quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

A PROVA QUE FALTAVA



Como qualquer africano que se presa, em garoto vivia nas árvores qual Barão Trepador. Esta fotografia é da autoria de Augusto Monteiro, então gerente comercial da Casa Vasconcelos, no Fogo, e imortaliza o dia em que cometi a grossa asneira de descer das árvores para iniciar a vida entre os humanos.

terça-feira, 28 de dezembro de 2004

A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA



Naquele tempo a luta pela sobrevivência era bem mais dura que nos dias de hoje, e assumia por vezes aspectos de todo em todo chocantes no contexto histórico em que tinha lugar - como no caso aqui retratado, datado da década de sessenta do século XX.

Durante décadas e décadas, nas praias da ilha do Fogo, à hora da chegada dos pequeninos botes de pesca, lá estava sempre um magote de crianças com idades entre os dez e os catorze anos, cujas, depois de ajudarem a arrastar o bote para areia seca, disputavam entre si, arduamente, o transporte do atum e da serra, à cabeça, desde a praia até ao mercado do peixe (uma longa e dura caminhada ao sol), subindo a íngreme estrada de Fonte Vila, de chão de basalto escaldante, ou palmilhando os quatro quilómetros da estrada da Praia de Nossa Senhora.

E todo esse trabalho para receberem o quê como pagamento?

Para receberem o suã do peixe transportado e garantirem assim que à noitinha haveria lá em casa uns fiapos de peixe na catchupa da única refeição do dia.

Para quem não sabe, suã de peixe é o esqueleto, a espinha, que resta depois de separada a cabeça do animal e cortados rente à espinha os dois filetes do mesmo.

Convenhamos que o heroísmo de um povo se constrói de milhentas formas, algumas quase impensáveis para o tempo em que ocorreram.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2004

SEMPRE COM OS MAIS VELHOS



Estes foram os primeiros e firmes passos como boémio. Na companhia do Lourenço (que até aí nem sequer podia sentir o cheiro do álcool), do João de Muná, Lili de Benvinda, Augusto de Gudjermina e do Ovídio Scróbia. Depois de passar por esta escola, já nada mais havia a aprender; agora era só ligar o piloto automático e deixar vogar o barco da boémia.
SEMPRE COM OS MAIS VELHOS



Era e é uma constante na minha vida - andar na companhia dos mais velhos.
Esta é uma fotografia tirada num dia de Natal da década de cinquenta, na Praceta Pedro Monteiro Cardoso, ao pé da casa de nhô Quirino, na companhia de dois grandes amigos, Roberto de Carolina e Xixino. Com o Roberto a amizade estreitar-se-ia ao longo do tempo e a aprendizagem da vida far-se-ia pelo lado mundano e boémio; com o Xixino (falecido há já quase vinte anos), manteve-se a amizade em velocidade de cruzeiro sendo a poesia e a música os dois temas dominantes dessa ligação.

quarta-feira, 20 de outubro de 2004

EXEMPLO RARO



Morreu Ildo Lobo.

Morreu o amigo,

o cantor,

o camarada.

Morreu um cabo-verdiano ilustre que viveu honradamente;

alguém que serviu a Música e serviu Cabo Verde,

e que,

se alguma vez se serviu de alguém

ou de algo,

serviu-se apenas de si mesmo e daquilo que era seu.

domingo, 17 de outubro de 2004

CHOVER NO MOLHADO

Não queria escrever sobre isto, mas… o que é que se pode fazer quando a reincidência em comportamentos criminosos continua a conduzir a Guiné Bissau rumo ao abismo e ao desaparecimento do Estado (ia dizer “Nação”).

Como é amplamente sabido, desde há menos de um mês, os militares guineenses resolveram dar mais alguns passos na sua tarefa suicida de destruir o pouco que ainda resta daquilo que em tempos não muito recuados foi um País.

Aqueles militares pretenderam agora dar um golpe de Estado para – imagine-se! – exigirem que lhes fossem pagos salários e outras subvenções pecuniárias em atraso. No meio disso assassinaram o seu chefe máximo, general Veríssimo Seabra, um coronel e mais não sei quantos civis. Agora exigem assinar um acordo em que a condição primeira é esta: “amnistia para todos os militares revoltosos”, desde não sei que data a esta parte. O que querem agora não é mais do que isto: o não julgamento dos assassinos do general Seabra e de mais umas quantas vítimas das atrocidades cometidas durante o golpe; a lavagem dos crimes do passado e a legitimação do regabofe macabro de que se têm alimentado.

Não nos esqueçamos, contudo, que o general Seabra, ora assassinado, pertencia ao grupo de militares que derrubara e assassinara o seu chefe de então, Ansumane Mané, matando-o com a brutalidade habitual empregue nesses rituais de poder armado. Naquela altura, um acordo em tudo semelhante ao agora assinado, fora rubricado garantindo assim a amnistia aos assassinos de Ansumane Mané, grupo no qual, como já disse, se incluía o general Seabra ora sumariamente “justiçado”.

Como se vê, na Guiné Bissau, continua tudo como dantes e seguindo tranquilamente o mesmo rumo: caos, miséria, crime e impunidade.

Até quando?

sábado, 9 de outubro de 2004

O PASSADO REVISITADO

Hoje passei uma boa parte da tarde a rever fotografias que fiz há vinte, trinta e mais anos.

Meu Deus! Santíssimo Senhor: quão grande fui então (bonito, forte, inteligente, rico, indestrutível e imortal). E quão pequenino sou agora (velho, fraco, medroso, vulnerável e altamente finito).

Descobri, pelas fotografias que fiz nesse tempo, que o tamanho do mundo cresceu incontroladamente desde então, e que hoje a minha insignificância nem sequer tem existência.

E descobri uma coisa espantosa e deprimente: afora as pessoas retratadas que já morreram (e foram algumas), as que, como eu, se mantêm vivas - também estão de certa forma mortas -. Não têm quase nada a ver com a pessoa que foram no passado. Não temos nada a ver com a pessoa que fomos no passado.

Eu, confesso-me deslocado; fora de tempo; na última curva antes da meta, enfrentando a certeza de que a vitória não será minha.

Mas antes de atingir a recta da meta, penso deixar aqui a maior parte das fotografias de que falo. Esperem só mais algumas semanas que poderão constatar da inexorabilidade do tempo.