quarta-feira, 1 de novembro de 2006

COM O ABISMO À VISTA

SEJA UM BOM PORTUGUÊS: SEJA CORAJOSO

Visando a extinção dos quadros clínicos hospitalares e, consequentemente, das carreiras a eles inerentes, os sucessivos três últimos governos, no que se inclui o actual, promoveram o “emagrecimento” desses mesmos quadros, quer pela não substituição dos médicos que foram saindo para a reforma, quer ainda pela criação de condições propícias ao abandono dos que foram ficando, estes descontentes com as condições de trabalho e/ou a falta de perspectivas de uma carreira que, como já se disse, está em extinção galopante.

Saíram, assim, dos hospitais, sobretudo os médicos mais capazes. Mas não só: também saíram e têm saído médicos jovens, especializados há pouco tempo.

Depois, então, promoveram a contratação, a trouxe-mouxe, de tarefeiros (alguns, pelos vistos, de qualidade e competência duvidosas) para colmatar a falta dos médicos que saíram.

E agora vêm p’raí com choradinhos e análises preocupadas, e anúncios de medidas impraticáveis que vão deixar o Serviço Nacional de Saúde ainda mais moribundo, incapaz, e, por esse caminho – perigoso para o doente no futuro. Prevêem medidas, até, contraditórias: pretendem dificultar ainda mais a contratação de tarefeiros, no momento em que mais ainda vão precisar deles: quando os médicos, a partir de 1 de Janeiro próximo, poderão optar por não fazer trabalho extraordinário nos hospitais e Centros de Saúde do Estado, pois muitos deles não querem ganhar 28 euros à hora quando a seu lado há um tarefeiro menos qualificado a ganhar, por exemplo, 70 euros à hora.

Quando se pratica a lei cega do mercado – a lei da oferta e da procura - é nisso que as coisas podem dar: numa como que mercenarização do trabalho médico (Hipócrates deve estar a dar voltas e mais voltas na tumba. E qualquer dia até é bem capaz de aparecer por aí doido de todo).

É como disse Marcelo rebelo de Sousa: «Parece que não há um plano para a Saúde» em Portugal. Navega-se à vista. Mas fica a ideia que o objectivo principal é extinguir o Serviço Nacional de Saúde sem que as consequências, sequer as de curto e médio prazo, estejam a ser devidamente perspectivadas.

Pergunto: é preciso que morra gente em número significativo para só então se parar, pensar e definir outro caminho?

Mas aonde é que se quer chegar com tudo isto?!

Estamos num país de loucos ou quê?!

Fiquemos com a citação de algumas frases que o Diário de Notícias atribui hoje à senhora Secretária de Estado Adjunta da Saúde, Carmen Pignatelli:

"ninguém garante a qualidade" do atendimento

"há hospitais que celebram contratos que se resumem a meia folha A4".

"Não há informação sobre o corpo clínico da empresa, do registo de cada médico na ordem, nem a garantia de que ele é especialista em oftalmologia, se for o caso de ser contratado para a oftalmologia."

"Uma das coisas que me deixam perplexa é como é que se garante a qualidade dos serviços nestas condições."


Nota: Será que tudo o que disse a senhora Secretária Adjunta da Saúde, Cármen Pignatelli, significa que já se vai admitindo encerrar os hospitais (praticamente todos), acabar com o Serviço Nacional de Saúde, e entregar tudo nas mãos dos privados?

Estará a senhora Secretária a preparar os portugueses para uma notícia destas?

Da forma como as coisas estão, hoje em Portugal, nada espanta e tudo se admite.

O socratismo caminha em roda livre, apoiado firmemente numa maioria absoluta conquistada à base da maior fraude política eleitoral de que há memória, e baseada nas mais mentirosas promessas eleitorais até hoje feitas em campanha.