MAIS UMA FOTGRAFIA
(Legenda ctualizada hoje 28/10/2003)
Anos trinta do século XX.
Fotografia de família, tendo no centro "Nha Cristina Escrava" (assim chamada por ser descendente de escravos) a qual, depois do almoço, tinha por hábito fazer a sesta durante duas horas, tempo durante o qual nem mosca zumbia lá em casa, tal o respeito que os miúdos tinham por ela.
Destaques na foto:
1- Joaquim Botelho Monteiro (nhô Botedjo) o primeiro engenheiro electrotécnico cabo-verdiano. Licenciado em Paris, instalou a primeira central eléctrica na ilha do Fogo.
2- Miguel do Sacramento Monteiro, pai deste blogueador .
3- Manuel do Sacramento Monteiro, pai da Amélia, a depositária destas fotografias.
4- Luisa Macedo Barbosa S. Monteiro, mãe da Amélia.
Actualização:
Meu irmão, João do Sacramento Monteiro, enviou-me hoje, 28/10/2003, desde os Estados Unidos, um e-mail com a legenda completa desta fotografia. Ei-la:
De cima para baixo temos
Fila 1, de pé: tio Tadeu, Miguel nosso pai, tio Nelinho (Manuel) e tio Alberto,
Fila 2: Iracema, tio Antoninho, nhô Botelho e Bia nossa prima
Fila 3: tia Nhanhá (Leonarda), suas filhas Ana e Lilica (ao colo), nha Cristina, tia Dinora e prima Ana.
Fila 4: Primos Lencó (Lourenço), Totóne di nhô Botedjo, Tonas e Agnelo di nhô Botedjo.
sexta-feira, 10 de outubro de 2003
sexta-feira, 3 de outubro de 2003
AI DJARFOGO, DJARFOGO!
De minha prima, Amélia Sacramento Monteiro, recebi esta fotografia que retrata a burguesia do Fogo nos anos trinta do século passado.
Temos aqui, da esquerda para a direita, Nilo Henriques (filho de Agnelo Henriques), Agnelo Henriques (sentado) e Manuel do Sacramento Monteiro (nhô Nelinho di nha Bia).
De minha prima, Amélia Sacramento Monteiro, recebi esta fotografia que retrata a burguesia do Fogo nos anos trinta do século passado.
Temos aqui, da esquerda para a direita, Nilo Henriques (filho de Agnelo Henriques), Agnelo Henriques (sentado) e Manuel do Sacramento Monteiro (nhô Nelinho di nha Bia).
sexta-feira, 19 de setembro de 2003
PARA ESCREVER TRITEZAS DESTAS ERA MELHOR ESTAR CALADO
Quando criei este blogue pensei que viria aqui falar também da África do presente. Mas o nosso continente só tem, hoje em dia, coisas tristes de que se possa falar. Está mais infecto que o Iraque, o Médio Oriente ou o Afeganistão: guerras, assassinatos, ladroeira generalizada, miséria, doença, fome e o mais que o diabo ainda nem sequer se lembrou de inventar. Mas que já há em África.
O terceiro país mais pobre de África é hoje a Guiné-Bissau.
A Guiné-Bissau, cuja independência uma elite cabo-verdiana ajudou a conquistar e a construir, deixou já de ser um país na verdadeira acepção da palavra.
Hoje a Guiné-Bissau não passa de um espaço verde habitado. Não passa de uma reserva natural em adiantado estado de degradação. Nada do que define um país funciona nesse espaço: governo, bancos, escolas, tribunais, repartições públicas, central eléctrica, rede de comunicações. Nenhuma destas estruturas funciona verdadeiramente, hoje, na Guiné.
Deixou de haver o Estado da Guiné-Bissau poucos anos depois de os cabo-verdianos, por escolha sua ou a isso forçados e obrigados, se terem afastado do poder e da administração pública daquele território.
O certo é que a Guiné só com guineenses transformou-se em nada.
Perdeu toda a credibilidade internacional e tem passado por vexames inomináveis sem que se veja o dia em que poderá entrar no rumo certo.
Para cúmulo do descrédito teve, até há poucos dias, um presidente bêbado, doido e autoritário que passava tardes inteiras sentado à porta do palácio presidencial (em plena rua) a jogar às cartas com amigos e a “mandar bocas” aos adversários políticos que passavam por perto. Uma chacota sem paralelo em qualquer parte do mundo.
Quando criei este blogue pensei que viria aqui falar também da África do presente. Mas o nosso continente só tem, hoje em dia, coisas tristes de que se possa falar. Está mais infecto que o Iraque, o Médio Oriente ou o Afeganistão: guerras, assassinatos, ladroeira generalizada, miséria, doença, fome e o mais que o diabo ainda nem sequer se lembrou de inventar. Mas que já há em África.
O terceiro país mais pobre de África é hoje a Guiné-Bissau.
A Guiné-Bissau, cuja independência uma elite cabo-verdiana ajudou a conquistar e a construir, deixou já de ser um país na verdadeira acepção da palavra.
Hoje a Guiné-Bissau não passa de um espaço verde habitado. Não passa de uma reserva natural em adiantado estado de degradação. Nada do que define um país funciona nesse espaço: governo, bancos, escolas, tribunais, repartições públicas, central eléctrica, rede de comunicações. Nenhuma destas estruturas funciona verdadeiramente, hoje, na Guiné.
Deixou de haver o Estado da Guiné-Bissau poucos anos depois de os cabo-verdianos, por escolha sua ou a isso forçados e obrigados, se terem afastado do poder e da administração pública daquele território.
O certo é que a Guiné só com guineenses transformou-se em nada.
Perdeu toda a credibilidade internacional e tem passado por vexames inomináveis sem que se veja o dia em que poderá entrar no rumo certo.
Para cúmulo do descrédito teve, até há poucos dias, um presidente bêbado, doido e autoritário que passava tardes inteiras sentado à porta do palácio presidencial (em plena rua) a jogar às cartas com amigos e a “mandar bocas” aos adversários políticos que passavam por perto. Uma chacota sem paralelo em qualquer parte do mundo.
domingo, 7 de setembro de 2003
TRADUÇÃO DE PORTUGUÊS PARA PORTUGUÊS
O treinador brasileiro da selecção portuguesa, Luís Felipe Scolari, disse ontem aos jornalistas, em conferência de imprensa, após a derrota dos portugueses frente à selecção espanhola por 3-0, o seguinte:
«Fui eu que joguei mal, fui eu que errei tacticamente, tomei três golos e um banho de bola. Os jogadores fizeram o que lhes foi pedido, por isso o culpado sou eu».
Ora bem, perante esta ironia tão descarada quão sarcástica, o que é que fizeram os repórteres (da TSF pelo menos pois eu estava a ouvi-los em directo)?
Disseram aos seus ouvintes que «Scolari assumiu todas as culpas pela derrota».
Meus caros senhores repórteres e jornalistas.
Deixem que este luso-cabo-verdiano vos traduza o português do brasileiro Scolari.
O que esse homem disse foi que:
Os jogadores portugueses não cumpriram minimamente as suas obrigações profissionais;
Não fizeram o que o treinador lhes pediu que fizessem;
E foi muito bem feita terem tomado três golos e um banho de bola.
Não era Fernando Pessoa que dizia que «a ironia é própria dos seres inteligentes»?
O treinador brasileiro da selecção portuguesa, Luís Felipe Scolari, disse ontem aos jornalistas, em conferência de imprensa, após a derrota dos portugueses frente à selecção espanhola por 3-0, o seguinte:
«Fui eu que joguei mal, fui eu que errei tacticamente, tomei três golos e um banho de bola. Os jogadores fizeram o que lhes foi pedido, por isso o culpado sou eu».
Ora bem, perante esta ironia tão descarada quão sarcástica, o que é que fizeram os repórteres (da TSF pelo menos pois eu estava a ouvi-los em directo)?
Disseram aos seus ouvintes que «Scolari assumiu todas as culpas pela derrota».
Meus caros senhores repórteres e jornalistas.
Deixem que este luso-cabo-verdiano vos traduza o português do brasileiro Scolari.
O que esse homem disse foi que:
Os jogadores portugueses não cumpriram minimamente as suas obrigações profissionais;
Não fizeram o que o treinador lhes pediu que fizessem;
E foi muito bem feita terem tomado três golos e um banho de bola.
Não era Fernando Pessoa que dizia que «a ironia é própria dos seres inteligentes»?
terça-feira, 26 de agosto de 2003
AI DJARFOGO, DJARFOGO
Estava a ler o poema “ILHAS” de Jorge Barbosa e ao chegar à parte que fala do Fogo expirei todo o ar que tinha nos pulmões e engoli estes versos que me transmudaram para o berço da ilha e me fizeram reviver em toda a plenitude o sentimento único de ter nascido naquela terra tão austera que produz homens – gentes tão especiais – que só de olhar para eles acreditamos que tudo é possível; que, como disse um poeta popular, «mi si n’pegâ mundo n’tâ dâ cu’él na tchon».
Escreve Jorge Barbosa:
«No Fogo há fumo ainda
A sair do vulcão!
…
No sangue rebelde e másculo
das gentes
revive
o ardor das lavas incandescentes!»
Estava a ler o poema “ILHAS” de Jorge Barbosa e ao chegar à parte que fala do Fogo expirei todo o ar que tinha nos pulmões e engoli estes versos que me transmudaram para o berço da ilha e me fizeram reviver em toda a plenitude o sentimento único de ter nascido naquela terra tão austera que produz homens – gentes tão especiais – que só de olhar para eles acreditamos que tudo é possível; que, como disse um poeta popular, «mi si n’pegâ mundo n’tâ dâ cu’él na tchon».
Escreve Jorge Barbosa:
A sair do vulcão!
…
No sangue rebelde e másculo
das gentes
revive
o ardor das lavas incandescentes!»
domingo, 24 de agosto de 2003
DOENTE À FORÇA
Numa tarde de sexta-feira um médico que habitava o mesmo apartamento que um seu irmão doente psiquiátrico achou que este estava bastante descompensado e iria estragar-lhe completamente o fim de semana. Achou ainda que uma boa solução para o problema seria: levar o irmão doente à urgência do Hospital Júlio de Matos em Lisboa e pedir ao colega de serviço que desse um jeito para que o irmão fosse internado ao menos durante o sábado e o domingo.
Convenceu o irmão psicótico a acompanhá-lo ao hospital e, uma vez lá chegados, enquanto andou à procura do local onde se localizava a urgência, o irmão doente, que conhecia os cantos à casa, deslocou-se rapidamente e foi falar com o médico de serviço perante quem se apresentou como colega pedindo-lhe um favor. Disse então o verdadeiro doente ao médico: «colega, daqui a pouco aparece por aqui um irmão meu doente mental psicótico que tem a mania de se dizer médico e que me quer internar à força. Acompanhei-o até aqui porque me está a dar uma trabalheira bestial em casa e queria pedir ao colega que o internasse até que se acalmasse, pelo menos este fim de semana».
Assim, quando o irmão médico conseguiu finalmente falar com o clínico de serviço e começou por se apresentar como colega pedindo àquele que lhe internasse o irmão doente, o clínico chamou logo o enfermeiro a quem encarregou de acompanhar “este doente” à enfermaria onde ele iria passar o fim de semana internado. E não se esqueceu de dizer ao enfermeiro: «se ele estiver agitado dê-lhe um sedativo que depois eu faço a prescrição».
Numa tarde de sexta-feira um médico que habitava o mesmo apartamento que um seu irmão doente psiquiátrico achou que este estava bastante descompensado e iria estragar-lhe completamente o fim de semana. Achou ainda que uma boa solução para o problema seria: levar o irmão doente à urgência do Hospital Júlio de Matos em Lisboa e pedir ao colega de serviço que desse um jeito para que o irmão fosse internado ao menos durante o sábado e o domingo.
Convenceu o irmão psicótico a acompanhá-lo ao hospital e, uma vez lá chegados, enquanto andou à procura do local onde se localizava a urgência, o irmão doente, que conhecia os cantos à casa, deslocou-se rapidamente e foi falar com o médico de serviço perante quem se apresentou como colega pedindo-lhe um favor. Disse então o verdadeiro doente ao médico: «colega, daqui a pouco aparece por aqui um irmão meu doente mental psicótico que tem a mania de se dizer médico e que me quer internar à força. Acompanhei-o até aqui porque me está a dar uma trabalheira bestial em casa e queria pedir ao colega que o internasse até que se acalmasse, pelo menos este fim de semana».
Assim, quando o irmão médico conseguiu finalmente falar com o clínico de serviço e começou por se apresentar como colega pedindo àquele que lhe internasse o irmão doente, o clínico chamou logo o enfermeiro a quem encarregou de acompanhar “este doente” à enfermaria onde ele iria passar o fim de semana internado. E não se esqueceu de dizer ao enfermeiro: «se ele estiver agitado dê-lhe um sedativo que depois eu faço a prescrição».
terça-feira, 5 de agosto de 2003
VIVA O PROFESSOR ADRIANO MOREIRA! VIVAAAAAAA!
COISAS DA JUVENTUDE
Em 1962 o Professor Adriano Moreira, então ministro do ultramar, visitou Cabo Verde tendo-se hospedado na ilha do Fogo na casa do administrador do concelho, Ildo Maria Feijóo.
Fumador inveterado - ao que se dizia - o professor Adriano Moreira deve ter ficado muito arreliado com a carteira de dez maços de cigarros que alguém surripiou do quarto dele e mais tarde distribuiu pela rapaziada de S. Filipe que numa noite tropical de serenata acompanhou as mornas e o violão fazendo arder pela madrugada fora os saborosos cigarros "Parliament" de filtro longo, entre copos de gróg e de brandy.
O nosso saudoso Tita (que descanse em paz) foi quem recebeu no ar o pacote atirado desde a varanda do primeiro andar da casa do administrador. E foi ele que se encarregou da distribuição do material com a consciência plena de que se tratava de um acto revolucionário.
Desculpe, professor. Não fui eu quem "desviou" os cigarros. Mas fumei-os. E gostei. E também me senti revolucionário como os outros.
Nesse tempo ouvíamos muito a "Rádio Moscovo" e depois ouvíamos o programa da "Emissora Nacional", "Rádio Moscovo Não Fala Verdade", para nos rirmos até às lágrimas.
De facto não havia outra solução senão a descolonização. Mal ou bem feita.
Eu, por mim choro. E um dia, se tiver coragem, explicarei porquê.
COISAS DA JUVENTUDE
Em 1962 o Professor Adriano Moreira, então ministro do ultramar, visitou Cabo Verde tendo-se hospedado na ilha do Fogo na casa do administrador do concelho, Ildo Maria Feijóo.
Fumador inveterado - ao que se dizia - o professor Adriano Moreira deve ter ficado muito arreliado com a carteira de dez maços de cigarros que alguém surripiou do quarto dele e mais tarde distribuiu pela rapaziada de S. Filipe que numa noite tropical de serenata acompanhou as mornas e o violão fazendo arder pela madrugada fora os saborosos cigarros "Parliament" de filtro longo, entre copos de gróg e de brandy.
O nosso saudoso Tita (que descanse em paz) foi quem recebeu no ar o pacote atirado desde a varanda do primeiro andar da casa do administrador. E foi ele que se encarregou da distribuição do material com a consciência plena de que se tratava de um acto revolucionário.
Desculpe, professor. Não fui eu quem "desviou" os cigarros. Mas fumei-os. E gostei. E também me senti revolucionário como os outros.
Nesse tempo ouvíamos muito a "Rádio Moscovo" e depois ouvíamos o programa da "Emissora Nacional", "Rádio Moscovo Não Fala Verdade", para nos rirmos até às lágrimas.
De facto não havia outra solução senão a descolonização. Mal ou bem feita.
Eu, por mim choro. E um dia, se tiver coragem, explicarei porquê.
domingo, 3 de agosto de 2003
CONFISSÃO
Cabo-verdiano por jus solis e português por jus sanguinis, tenho uma alma enorme que me vem dos colonizadores meus antepassados, fossem eles dignitários da coroa – como parece terem sido alguns – ou fossem simples condenados deportados por motivos políticos ou outros. O certo é que me sinto com plenos direitos de opinar livremente sobre o que se passa em Cabo Verde e em Portugal (e com o fenómeno da globalização também opino sobre o mundo de hoje) e isso é de uma utilidade (pelo menos pessoal) imensa – desde logo, e mesmo que não servisse para mais nada, permite-me um exercício intelectual e mental altamente salutar. E, como se sabe (muita gente não sabe e só pensa nisso quando fica estropiada ou próximo de o ser): A SAÚDE É O SUPREMO BEM.
Cabo-verdiano por jus solis e português por jus sanguinis, tenho uma alma enorme que me vem dos colonizadores meus antepassados, fossem eles dignitários da coroa – como parece terem sido alguns – ou fossem simples condenados deportados por motivos políticos ou outros. O certo é que me sinto com plenos direitos de opinar livremente sobre o que se passa em Cabo Verde e em Portugal (e com o fenómeno da globalização também opino sobre o mundo de hoje) e isso é de uma utilidade (pelo menos pessoal) imensa – desde logo, e mesmo que não servisse para mais nada, permite-me um exercício intelectual e mental altamente salutar. E, como se sabe (muita gente não sabe e só pensa nisso quando fica estropiada ou próximo de o ser): A SAÚDE É O SUPREMO BEM.
sábado, 2 de agosto de 2003
PIU-PIU
É sabido que os doentes esquizofrénicos têm a particularidade de condensarem frases inteiras em uma ou duas palavras.
Esta foi escrita ou dita – já não me lembro bem – por António Lobo Antunes:
“Havia no Hospital Júlio de Matos um doente que, sempre que determinado médico passava por ele, se punha a dizer em voz alta piu-piu, piu-piu.
Certo dia o clínico resolveu interpelá-lo – ouve lá, oh fulano, o que é que você quer dizer com piu-piu, diga lá – ao que o doente lhe respondeu – puta que o pariu –.
É sabido que os doentes esquizofrénicos têm a particularidade de condensarem frases inteiras em uma ou duas palavras.
Esta foi escrita ou dita – já não me lembro bem – por António Lobo Antunes:
“Havia no Hospital Júlio de Matos um doente que, sempre que determinado médico passava por ele, se punha a dizer em voz alta piu-piu, piu-piu.
Certo dia o clínico resolveu interpelá-lo – ouve lá, oh fulano, o que é que você quer dizer com piu-piu, diga lá – ao que o doente lhe respondeu – puta que o pariu –.
quarta-feira, 30 de julho de 2003
O CU DO MUNDO
No mês de Março deste ano dirigi-me ao hospital público de S. Filipe com o propósito de pedir ao delegado de saúde um favor (não era bem um favor: era algo a que tinha o direito de pedir). Esperei que ele acabasse uma visita a uma das enfermarias e então abordei-o cá fora. Apresentei-me dizendo-lhe quem eu era e só depois solicitei o “favor”. Arrogantemente e já afastando-se de mim, aquela figurinha de menino malcriado disse-me que não podia satisfazer o meu pedido pois se considerava incompetente para isso. Sem mais. Nem sequer lhe passou por aquela cabecinha oca a ideia de apresentar a recusa de forma correcta com, por exemplo, um “lamento muito, mas não posso satisfazer o seu pedido”. Nada disso: foi mais grosseiro que o conteúdo das latas que se deitam ao mar de Bocarrom. Eu (hoje aculturado na Europa) reagi, suponho que com elevação: agradeci e fui-me embora. Pode parecer cobarde mas não é: os seres evoluídos perdem agressividade social. E eu, passe a imodéstia, tenho-me na conta de um ser socialmente evoluído.
Quando comparo este comportamento com o de uma instituição americana, o Women and Infants Hospital de Rode Island, sinto-me perante esse delegado de saúde de S. Filipe como Sir David Attenborough (especialista em vida selvagem) se sentia perante os exemplares de animais que ao longo da vida estudou nas selvas de todo o mundo: deslumbrado com a genuinidade da vida selvagem.
Com efeito, há cerca de dez anos, fiz uma visita aos Estados Unidos e aproveitei o facto de ter sido inaugurado, havia pouco tempo, esse hospital americano, para pedir que me fosse facultada uma visita às unidades do mesmo pois pretendia ver o avanço técnico e os equipamentos que por lá havia.
O Departamento de ralações públicas do hospital, depois de confirmar a minha qualificação pela carteira profissional que apresentei, marcou-me um dia para a visita requerida. Nesse dia foi destacado o Dr. Curren para me acompanhar numa visita exaustiva a todas as alas relevantes de dito hospital (coisa que demorou mais de duas horas); fizeram-me uma pequena recepção em que me foi servido café e oferecido biscoitos. O Dr. Curren fora-me esperar à porta do hospital e até lá me acompanhou quando me despedi depois de agradecer tamanha honraria.
Hoje, depois dos episódios acima relatados, sou obrigado a pensar que se a competência profissional desse delegado for do mesmo nível que a (falta de) educação da criatura, então a população do Fogo está em maus lençõis, em muito maus lençóis, e cada vez mais perto de Dimingo di nha Pinécha (coveiro já falecido).
No mês de Março deste ano dirigi-me ao hospital público de S. Filipe com o propósito de pedir ao delegado de saúde um favor (não era bem um favor: era algo a que tinha o direito de pedir). Esperei que ele acabasse uma visita a uma das enfermarias e então abordei-o cá fora. Apresentei-me dizendo-lhe quem eu era e só depois solicitei o “favor”. Arrogantemente e já afastando-se de mim, aquela figurinha de menino malcriado disse-me que não podia satisfazer o meu pedido pois se considerava incompetente para isso. Sem mais. Nem sequer lhe passou por aquela cabecinha oca a ideia de apresentar a recusa de forma correcta com, por exemplo, um “lamento muito, mas não posso satisfazer o seu pedido”. Nada disso: foi mais grosseiro que o conteúdo das latas que se deitam ao mar de Bocarrom. Eu (hoje aculturado na Europa) reagi, suponho que com elevação: agradeci e fui-me embora. Pode parecer cobarde mas não é: os seres evoluídos perdem agressividade social. E eu, passe a imodéstia, tenho-me na conta de um ser socialmente evoluído.
Quando comparo este comportamento com o de uma instituição americana, o Women and Infants Hospital de Rode Island, sinto-me perante esse delegado de saúde de S. Filipe como Sir David Attenborough (especialista em vida selvagem) se sentia perante os exemplares de animais que ao longo da vida estudou nas selvas de todo o mundo: deslumbrado com a genuinidade da vida selvagem.
Com efeito, há cerca de dez anos, fiz uma visita aos Estados Unidos e aproveitei o facto de ter sido inaugurado, havia pouco tempo, esse hospital americano, para pedir que me fosse facultada uma visita às unidades do mesmo pois pretendia ver o avanço técnico e os equipamentos que por lá havia.
O Departamento de ralações públicas do hospital, depois de confirmar a minha qualificação pela carteira profissional que apresentei, marcou-me um dia para a visita requerida. Nesse dia foi destacado o Dr. Curren para me acompanhar numa visita exaustiva a todas as alas relevantes de dito hospital (coisa que demorou mais de duas horas); fizeram-me uma pequena recepção em que me foi servido café e oferecido biscoitos. O Dr. Curren fora-me esperar à porta do hospital e até lá me acompanhou quando me despedi depois de agradecer tamanha honraria.
Hoje, depois dos episódios acima relatados, sou obrigado a pensar que se a competência profissional desse delegado for do mesmo nível que a (falta de) educação da criatura, então a população do Fogo está em maus lençõis, em muito maus lençóis, e cada vez mais perto de Dimingo di nha Pinécha (coveiro já falecido).
quarta-feira, 23 de julho de 2003
SECUNDARIZANDO A DISNEYLÂNDIA
Há nos Estados Unidos duas pessoas sem as quais seria perfeitamente desinteressante visitar aquele país: uma delas é o Cau Pires, o maior amigo do seu amigo que alguma vez conheci; e outra é o Van Feijóo (não escrevo Vã porque é feminino de vão, vazio) a alma mater de qualquer convívio digno desse nome. O meu bem haja aos dois! E um abraço do tamanho do mundo.
Àqueles dois vou acrescentar mais um amigo, que me reapareceu há um ano, aquando da minha última visita aos “States”, Ramiro Mendes – músico internacionalmente consagrado que me brindou em privado com uma noite inesquecível –. Obrigado Ramiro.
Há nos Estados Unidos duas pessoas sem as quais seria perfeitamente desinteressante visitar aquele país: uma delas é o Cau Pires, o maior amigo do seu amigo que alguma vez conheci; e outra é o Van Feijóo (não escrevo Vã porque é feminino de vão, vazio) a alma mater de qualquer convívio digno desse nome. O meu bem haja aos dois! E um abraço do tamanho do mundo.
Àqueles dois vou acrescentar mais um amigo, que me reapareceu há um ano, aquando da minha última visita aos “States”, Ramiro Mendes – músico internacionalmente consagrado que me brindou em privado com uma noite inesquecível –. Obrigado Ramiro.
JORGE BARBOSA
Houve um tempo em que o mar, para além de dar o sustento, era quase tudo para o cabo-verdiano – o único caminho para muita coisa –. Dele dependiam a circulação do correio, das mercadorias, das pessoas; era o caminho do sonho e do pesadelo: o sonho da vida desafogada do estrangeiro e o pesadelo do desenraizamento e da perda cultural. Mas o mar era mais visto como um bem do que como um mal: era a única porta de saída para uma vida melhor; a única via de evasão da prisão das ilhas.
O poeta, Jorge Barbosa, no belo poema “Cinzeiro”, esqueceu por um momento a sua permanente preocupação com as dificuldades das ilhas e imaginou-se emigrante numa viagem transatlântica. Fiquemos com esse poema.
À noute quando escrevo
tenho fantasias
que não chego a escrever
nem conto a ninguém
Esta, por exemplo,
de ver um paquete
no meu cinzeiro
de feitio oblongo!
Ponho nele, de pé,
as pontas dos cigarros.
São mastros
E chaminés fumegantes...
Os fósforos
são carregamento
e a cinza
são as cinzas das fornalhas...
Deito nele
pedacinhos de papel que eu rasgo,
- restos de algum poema...
São cartas para longe.
Voam à roda do meu cinzeiro
pequeninos insectos tropicais
companheiros nocturnos
dos poetas da minha terra
São os pássaros marinhos,
as gaivotas
que vêm espreitar
de perto o paquete
Empurro-o com a mão
e o paquete lá vai
com o rumo traçado
através do Atlântico
Lá vai!
E como é bom partir
mesmo dentro
da nossa fantasia
Lá vai!
Os passageiros da primeira
passeiam no deck
ou jogam o bridge...
E a rapariga loura
estira-se indolente
na cadeira de lona
a ler um romance...
No convés da terceira classe
um emigrante qualquer
debruçou-se na borda
olhando o horizonte...
Sou eu.
Houve um tempo em que o mar, para além de dar o sustento, era quase tudo para o cabo-verdiano – o único caminho para muita coisa –. Dele dependiam a circulação do correio, das mercadorias, das pessoas; era o caminho do sonho e do pesadelo: o sonho da vida desafogada do estrangeiro e o pesadelo do desenraizamento e da perda cultural. Mas o mar era mais visto como um bem do que como um mal: era a única porta de saída para uma vida melhor; a única via de evasão da prisão das ilhas.
O poeta, Jorge Barbosa, no belo poema “Cinzeiro”, esqueceu por um momento a sua permanente preocupação com as dificuldades das ilhas e imaginou-se emigrante numa viagem transatlântica. Fiquemos com esse poema.
À noute quando escrevo
tenho fantasias
que não chego a escrever
nem conto a ninguém
Esta, por exemplo,
de ver um paquete
no meu cinzeiro
de feitio oblongo!
Ponho nele, de pé,
as pontas dos cigarros.
São mastros
E chaminés fumegantes...
Os fósforos
são carregamento
e a cinza
são as cinzas das fornalhas...
Deito nele
pedacinhos de papel que eu rasgo,
- restos de algum poema...
São cartas para longe.
Voam à roda do meu cinzeiro
pequeninos insectos tropicais
companheiros nocturnos
dos poetas da minha terra
São os pássaros marinhos,
as gaivotas
que vêm espreitar
de perto o paquete
Empurro-o com a mão
e o paquete lá vai
com o rumo traçado
através do Atlântico
Lá vai!
E como é bom partir
mesmo dentro
da nossa fantasia
Lá vai!
Os passageiros da primeira
passeiam no deck
ou jogam o bridge...
E a rapariga loura
estira-se indolente
na cadeira de lona
a ler um romance...
No convés da terceira classe
um emigrante qualquer
debruçou-se na borda
olhando o horizonte...
Sou eu.
UM ERRO NO COMEÇO
Sobre a descoberta das ilhas de Cabo Verde leio na obra de Sena Barcelos “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné” (Vol. I, pág. 7) a seguinte transcrição da narração de Diogo Gomes, depositada na biblioteca de Munique, Alemanha, a qual viu a luz do dia numa pesquisa do inglês Richard Henry Major:
…«Dois anos depois (de 1458) o rei Afonso equipou uma grande caravela em que me mandou de capitão, e tomei comigo dez cavalos, e fui à terra dos barbacins, etc. etc.,»
…«Eu e António da Noli deixámos então aquele porto de Zaza e navegámos dois dias e uma noite para Portugal e vimos algumas ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma daquelas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez António, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz, não vimos rastos de homem e chamamos a ilha de Santiago por ser descoberta no dia do santo, aí pescámos grande abundância de peixe, etc. etc. depois vimos a ilha Canária que se chama palma e depois fomos à ilha da Madeira e querendo ir para Portugal por causa do vento contrário fui parar às ilhas dos Açores, António da Noli esperou na ilha da Madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a Portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago que eu tinha descoberto e o rei lha deu, e ele a conservou até à sua morte, eu com grande trabalho cheguei a Lisboa.»
Leio isto e fico a pensar se não terá sido esse episódio uma espécie de pecado original no nascimento da nação Cabo-verdiana. Terá esse pecado trazido alguns condicionalismos à marcha das ilhas através da História, sendo a capitania de Cabo Verde entregue a um genovês? Isso fica para o pensamento de cada um, mas certo, certo, é que o começo não foi limpo e a terra foi parar, no seu início, a mãos imerecedoras.
Sobre a descoberta das ilhas de Cabo Verde leio na obra de Sena Barcelos “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné” (Vol. I, pág. 7) a seguinte transcrição da narração de Diogo Gomes, depositada na biblioteca de Munique, Alemanha, a qual viu a luz do dia numa pesquisa do inglês Richard Henry Major:
…«Dois anos depois (de 1458) o rei Afonso equipou uma grande caravela em que me mandou de capitão, e tomei comigo dez cavalos, e fui à terra dos barbacins, etc. etc.,»
…«Eu e António da Noli deixámos então aquele porto de Zaza e navegámos dois dias e uma noite para Portugal e vimos algumas ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma daquelas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez António, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz, não vimos rastos de homem e chamamos a ilha de Santiago por ser descoberta no dia do santo, aí pescámos grande abundância de peixe, etc. etc. depois vimos a ilha Canária que se chama palma e depois fomos à ilha da Madeira e querendo ir para Portugal por causa do vento contrário fui parar às ilhas dos Açores, António da Noli esperou na ilha da Madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a Portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago que eu tinha descoberto e o rei lha deu, e ele a conservou até à sua morte, eu com grande trabalho cheguei a Lisboa.»
Leio isto e fico a pensar se não terá sido esse episódio uma espécie de pecado original no nascimento da nação Cabo-verdiana. Terá esse pecado trazido alguns condicionalismos à marcha das ilhas através da História, sendo a capitania de Cabo Verde entregue a um genovês? Isso fica para o pensamento de cada um, mas certo, certo, é que o começo não foi limpo e a terra foi parar, no seu início, a mãos imerecedoras.
NOTA PRÉVIA
“África Minha” destina-se por inteiro àqueles que de longe, nos Estados Unidos e em Cabo Verde, me lêm com regularidade no SALMOURA e não compreendem porque é que nada lhes digo sobre Cabo Verde e sobre África.
“África Minha” será por vezes ingénuo (muitas vezes propositadamente ingénuo) porque “África Minha”, mesmo sendo apenas um blogue, é um pouco o berço onde o autor fará, às vezes, a sua regressão para se sentir inocente, santo e reconfortado. Por isso desde já peço as maiores desculpas aos intelectuais de serviço por irem encontrar aqui abundante matéria para me baterem desalmadamente. Batam-me, mas com carinho porque aqui serei sempre criança.
“África Minha” não é uma página dedicada somente a África. Em “África Minha” haverá de tudo um pouco: História e histórias, poesia, ficção, pintura, comentários, sugestões, etc. Serei por vezes anárquico na colocação dos textos e não me preocuparei com a sua arrumação. Passado e presente confundir-se-ão de vez em quando; outras vezes ficcionarei situações que em momento algum conterão factos verídicos ou sequer parte deles. E se por acaso, uma ou outra vez, a ficção se confundir com a realidade isso será pura coincidência.
A quem quer que seja, se tiver que o fazer, referirei directa e abertamente para que não haja a mínima confusão de quem se trata.
“África Minha” não tem qualquer pretensão senão a de ser apenas isto: um lugar onde colocarei textos e imagens; um lugar onde colocarei textos e imagens aos soluços – aos soluços porque não escreverei todos os dias: escreverei à medida que o tempo disponível o for permitindo, e quando e enquanto me der gozo fazê-lo.
“África Minha” será um espaço fechado a qualquer polémica. Viverá por si e morrerá com o autor ou quando este entender chegado o momento para lhe pôr fim.
“África Minha” destina-se por inteiro àqueles que de longe, nos Estados Unidos e em Cabo Verde, me lêm com regularidade no SALMOURA e não compreendem porque é que nada lhes digo sobre Cabo Verde e sobre África.
“África Minha” será por vezes ingénuo (muitas vezes propositadamente ingénuo) porque “África Minha”, mesmo sendo apenas um blogue, é um pouco o berço onde o autor fará, às vezes, a sua regressão para se sentir inocente, santo e reconfortado. Por isso desde já peço as maiores desculpas aos intelectuais de serviço por irem encontrar aqui abundante matéria para me baterem desalmadamente. Batam-me, mas com carinho porque aqui serei sempre criança.
“África Minha” não é uma página dedicada somente a África. Em “África Minha” haverá de tudo um pouco: História e histórias, poesia, ficção, pintura, comentários, sugestões, etc. Serei por vezes anárquico na colocação dos textos e não me preocuparei com a sua arrumação. Passado e presente confundir-se-ão de vez em quando; outras vezes ficcionarei situações que em momento algum conterão factos verídicos ou sequer parte deles. E se por acaso, uma ou outra vez, a ficção se confundir com a realidade isso será pura coincidência.
A quem quer que seja, se tiver que o fazer, referirei directa e abertamente para que não haja a mínima confusão de quem se trata.
“África Minha” não tem qualquer pretensão senão a de ser apenas isto: um lugar onde colocarei textos e imagens; um lugar onde colocarei textos e imagens aos soluços – aos soluços porque não escreverei todos os dias: escreverei à medida que o tempo disponível o for permitindo, e quando e enquanto me der gozo fazê-lo.
“África Minha” será um espaço fechado a qualquer polémica. Viverá por si e morrerá com o autor ou quando este entender chegado o momento para lhe pôr fim.
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