Na Peugada de NOVOS RUMOS:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895)
O poder político é sempre uma TEATROCRACIA.
É o poder, que se exerce, com uma caracterização
Dramática. Qualquer regímen político é uma
TEATROCRACIA,
Em busca de legitimação.
Qualquer poder que se exerça através da força
É assaz débil, visto que dispensa a legitimação,
Dispensa, outrossim ser reconhecido pelos dominados.
No cerne do Global Político:
Posta Primeira:
(I) É de facto verdade, que se identifica uma clivagem entre os movimentos que, como ATTAC (recusam a Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto portadora de hegemonia neo-liberal) e as Organizações não governamentais (ONG) (que pretendem participar no processo de Regulação). Por seu turno, os ALTERMUNDIALISTAS radicais, se pretendem, sem concessão, no que diz respeito ao Sistema Mundial, que querem deitar abaixo e, não só, optaram pela ruptura, como se assumem os advogados, nos grandes Fóruns internacionais.
(II) É o que explica, em princípio, a fractura, que existe, no seio de um movimento de recrutamento heterogéneo e, entre o qual, encontram a expressão, aquando dos relevantes eventos, que reúnem, regularmente, aos níveis europeu e planetário, os altermundialistas auto-proclamados. Notar-se-á, aliás, que as linhas de clivagem, não são, sempre muito nítidas.
(III) Donde subsiste, que mesmo as grandes ONG que (participam, plenamente no Sistema das Relações Internacionais) lideram, paralelamente campanhas, violentamente contestatárias. Pôde-se os acusar de jogar com um pau de dois bicos, cultivando, simultaneamente a contestação e a negociação!
(IV) Todavia, uma tal durabilidade não é consubstancial a este tipo de organização? E, sobretudo, não se vê se desenhar um modo de Governação Mundial, que tende a integrar os opositores, numa dinâmica mais ampla? É, aliás, esta, a Tese do sociólogo alemão (docente, na Universidade de Munique e na London School of Economics), o professor, ULRICH BECK (n-1944), segundo a qual: “a era cosmopolita” em que nos encontramos insertos se caracteriza por “um regímen de inimigos sem inimigos” que integra os governantes e os contestatários. Vê-lo-emos, deste modo, finalmente se unir sobre temas, em que tudo parecia os opor, designadamente, no caso da dívida dos países mais pobres, identicamente, muitos dirigentes reconhecem o interesse da taxa TOBIN.
(V) Donde, se afigura, assaz pertinente, questionar, se as ONG não seriam elas, então, mais nada que “a consciência superior dos governos”? Em todo o caso, os vínculos/elos que se tecem entre as firmas e as organizações não governamentais estão presentes para atestar deste novo dado: Coca-Cola ajuda o Socorro popular, CARREFOUR escora a Federação internacional dos Direitos Humanos, HAVAS contribui para as acções de CARE.
(VI) Como se pode ver, o que se desenha (no horizonte dos Eventos) é um jogo mais complexo em que os parceiros da Governação Mundial, já não são, os únicos Estados e organizações internacionais (oriundos dos desideratos governamentais), sim, onde, doravante, passaram a ter entrada as “autoridades privadas”, morais e económicas, ONG e empresas. Um jogo em que a arma da mobilização colectiva, robustamente mediatizada é elevada a um lugar eminente e, em que a prática das parcerias e da negociação, se assume, assaz real e efectiva.
(VII) No âmbito desta dinâmica, se antolha, quão significativo verificar (e, atentar, ipso facto) na forma como evoluiu o frente a frente, que pôs em espectáculo, a realização, quase simultaneamente, dos fóruns de DAVOS e de Porto Alegre (Brasil). Ou seja:
a. O primeiro (o de DAVOS) reúne as elites dirigentes da economia Mundial, enquanto o segundo (o de Porto Alegre), foi criado para fazer ouvir a voz dos excluídos.
b. Vejamos, então, mais, em pormenor:
i. No ano de 2005, foi o Presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva (fundador do Partido do Trabalho) e uma das figuras emblemáticas do ALTERMUNDIALISMO, que se deslocou à DAVOS após ter discursado em Porto Alegre. Lula se explicou, deste modo: “A discussão acerca dos campos comuns possíveis entre o Fórum Social Mundial de Porto Alegre e o Fórum económico Mundial de DAVOS, que tem lugar, simultaneamente, constitui uma tarefa incluída, no âmbito desta abordagem. Não se trata de pedir às pessoas de deixar de ser o que são, mas bem de estabelecer vínculos entre comunidades unidas por um destino humano indivisível”. (Extracto do discurso do Presidente, Lula da Silva, sob o título: “Entre DAVOS e Porto Alegre, campos comuns possíveis, 2005).
(VIII) Neste contexto, se nos afigura, quão interessante e assaz elucidativo, confrontar as formulações de BECK e as análises do filósofo e político marxista, italiano, António NEGRI (n-1933) em colaboração com o seu ex-aluno, o técnico e político filósofo norte-americano, MICHAEL HARDT (n-1960), pois são sintomáticos de uma abordagem que remete, radicalmente em questão o conceito de Estado nação, fazendo certificar que quando se implanta uma entidade englobante, acontece o que o primeiro identifica como regímen cosmopolita, enquanto os segundos a denominam sob o conceito de Império.
(IX) Interessante consignar, que NEGRI e HARDT, fiéis à tradição marxista, edificam as suas esperanças nos movimentos (em profundidade) que permitirão à multidão de se afirmar, enquanto BECK se coloca, num projecto, que assegura a fusão da democracia e dos Direitos Humanos.
(X) O que é curioso é que as duas obras concluem por uma referência ao religioso. BECK fala do cosmopolitismo como de uma “religião terrestre”, de uma “ordem divina secular”, enquanto, os autores de Império evocam a imagem de São Francisco de Assis. Identicamente, fazem referência ao conceito de amor, próprio do Cristianismo e do Judaísmo, em que “o amor divino para o Humanismo e o amor humano para Deus são expressos e incarnados no projecto político comum da multidão” e concluem, afirmando da necessidade de “recuperar esta significação material e política do amor como força que se opõe à morte”.
(XI) De sublinhar, que estas duas evocações do religioso, que se pretendem, antes de tudo, racionais e analíticas, nos parecem, assaz sintomático. Quiçá, se afigure necessário reintegrá-las num contexto marcado pela dificuldade em apreender a questão do poder. Tudo se passa, de algum modo (por assim dizer) se assistíssemos a uma forma de escapadela (leia-se, outrossim, fuga a uma obrigação ou compromisso), no seio do pensamento crítico, perante uma evolução que parece, permanentemente a projectar num futuro que as suas próprias categorias só lhe permitem elucidar anormalmente. A menos, pelo contrário, que ela não se encontre, na acepção própria, ofuscada pela evidência de uma omnipresença do poder (o “poder sem sociedade”), que se auto-reproduz, sem por essa razão, dar ensejo, de algum modo, que os que se mobilizam contra esta se encontram remetidos a uma postura encantatória.
(XII) Esta situação é particularmente sensível entre os ALTERMUNDIALISTAS, herdeiros de uma retórica dominada pelos conceitos de sociedade e de Estado e que eles mesmos confessam a dificuldade que experimentam em definir uma estratégia de conjunto. Eis porque, não é de se admirar do êxito dos fóruns, este espaço onde reina a palavra, onde se conduzem discussões intermináveis acerca das transformações do Mundo, onde se vêm recarregar as baterias, se exprimir, avaliar os males do presente, perscrutar a perfídia dos tempos vindouros.
Continua:
Lisboa, 29 Agosto 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).