu um partido político e vai morrer de indigestão, que preza o número dos votantes mas despreza o dos manifestantes ― sejam elas as mesmas pessoas: as que votaram e as que manifestaram ―, só pode acabar mal para Portugal. Por culpa exclusiva dos portugueses. A quem, por infeliz atraso cultural estrutural (mas também por medo, por medo, por medo), interessa mais a vidinha que a vida da Nação, pois, tal como o seu governante, “para além da ponta do meu nariz... está o nada”.
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KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA OITAVA:

Nota Prévia:
Não há dúvida nenhuma, que neste momento francamente crucial, no âmbito dos Grandes Eventos da Humanidade, por isso mesmo, mais que nunca, necessário se impõe o debate de fundo, no domínio da matéria de política económica, é que esse se volatilizou, desaparecendo das agendas, sumindo-se e se ocultando nos profundos arcanos do olvido.
Todavia,
Obviamente, existe um vigoroso protesto altermundialista, no entanto, o seu propósito releva antes da denúncia que da compreensão do Capitalismo que grassa e prospera, a olhos vistos.
Com certeza, evidentemente, conquanto conceda o elóquio oficial, subsistem nuances entre “políticas de direita” e “políticas de esquerda”, porém as premissas são idênticas.
Donde e daí, urge interrogar avisadamente e, porque não, já agora, numa perspectiva eminentemente dialéctica, na peugada e esteira do economista francês (antigo perito do Movimento das empresas de França), Jean-Luc GRÉAU (n-1943), por motivos e razões assaz óbvios. Ou seja:
(1) Em que consiste esta famigerada concorrência suposta possuir terapêutica apropriada para tudo?
(2) A veneranda teoria das vantagens comparativas justifica a abertura mundial das permutas, sempre válida, efectivamente?
(3) Vivemos, realmente numa “sociedade pós-industrial”?
(4) Enfim, como funciona a esfera financeira?


A crise financeira do Verão de 2007 chamou à atenção, recordando eloquentemente, se necessário fosse, a instabilidade fundamental do sistema financeiro implantado, por etapas, desde aproximadamente três décadas. Por outro, a série de crises violentas, afectando ossaturas inteiras da economia mundial, entre 1987 e2007, contrasta com a surpreendente e singular estabilidade que reinou após a guerra.
Antes de mais, vale a pena consignar, com ênfase, o quão necessário, se afigura, chamar à devida atenção pelo facto que as economias devem assumir o tournant que os tornará menos dependentes dos mercados e dos seus operadores respectivos.

Com efeito e, tentando precisar as coisas e as ideias, o sistema que alguns denominam capitalismo, que outros, por seu turno designam como uma economia de mercado é em substância o sistema em que a produção é governada pela concorrência (rivalité d’intérêts provoquant une compétition, spécialement dans le secteur industrial ou commercial). De anotar, por outro, que a lengalenga da vulgata neo-liberal em torno do tema da competitividade implica que os mecanismos da concorrência se apresentem sob uma forma óbvia e clara e que não constitui, ipso facto, ocasião própria para abrir um debate preliminar sobre o assunto. Todavia, o que é facto é que a concorrência permanece um conceito obscuro do pensamento económico. Desenha paradoxalmente a forma de um enigma num mundo económico que lhe consagra uma devoção constante e sem reserva.
Demais, temos de convir, no âmbito desta dinâmica, que a própria teoria económica não procura nenhuma resposta quão firme e sólida. Oscila entre uma concepção naturalista da concorrência, que encara esta como uma manifestação inevitável da liberdade dos indivíduos e uma concepção artificiosa que a faz depender, ao invés, da impulsão e da vigilância dos poderes públicos. E, já agora, vale a pena, consignar com ênfase, que estas duas concepções ora enunciadas coabitam nas “cabeças” da burocracia sediada em Bruxelas.
Eis porque, evidentemente, mais que nunca, se impõe fazer de um mal efectivo um bem potencial. De feito, a miséria confessada pela economia neo-liberal nos deve servir como um positivo estimulante intelectual, pois que impende sobre todos nós, sem excepção, cidadãos conscientes, esta ingente tarefa de instituir a terapêutica consentânea, visando outorgar o remédio apropriado para esta miséria em apreço, sem receio algum de se mostrar imodesto, antes pelo contrário.

Na verdade e, na realidade, sob o regímen do mercado cativo, os vendedores, monopolísticos ou não monopolísticos, têm garantido o acto de escoar as suas produções. Aliás, o monopólio é apenas uma versão particular, no fim de contas (em resumo, obviamente) secundária, de uma economia constituída por produtores beneficiários de mercados cativos. Em compensação, a concorrência significa que os vendedores já não possuem garantia do montante aproximativo das suas vendas, porquanto podem ser outrossim excluídos do mercado, em proveito de rivais sobremaneira melhor apetrechados.
E, procurando elucidar, um pouco melhor o nosso estudo, se afigura importante referir que, efectivamente, a passagem da economia mercantil vetusta, que Karl MARX denominava a “economia mercantil simples” para uma economia de mercado concorrencial consistiu na supressão progressiva dos mercados cativos sob a acção de verdadeiros empreendedores sem título, que encaminharam para o triunfo numa nova lógica da actividade produtiva. Deste modo, consoante esta lógica, o objecto das transacções que se operam nos mercados económicos já não consiste em definir os termos da permuta entre os vendedores e os compradores, em proporcionar os seus interesses recíprocos, sim, efectivamente em determinar as parcelas de mercado outorgadas aos vendedores por compradores pronunciados livres pelas suas escolhas.

Uma vez, posto isto, nos vos convidamos a nos acompanhar, num pertinente e oportuno Exercício Intelectual, cujo objectivo primordial é mostrar, a contrario, as realidades dissimuladas sob as aparências da vida económica corrente. Com efeito et pour cause, não há dúvida nenhuma que:
(1) A desregulamentação organizada da produção de determinados bens ou serviços não caucionou o advento de uma concorrência efectiva. Demais, de consignar adequadamente, pode-se mesmo desembocar num resultado inverso, como o patenteia a experiência norte-americana em matéria de produção de electricidade.
(2) Os mercados financeiros não conhecem a concorrência sob a sua forma produtiva. Efectivamente, as instituições económicas colocadas no centro do sistema económico obedecem a uma lógica tão especial que se indaga como puderam acabar por incarnar, na vulgata actual, a noção de concorrência perfeita.

Enfim e, em suma, rematando destarte avisadamente, no fundo, no fundo, no que envidam encarniçadamente os nossos “mentores”da vulgata, é nos fazer assumir as bagatelas e futilidades respectivas da acumulação financeira e da exploração cínica do trabalho e do talento do Homem para as patranhas/balelas da concorrência, finalmente (e por último) plenamente desabrochadas.

Lisboa, 17 Março 2009
KWAME KONDÉ
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domingo, 15 de março de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA SÉTIMA:

A força do preconceito:

Para Principiar adequadamente esta nossa “posta”, vamos partir de um elucidativo paradoxo (asserção na sua acepção imediata contrária a uma opinião usualmente aceite), paradoxo esse incarnado nas atitudes e nas condutas denominadas “racistas”, observáveis presentemente, que, aliás, dá bastante que pensar. Sim, efectivamente, estamos ante um paradoxo de um racismo não biologisante, não explícito, nem quiçá identicamente concebível no âmbito de uma diferença de raça. E, que, por outro, aparece às vezes sem referência, tão pouco à tese de desigualdade, que, outrossim, já não admite uma classificação hierárquica dos “tipos” ou dos grupos humanos. Eis porque, desde alguns anos, o vocábulo “racismo” aparece amiúde escrito e apresentado entre aspas nos discursos eruditos isto com bastante legitimidade, como corolário lógico de um labor de desconstrução deste “ismo” utilizado imoderadamente.
Destarte, no âmbito desta dinâmica, se nos afigura pertinente consignar que o carácter singular do lexema “racismo” deve ser posto em dúvida, por motivos e razões, assaz óbvios. Donde, outrossim, aliás, se pode e se deve aventar a hipótese que existe racismos. E, à consideração da pluralidade dos racismos se acrescenta a do seu carácter “evolutivo”. Ou seja, evidentemente que o polimorfismo do que se denomina “o racismo”parece ser inseparável das suas metamorfoses.

E, prosseguindo assertivamente, perante o racismo, quando flagrante, parecendo, ipso facto, intolerável, impõe-se, concomitantemente envidar explicá-lo como um facto e combatê-lo como um autêntico opróbrio. Tentar, outrossim e, ainda conhecê-lo e compreendê-lo e, simultaneamente se esforçar, o máximo em reduzi-lo ou a neutralizá-lo, de molde eficaz. Também, se impõe tentar compreender a sua persistência e a sua resistência à crítica, à indignação moral consensual e às medidas práticas que o tem em mira.
Com efeito, para quem não o admite e o combate consequentemente, o racismo se apresenta, por conseguinte, concomitantemente, como um objecto, até mesmo, um verdadeiro desafio para o pensamento e, enfim, um domínio de luta para a acção. Sim, efectivamente, para a acção política e moral, pois que, o mal racista é, à primeira vista e, antes de tudo o que não deveria ser (não deveria existir), melhor dito, já não deveria suceder, absolutamente. E, eis porque, deve, em conformidade, ser combatido acérrima e pertinazmente.
De anotar, todavia, que a dificuldade, neste caso, em concreto, consiste, seguramente em suprimir a violência, sem, no entanto, provocar uma nova violência, para não acrescentar à aquela, evidentemente. No fundo, no fundo, o fim prático é a subtracção da taxa de sofrimento no Mundo; do sofrimento injusto ou injustificado e, não desta dimensão do sofrimento, fazendo parte da condição humana. Leia-se, obviamente, sofrimento metafísico. Na verdade, mais precisamente o trabalho do progresso consiste em suprimir no sofrimento o inútil. Eis, com efeito, o que justifica a luta ética, jurídica e política contra o mal, em que o racismo constitui um símbolo.

E, em jeito de remate percuciente e oportuno:
Antes de mais, se impõe questionar, com o verdadeiro sentido de responsabilidade, ou seja: Onde se situa precisamente o desígnio moral? Com certeza e, sem sombra de dúvida, na exigência que sejam abolidas os sofrimentos infligidos ao homem pelo próprio homem, evidentemente.
Donde e daí a importância dos deveres no âmbito do desígnio universal: Repúdio da tortura, da escravatura, da xenofobia, do racismo, da exploração sexual das crianças ou dos adultos, etc.
E, vendo bem com olhos de ver, de feito, o dever anti-racista é apenas uma especificação do dever de lutar contra todas as formas de violência inter-humana. E, eis porque, a tarefa não é nem simples e nem fácil, porquanto o racismo não sendo um fenómeno nem estável e nem homogéneo, a luta contra o racismo não pode ser edificada sobre uma estratégia única. Esta (referindo-se, obviamente à estratégia em si) passa por análise crítica das representações anti-racistas do “racismo”, não unicamente na linguagem ordinária, porém ainda e, sobretudo nos trabalhos eruditos, em que certos resultados provisórios e discutíveis não cessaram de alimentar o discurso anti-racista militante e de orientar a luta organizada contra o racismo.

Lisboa, 14 Março 2009
KWAME KONDÉ
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sábado, 14 de março de 2009

SINAIS

IMAGEM DA VISITA DE SÓCRATES A CABO VERDE

Almeida cabo-verdiana varrendo o lixo.

BOM DIA
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sexta-feira, 13 de março de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA SEXTA:

A negação da negação da Raça…

“Et les études africaines ne sortiront du
cercle vicieux où elles se meuvent,pour
retrouver tout leur sens et toute leur
fécondité, qu’en s’orientant vers la vallée
du Nil. Réciproquement, l’égyptologie ne
sortira de sa sclérose séculaire, de l’hermétisme
des textes, que du jour où elle aura le courage
de faire exploser la vanne qui l’isole, doctrinalement,
de la source vivifiante que constitue, pour elle, le
monde nègre ». (Cheikh Anta Diop, Antériorité
des civilisations nègres : mythe ou vérité historique ?,
Paris, Présence Africaine, 1967).

(I) A 29 Dezembro do ano de 1923 nasce numa pequena aldeia do Senegal (Caytou), o eminente intelectual senegalês, um verdadeiro sábio realizado, que consagrou toda a sua vida à Investigação, na genuína acepção do termo/expressão.

(II) De consignar, com ênfase, que a África, já então, se encontra sob o domínio colonial europeu que assumiu a vacatura e oportunidade deixadas pelo tráfego negreiro atlântico iniciado no século XVI. De feito, a violência da qual a África constitui o objecto, não é de natureza exclusivamente militar, política e económica.

(III) Na verdade, uma plêiade de “teóricos”, designadamente Voltaire, Hume, Hegel, Gobineau (sobretudo este), Lévy Bruhl, etc. e determinadas Instituições da Europa (nomeadamente, o Instituto de Etnologia de França criada no ano de 1925 por Lévy Bruhl, por exemplo), dizíamos, se envidam em legitimar, no plano moral e filosófico, a inferioridade intelectual decretada do Negro. É a visão de uma África anti-histórica e acrónica cujos os habitantes, os Negros, jamais foram responsáveis, por definição, de um único feito de civilização, que se impõe e, de que maneira, nos escritos e se ancora deleteriamente nas consciências. Eis porque, deste modo e, nesta perspectiva, o Egipto é arbitrariamente vinculado ao Oriente e ao mundo mediterrâneo geográfico, antropológica e culturalmente exprimindo.

(IV) É, por conseguinte, neste contexto singularmente hostil e obscurantista que Cheikh Anta DIOP é coagido a pôr em causa, através de uma investigação científica metódica, os fundamentos próprios da cultura ocidental relativos à génese da Humanidade e da Civilização. Deste modo, o Renascimento da África, que implica, obviamente a Restauração da Consciência histórica, lhe aparece, como uma Tarefa incontornável à qual consagrará, de corpo e alma, toda a sua Vida e Existência respectiva.

(V) De sublinhar, por outro, que é, neste sentido que ele se vincula, desde os seus Estudos secundários à Dakar e St. Louis do Senegal, em se dotar de uma formação pluridisciplinar, no âmbito das Ciências Humanas e das Ciências exactas, nutrida por aturadas leituras (leia-se, outrossim estudos de grande fôlego), admiravelmente numerosas e diversificadas. De anotar, que se adquire, desta forma, um notável domínio da cultura europeia, não está, todavia, menos profundamente enraizado na sua própria cultura. Eis porque, o seu perfeito conhecimento do wolof, a sua língua materna, revelar-se-á constituir uma das principais chaves que lhe abrirá as portas da Civilização faraónica. E, já agora, por outra via (e, porque não, como outro motivo) o ensino corânico o familiarizou, de molde assaz consequente com o mundo arábico muçulmano.

(VI) Enfim e, em suma: Desta forma, a partir dos Conhecimentos acumulados e assimilados, no âmbito das Culturas africanas, árabe muçulmana e europeia, Cheikh Anta DIOP elabora contribuições notáveis em dissemelhantes domínios. Eis porque, efectivamente, o conjunto dos seus profícuos e aprofundados trabalhos se apresenta como uma obra, assaz coerente, convincente e quão persuasiva que faz, ipso facto, de Cheikh Anta DIOP um verdadeiro sábio e um autêntico Humanista.

(VII) Na verdade e, na realidade, Cheikh Anta DIOP orientou, de modo sobremaneira avisado e metódico, os seus conspícuos trabalhos de investigação proba, para uma recolha fecunda dos factos e fenómenos susceptíveis de outorgar a África (o Continente berço da Humanidade) o lugar que ela pôde e pode ainda legitimamente ocupar na História do Homem e da Civilização. A Física, a História e a Egiptologia, na circunstância, a Paleontologia, a Linguística, outrossim porém e, sobretudo a Antropologia foram domínios, onde de facto, o enciclopédico Pensamento e Heurístico de Cheikh Anta DIOP investiu assertivamente.

(VIII) Com efeito, aproximadamente um século após o famigerado e histórico Texto do antropólogo, jornalista, político e pensador haitiano, Joseph Anténor FIRMIN (1850-1911), vindo, em boa hora, contrariar, pertinentemente as estultas teses vindas a lume, no ano de 1885 da autoria do escritor e diplomata francês Joseph Arthur (Conde de Gobineau (1816-1882)), eis que surge na ribalta dos Grandes Eventos Humanos, o insigne investigador senegalês e africano assumido, DIOP, com a publicação, no ano de 1981, da sua aprofundada obra: Civilisation ou barbárie (anthropologie sans complaisance ) editada em Paris (1981) pala Présence Africaine. Trata-se, de facto, de uma Obra que veio confirmar e aprofundar as suas robustas e sólidas teses acerca de um bom número de questões quão axiais e fundamentais tratadas magistralmente nas suas demais obras (designadamente: Nations nègres et culture (1954), Anteriorité des civilisations nègres: mythe ou vérité historique (1967) e L’Afrique noire précoloniale, 1960), tendo feito referência, no âmbito do Africanismo, em geral e o Pensamento negro africano, em particular.

(IX) De anotar, outrossim e, ainda, que DIOP possui a particularidade de tratar até à obsessão a questão da anterioridade e da influência das civilizações negras, sem, contudo, cair no racismo ou mesmo no racialismo. Todavia, não menospreza identicamente o facto racial. Demais, não o nega menos. Absolutamente, pelo contrário, visto que, entre os seus objectos de pesquisa, a determinação da raça e da etnia dos antigos egípcios figura, ocupando um lugar sobremaneira privilegiado. O repto consiste em relevar assertivamente a posição e o papel respectivo dos povos de raça negra na sua histórica e ingente saga em prol do desenvolvimento das Civilizações Humanas.

(X) Demais, segundo DIOP a escravatura e a colonização da África toldaram a memória dos Africanos e as referências para toda a Humanidade. Donde e daí, a verídica reabilitação da África e a Libertação do Africano passam forçosamente por um restabelecimento consentâneo e dialecticamente consequente dos factos históricos ocultados ou deformados pela Ideologia imperialista e ocidental.

(I) De feito, para DIOP se afigura importante saber que o primeiro habitante da Europa era um “negróide migrateur, l’homme de Grimaldi”, na ocorrência. Sublinha outrossim e, ainda, que “La différenciation raciale s’est effectuée en Europe, probablement dans la France méridionale et en Espagne, à la fin de la dernière glaciation Wurmienne, entre – 40 000 ans et -20 000 ans ».

(II) Eis porque, com efeito, não há dúvida nenhuma, que para DIOP é assaz evidente que o Homem de Grimaldi precede o homem de Cro-Magnon que representa o tipo humano leucodérmico. Por seu turno, este só aparece perto de – 20 000 anos. E, “il est probablement le résultat d’une mutation du négroïde grimaldien durant une existence de 20 000 ans sous ce climat excessivement froid de l’Europe de la fin de la dernière glaciation ». Deste modo, ipso facto, o Homem foi, em primeiro lugar negro. Porém, para DIOP se convém restabelecer, assim, os factos, não existe, contudo, nenhuma vanglória particular que se vincula à esta realidade.

(III) Demais, outrossim e, ainda, o investigador senegalês se desmarca da tendência em negar a existência da raça. Ou seja: “La race n’existe pas! – se demande-t-il – mais on sait que l’Europe est peuplée de Blancs, l’Asie de Jaunes et de Blancs qui sont tous responsables des civilisations de leurs pays et berceaux respectifs. Seule la race des anciens Egyptiens doit demeurer un mystère ».

(IV) De consignar, por outro, que o objectivo de identificação da raça dos diversos actores da história cultural da humanidade não procede, na obra de DIOP, de uma problemática racialista. Facto que se verifica nas suas tomadas de posição anti essencialistas no atinente à abordagem explicativa da permanência de determinados traços culturais existentes nos Negros Africanos. Donde, então avisadamente: “Les traits culturels que nous avons hérités du passé, assevera DIOP n’ont rien de figé ou de permanent mais… changent avec les conditions. » Assim, se pode afirmar, que ele explicará pela história o que SENGHOR explica pela racialidade.

(V) Enfim e, em suma: Para ele (DIOP) se convém assumidamente fazer de modo que os povos africanos e negros se reapoderam da sua história e do seu papel activo no devir do Mundo, não é necessário encarcerar os Negros numa cultura figée em nome da raça. Assim, “Nous assistons – assevera Cheikh Anta DIOP – à une nouvelle conscience morale africaine, un nouveau tempérament national sont en train de se développer sous nos yeux. » E, nesta óptica e dinâmica respectiva, os únicos invariantes que DIOP pode considerar não relevam de determinantes raciais, antes, porém, linguísticos e históricos: “Les facteurs historiques et linguistiques constituent des coordonnées, des repères quasi absolus par rapport au flux permanent des changements psychiques.”

(VI) E, rematando, de modo dialecticamente consequente, com efeito, em resumo e, afinal de contas, o Africanismo negro se afigura divergente. De feito, a permanência do tema da raça nos seus elóquios não define aí um racialismo dominante. Aliás, de anotar, que a recorrência da ideia de raça remete, neste caso, para concepções dissemelhantes até divergentes. Os autores e as suas elaborações doutrinais não devem sofrer todos do mesmo mal em prejuízo da complexidade que é necessário reconhecer a este pensamento negro africano que se desenvolve de molde plural.

Lisboa, 11 Fevereiro 2009
KWAME KONDÉ
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sábado, 7 de março de 2009

TRAGAM DAÍ A PALMATÓRIA!

Sente-se, segure o queixo, clique na imagem e espante-se.


É mais que sabido de toda a gente que os alunos portugueses têm sobretudo dificuldades em duas disciplinas básicas fundamentais ─ Português e Matemática ─.

Pois bem, ontem já tivémos o Senhor Procurador Geral da República a usar o verbo TAR.

E hoje encontrei este documento no Blasfémias exemplificando o entendimento que alguém (um juiz?) do 8º Juízo Civel da Comarca de Lisboa tem da Matemática.

Mas há mais. Onde se escreve sócio económico neste documento, queria escrever-se socioeconómico (sendo que são coisas bem diferentes uma da outra, como se sabe).
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sexta-feira, 6 de março de 2009

CATARSE

Penso que não sou obrigado a gostar.

E eu não gosto do senhor Procurador Geral da República.

Porque, entre outras coisas, ele usa o verbo TAR.



Acabei de ouvir agora mesmo o Senhor Procurador Geral da República dizer na Antena 1 o seguinte sobre o Processo Freeport:

«Este processo devia TAR resolvido».

Eu não gosto absolutamente nada de pessoas que usam o verbo TAR.

Gosto muito ― gosto muitíssimo ― da Língua Portuguesa. Que estudo todos os dias. Há mais de trinta anos. E não conheço o verbo TAR.

E mais:

Mesmo que exista o verbo TAR, eu não gosto das pessoas que o usam!...

Sou assim!
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quarta-feira, 4 de março de 2009

POLÍTICA À MODA DA GUINÉ

Como devem ter reparado, até agora não falei da Guiné Bissau, esse espaço verde ainda habitado . O que lá se passou ─ o assassinato, à catanada, do presidente Nino Vieira ─ constituiu o end off de uma longa série de assassinatos políticos desde 1975. Talvez entre mil e quinhentos a dois mil assassinatos; a maioria deles à conta de Nino e dos seus capangas.

Quando se analisa como as coisas parecem ter acontecido, fica-se com a ideia de que desta vez Nino queria também morrer ─ senão juntamente, pelo menos logo a seguir ao único inimigo político que lhe restava na Guiné, Tagmé Na Waié, chefe do estado maior general das forças armadas (escrevo tudo em minúsculas porque lá aquilo é mesmo assim) ─. Nino não gostaria talvez de ficar sozinho em palco enfrentando uma morte por doença ou mero acidente ─ não preparou a fuga e nem sequer organizou uma defesa pessoal minimamente eficaz. Ficou algumas horas em casa depois do assassinato de Tagmé, depois saiu a pé e sem guarda para ser levado de automóvel para a embaixada de Angola: tudo como alguém que saísse calmamente de casa para ir ao teatro àquela hora.

A coisa conta-se em poucas palavras: Nino terá ordenado a morte de Tagmé Na Waié; e os homens de Nino, em conluio com gente ligada ao narcotráfico, terão encomendado uma bomba fabricada no exterior, para o efeito. Quando a bomba chegou à Guiné, houve quem soube e avisou o general Tagmé. Tagmé terá reunido os seus homens mais próximos dizendo-lhes então: «a bomba chegou; eu morro de manhã e Nino morre à tarde». E foi quase assim: Tagmé foi assassinado à bomba, à noite, e poucas horas depois os seus homens interceptaram Nino que numa tentativa de fuga (não preparada) foi facilmente dominado e lascado à catanada antes de lhe darem o tiro de misericórdia ou talvez de certificação de óbito.

Um guineense disse-me hoje: ─ «era mesmo isso que Nino merecia, ele merecia levar primeiro porrada (sic) antes de lhe limparem o sebo, e foi o que fizeram; e foi bem lembrado que o tenham morto à catanada porque ele era um bárbaro; agora a Guiné vai entrar nos eixos» ─.

Mas entrará a Guiné nos eixos?!... Quando ainda há gente que acha que fazer de um chefe de estado picado de carne é que é?!...

Duvido muito!

Nota: Se quiser confirmar que tudo isto era mais que previsível, leia aqui tudo o que se tem escrito neste blogue sobre a Guiné-Bissau e fique esclarecido.
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KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO VIGÉSIMA QUNITA:

Não há dúvida nenhuma, que a Noção de raça é uma ideia assaz duvidosa, porquanto quase sempre portadora, mesmo num campo intelectual ideologicamente asseptizado, de um imaginário irredutível.
Destarte, nesta dinâmica, se afigura pertinente, colocar a seguinte questão: espalhar-se-ia necessária e forçosamente o instinto popular arcaico de se identificar pelo sangue ou por qualquer analogia, salvo da qual surge a diferença, a “anomalia”constitutiva do Outro?
Com efeito, a raça é outrossim uma realidade posta em dúvida pela ciência (em ocorrência, a biologia) que acabou por estabelecer a sua não pertinência sem convencer todo um mundo que se fia ou se resolve no reconhecimento da materialidade física dos estigmas raciais.
Entretanto, de anotar, que melhor que todo este mundo, a antropologia (“ciência do Homem”), sobretudo no século XIX quando era a dominante física e biológica, trabalhou, no desígnio de creditar o facto racial, outorgando-se como objecto a raça, assegurando a promoção consequente da “raciologia” (disciplina que estuda os fenómenos raciais).
Por seu turno, a evolução da disciplina no século XX incidiu menos sobre a conclusão de uma irrealidade da raça à semelhança da genética que numa reconsideração da sua (ou do seu grau de) determinação da cultura e da história humana e social.
Na verdade, como selo visível de dissemelhanças entre os humanos, a raça possui o êxito e a perenidade de um escorço eficaz, acessível a todos, não recorrendo a nenhum esforço de pensamento e, a fortiori a nenhum acto de razão, para permitir a um indivíduo e ao grupo decidir ou “sentir”instintivamente que é como (e, por conseguinte, com) ele e que não o é!
Efectivamente e, sem sombra de dúvida, a raça é o lugar de re-apresentação imediata da diferença, o meio imaginário real de reconstrução contínua de determinadas diferenças físicas (irredutíveis?) pelas quais a Humanidade continua ainda se coligir em taxias/taxos (ordenações) e se outorgar em mosaico.
Não deixa de se afigurar assaz pertinente, trazer à colação a definição (aliás corrente) da lavra do paleontólogo francês, Henry Victor VALLOIS (1889-1981) autor da conhecida obra “Les races humaines”, ou seja: “ensemble de caractères physiques héréditaires comuns”, definição que, felizmente ou infelizmente tranquiliza a percepção do comum dos mortais que poderia quedar perturbado pelas opiniões da genética quanto à irrealidade ou a inconsistência da raça.
Todavia, o questionamento que induz esta definição, contudo correcta, desemboca na vertiginosa descoberta de conivências e analogias biológicas até físicas maciças inesperadas entre pessoas dissemelhantes.
Do mesmo modo, a solidez e a perseverança das diferenças genéticas biológicas e físicas em determinados casos, entre indivíduos e grupos pertencendo à mesma raça, contribui para a tomada de consciência que a noção de raça remete para fenómenos humanos colocados numa situação crítica pelo progresso dos saberes e pela inter-penetração ininterrupta das populações. Realiza-se, nesse caso (sendo assim) algo que os caracteres são rebeldes às fronteiras definidas pelo imaginário assiduamente alimentado por uma preocupação arcaica de protecção, de identificação e de separação dos “sangues”.

E, para terminar, vale a pena referir assertivamente que, no âmbito do pensamento negro africano dos dois derradeiros séculos, a questão que se prende com a raça esteve sobremaneira presente e, porque não, assiduamente, na ordem do dia, enformando acesos e vivos debates e, por inerência, da sua respectiva dinâmica interna, deu lugar a singulares tomadas de posição e, obviamente de intervenções assaz interessantes. De feito, foi abordada não unicamente, no plano literário pelos poetas que cantaram reactivamente o sangue negro, outrossim, porém, no plano teórico e científico, designadamente no quadro do processo de constituição de um “africanismo negro”.

Lisboa, 03 Março 2009
KWAME KONDÉ
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domingo, 1 de março de 2009