Estudando o EROTISMO:
Parte Segunda:
(…) “Fort d’une pure assise, et voué à aller
Toujours de l’avant sans jamais conclure, l’
Érotisme, au risque de déraper, ne recule ni devant
L’accablante altérité du monde, ni devant l’
Abîme de l’être de l’homme, ni face à la
Limite extrême de la mort ».
(I)
O EROTISMO encontra o seu escoramento, a sua fonte e os seus recursos respectivos, a sua primordial substância e a sua intenção dominante (confessada ou secreta), na Sexualidade. Todavia, se edificando, completamente Nela, supera-a, por toda a parte (melhor dito, de todos os lados), de molde que se poderia, para uma Definição significativa, se estender a tudo quanto, consoante modalidades e equilíbrios culturais e pessoais de uma extrema variedade, releva expressões e visões carnais, existenciais, artísticas, filosóficas, políticas ou religiosas marcadas, por assim dizer, como o Selo da Sexualidade Humana.
Donde, em todos os domínios, acima, enunciados (domínios constitutivos do Ser próprio do Homem), o Erotismo trata e encena, sob formas e metamorfoses múltiplas, estes objectos irrecusáveis que são, efectivamente:
--- O CORPO percebido como Realidade unitária e global;
--- Os ÓRGÃOS, encarados nos seus limites, funções e papeis distintivos;
--- A LIBIDO, energia sexual irrigando a totalidade do Campo Humano e
--- O DESEJO, figurando, conforme um consenso mais universal, o móbil fundamental das Actividades Humanas.
De consignar, avisadamente, que estes Quatro Factores (Corpo, Órgãos, Libido, Desejo) tecem entre si, Elos íntimos, à Geometria variável, que compõem a Textura, assaz, peculiar e sui generis do Erotismo, senso lato.
(II)
Tão íntimo constitui a intricação entre Corpo e Erotismo, tão densa a sua coalescência, que a Identificação dos dois termos parece assaz evidente. O Corpo se oferece, na percepção que dele possui o Sujeito, como forma erótica. Deste modo, efectivamente, a própria coisa erótica (substrato, suporte, superfície do Erotismo), aliás, evidentemente, Eros, como fundamento originário e de obsidiante Finalidade.
E, explicitando, ainda melhor: O Eros é Corpo-à-Corpo e trabalho no Corpo, acumulação, estratificação, tecedura e mestiçagem das Imagens do Corpo com as quais todo o indivíduo se constrói, se sente (fazendo sofrer) e se pensa.
Enfim e, em suma: o Corpo está presente, presença imediata e irrecusável, objecto familiar, instrumento polivalente e disponível, bloco maciço e duro de afirmação, simultaneamente, que (sob as suas dissemelhantes roupagens, iluminações, aparências, carapaças, posturas, peles e carnes): Mistério irredutível.
Sim, efectivamente, a Valência erótica do Corpo, atracção-repulsão, se expõe nas impressionistas figurações que balizam a História da Humanidade, desde as gravuras rupestres pré-históricas até às invasões fotográficas das Metrópoles Hodiernas. Com efeito, se acusa ate às repressões e poderes, frequentemente ferozes e homicidas que se encarniçam em o aniquilar.
(III)
Resistindo ao desvio estético, que permanece um meio de salvaguarda (ditas: “um belo nu” – e o “nu” passa em beleza), assim como ao transporte religioso, avenida aberta às sublimações (ditas: amor dei, “corpo de amor” divino – eis que um anjo passa), o Erotismo se envida em preservar a autonomia, a dinâmica e a Suculência propriamente libidinosas do Corpo total.
Aliás, DESTATE, o Corpo como forma global, robusta e forte (e fina) cede lugar ao Corpo fragmentado, matizado ou PATCHWORK de órgãos. Deste modo, temos, então: Uma Erótica de órgãos, fragmentando o Corpo erótico, a ocupar o Terreno.
Entende-se, por sua vez, por “Erótica de Órgãos” “uma focalização, fixação, os êxtases da libido, num órgão ou complexo de órgãos determinado, mais ou menos, isolado e separado (por vezes, extirpado, amputado) do Corpo total”. De sublinhar, demais, que todos os órgãos ou “bocados” do Corpo são plausíveis de um tal tratamento, propício às práticas fetichistas.
Entre o Corpo Total, forma relativamente estabilizada e coerente e a pluralidade de velocidade fractal das peças anatómicas entre as quais sinuoso, se abriga ou se extravia, a corpo perdido, o Eros, no apogeu erótico assumido, pelos órgãos directamente vinculados às funções biológicas vitais: funções de reprodução, com os órgãos sexuais, stricto sensu, órgão masculino ou pénis, órgão feminino ou vulva, agrupados sob a denominação única de “sexo” e função alimentar, com os seus dois orifícios esfincterianos, a boca, via de absorção e o ânus, via de excreção.
Donde e daí, Sexo, Boca e Ânus formam o tríptico de base do Erotismo e de recurso inexaurível. É, na verdade, Fonte, Sede e Objecto de uma incessante e vivaz circulação da Energia Sexual, designadamente, Libido (Nervo, se pode asseverar) de todo o Erotismo, lato sensu.
(IV)
A LIBIDO (Nervo do Erotismo) e, formulando a questão, de modo mais humorístico é Tecidual: Libido e Erotismo constituem, efectivamente, a unha com carne. Eis porque, o EROTISMO constituiria apenas, nos diversos avatares bancada ou exposição da Libido (todos os Sentidos somados: vitrina, exposição de mercadorias, oferta, demonstração, orgia, parada, presunção, etc.).
Ou então, mais poeticamente: “O erotismo seria a canção de Gesta ou a Epopeia da Libido, a sua Ilíada e Odisseia (Odisseia, sobretudo, sinuoso périplo em que a Nau Helena não cessaria de virar nos mares oceanos, onde as sereias rolariam, sem descontinuar os seus cânticos de sedução, onde a provocante Penélope deferia ou reportava o seu pano, onde um Ulisses representava os “Dão João”, prorrogava para as calendas o retorno à Ítaca).”
Definindo a Libido como Energia Sexual, o psiquiatra austríaco, Sigmund FREUD (1856-1939) sublinha a especificidade sexual desta força interna primordial que recusa arrumar ou dissolver numa energia psíquica, a tal ponto ecuménico que chega a cobrir tudo, realmente. Donde, nesta perspectiva, o Erotismo assume, por sua conta, a vastíssima extensão, que FREUND, em “Psicologia das Multidões e análise do eu”, reconhece, nesta qualidade fundamental a Libido: “Libido é um termo emprestado à teoria da afectividade. Designamos, deste modo, a energia (considerada como uma grandeza quantitativa, todavia, não ainda mensurável) das tendências, se vinculando ao que resumimos no vocábulo amor. O núcleo do que designamos amor é formado naturalmente pelo que o é comummente conhecido como amor e que é cantado pelos poetas, isto é, pelo amor sexual, cujo o termo é constituído pela união sexual. Todavia, não o separamos sempre de todas as outras variedades de amor que se sente em relação aos pais e para os filhos, a amizade (amor dos homens, em geral), não mais do que separamos a afeição a objectos concretos e a ideias abstractas”.
(V)
O termo “Libido”, funcionando como conceito psicanalítico, designa a energia sexual e, mais geralmente, pulsional. Uma aplicação, mais trivial, a associa às motivações, excitações ou titilações sexuais tratadas como uma espécie de prurido ou um desejo intenso (uma forma, entre outras, de depreciar a sexualidade.
Deste modo, se pretendermos restituir à esta amplitude de potência de incitação seria o vocábulo “desejo” que ocorre logo ao espírito. Edificando a Estrutura Humana na Sexualidade, a Psicanálise lastrou o Vocábulo de uma robusta carga erótica que o faz o equivalente do Desejo Sexual.
Enfim e, em suma: Nenhuma forma de Abstenção (retiração ou aniquilamento do desejo) satisfaz ao Erotismo. Se, na verdade, a sua excepcional aptidão para a assimilação permite-lhe se tornar em seu proveito a ascese, o vazio ou o nada (“exílio” ou “deserto”), se revolta contra toda a ideia de aniquilamento, se pretende mais prosélito que o onirismo Freudiano, “cumprimento de desejo”. Desejando levar o Desejo ao seu apogeu conduz ao excesso, à plétora, a um “frenesim”levado ao absoluto.
Poder-se-ia, neste ponto, introduzir uma nova nuance entre erotismo e pornografia: o excesso ou a culminância eróticas valem mais como élans de energia que como fruições de objecto ou sensações de plétora, em que poderia se contentar a pornografia.
Eis porque, a Noção de duração prevaleceria neste ponto, ou seja: O EROTISMO é instância, que dura (inexoravelmente), intensamente; por seu turno, a pornografia é instante, precipitadamente fugaz, mais ou menos, bem feito. Todo este arrazoado, nos conduz, ipso facto, à “toda potência e exaltando-o no desejo”, fonte viva e vivificante de vestígios, imagens, palavras e visões.
Lisboa, 15 Dezembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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