O CU DO MUNDO
No mês de Março deste ano dirigi-me ao hospital público de S. Filipe com o propósito de pedir ao delegado de saúde um favor (não era bem um favor: era algo a que tinha o direito de pedir). Esperei que ele acabasse uma visita a uma das enfermarias e então abordei-o cá fora. Apresentei-me dizendo-lhe quem eu era e só depois solicitei o “favor”. Arrogantemente e já afastando-se de mim, aquela figurinha de menino malcriado disse-me que não podia satisfazer o meu pedido pois se considerava incompetente para isso. Sem mais. Nem sequer lhe passou por aquela cabecinha oca a ideia de apresentar a recusa de forma correcta com, por exemplo, um “lamento muito, mas não posso satisfazer o seu pedido”. Nada disso: foi mais grosseiro que o conteúdo das latas que se deitam ao mar de Bocarrom. Eu (hoje aculturado na Europa) reagi, suponho que com elevação: agradeci e fui-me embora. Pode parecer cobarde mas não é: os seres evoluídos perdem agressividade social. E eu, passe a imodéstia, tenho-me na conta de um ser socialmente evoluído.
Quando comparo este comportamento com o de uma instituição americana, o Women and Infants Hospital de Rode Island, sinto-me perante esse delegado de saúde de S. Filipe como Sir David Attenborough (especialista em vida selvagem) se sentia perante os exemplares de animais que ao longo da vida estudou nas selvas de todo o mundo: deslumbrado com a genuinidade da vida selvagem.
Com efeito, há cerca de dez anos, fiz uma visita aos Estados Unidos e aproveitei o facto de ter sido inaugurado, havia pouco tempo, esse hospital americano, para pedir que me fosse facultada uma visita às unidades do mesmo pois pretendia ver o avanço técnico e os equipamentos que por lá havia.
O Departamento de ralações públicas do hospital, depois de confirmar a minha qualificação pela carteira profissional que apresentei, marcou-me um dia para a visita requerida. Nesse dia foi destacado o Dr. Curren para me acompanhar numa visita exaustiva a todas as alas relevantes de dito hospital (coisa que demorou mais de duas horas); fizeram-me uma pequena recepção em que me foi servido café e oferecido biscoitos. O Dr. Curren fora-me esperar à porta do hospital e até lá me acompanhou quando me despedi depois de agradecer tamanha honraria.
Hoje, depois dos episódios acima relatados, sou obrigado a pensar que se a competência profissional desse delegado for do mesmo nível que a (falta de) educação da criatura, então a população do Fogo está em maus lençõis, em muito maus lençóis, e cada vez mais perto de Dimingo di nha Pinécha (coveiro já falecido).
quarta-feira, 30 de julho de 2003
quarta-feira, 23 de julho de 2003
SECUNDARIZANDO A DISNEYLÂNDIA
Há nos Estados Unidos duas pessoas sem as quais seria perfeitamente desinteressante visitar aquele país: uma delas é o Cau Pires, o maior amigo do seu amigo que alguma vez conheci; e outra é o Van Feijóo (não escrevo Vã porque é feminino de vão, vazio) a alma mater de qualquer convívio digno desse nome. O meu bem haja aos dois! E um abraço do tamanho do mundo.
Àqueles dois vou acrescentar mais um amigo, que me reapareceu há um ano, aquando da minha última visita aos “States”, Ramiro Mendes – músico internacionalmente consagrado que me brindou em privado com uma noite inesquecível –. Obrigado Ramiro.
Há nos Estados Unidos duas pessoas sem as quais seria perfeitamente desinteressante visitar aquele país: uma delas é o Cau Pires, o maior amigo do seu amigo que alguma vez conheci; e outra é o Van Feijóo (não escrevo Vã porque é feminino de vão, vazio) a alma mater de qualquer convívio digno desse nome. O meu bem haja aos dois! E um abraço do tamanho do mundo.
Àqueles dois vou acrescentar mais um amigo, que me reapareceu há um ano, aquando da minha última visita aos “States”, Ramiro Mendes – músico internacionalmente consagrado que me brindou em privado com uma noite inesquecível –. Obrigado Ramiro.
JORGE BARBOSA
Houve um tempo em que o mar, para além de dar o sustento, era quase tudo para o cabo-verdiano – o único caminho para muita coisa –. Dele dependiam a circulação do correio, das mercadorias, das pessoas; era o caminho do sonho e do pesadelo: o sonho da vida desafogada do estrangeiro e o pesadelo do desenraizamento e da perda cultural. Mas o mar era mais visto como um bem do que como um mal: era a única porta de saída para uma vida melhor; a única via de evasão da prisão das ilhas.
O poeta, Jorge Barbosa, no belo poema “Cinzeiro”, esqueceu por um momento a sua permanente preocupação com as dificuldades das ilhas e imaginou-se emigrante numa viagem transatlântica. Fiquemos com esse poema.
À noute quando escrevo
tenho fantasias
que não chego a escrever
nem conto a ninguém
Esta, por exemplo,
de ver um paquete
no meu cinzeiro
de feitio oblongo!
Ponho nele, de pé,
as pontas dos cigarros.
São mastros
E chaminés fumegantes...
Os fósforos
são carregamento
e a cinza
são as cinzas das fornalhas...
Deito nele
pedacinhos de papel que eu rasgo,
- restos de algum poema...
São cartas para longe.
Voam à roda do meu cinzeiro
pequeninos insectos tropicais
companheiros nocturnos
dos poetas da minha terra
São os pássaros marinhos,
as gaivotas
que vêm espreitar
de perto o paquete
Empurro-o com a mão
e o paquete lá vai
com o rumo traçado
através do Atlântico
Lá vai!
E como é bom partir
mesmo dentro
da nossa fantasia
Lá vai!
Os passageiros da primeira
passeiam no deck
ou jogam o bridge...
E a rapariga loura
estira-se indolente
na cadeira de lona
a ler um romance...
No convés da terceira classe
um emigrante qualquer
debruçou-se na borda
olhando o horizonte...
Sou eu.
Houve um tempo em que o mar, para além de dar o sustento, era quase tudo para o cabo-verdiano – o único caminho para muita coisa –. Dele dependiam a circulação do correio, das mercadorias, das pessoas; era o caminho do sonho e do pesadelo: o sonho da vida desafogada do estrangeiro e o pesadelo do desenraizamento e da perda cultural. Mas o mar era mais visto como um bem do que como um mal: era a única porta de saída para uma vida melhor; a única via de evasão da prisão das ilhas.
O poeta, Jorge Barbosa, no belo poema “Cinzeiro”, esqueceu por um momento a sua permanente preocupação com as dificuldades das ilhas e imaginou-se emigrante numa viagem transatlântica. Fiquemos com esse poema.
À noute quando escrevo
tenho fantasias
que não chego a escrever
nem conto a ninguém
Esta, por exemplo,
de ver um paquete
no meu cinzeiro
de feitio oblongo!
Ponho nele, de pé,
as pontas dos cigarros.
São mastros
E chaminés fumegantes...
Os fósforos
são carregamento
e a cinza
são as cinzas das fornalhas...
Deito nele
pedacinhos de papel que eu rasgo,
- restos de algum poema...
São cartas para longe.
Voam à roda do meu cinzeiro
pequeninos insectos tropicais
companheiros nocturnos
dos poetas da minha terra
São os pássaros marinhos,
as gaivotas
que vêm espreitar
de perto o paquete
Empurro-o com a mão
e o paquete lá vai
com o rumo traçado
através do Atlântico
Lá vai!
E como é bom partir
mesmo dentro
da nossa fantasia
Lá vai!
Os passageiros da primeira
passeiam no deck
ou jogam o bridge...
E a rapariga loura
estira-se indolente
na cadeira de lona
a ler um romance...
No convés da terceira classe
um emigrante qualquer
debruçou-se na borda
olhando o horizonte...
Sou eu.
UM ERRO NO COMEÇO
Sobre a descoberta das ilhas de Cabo Verde leio na obra de Sena Barcelos “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné” (Vol. I, pág. 7) a seguinte transcrição da narração de Diogo Gomes, depositada na biblioteca de Munique, Alemanha, a qual viu a luz do dia numa pesquisa do inglês Richard Henry Major:
…«Dois anos depois (de 1458) o rei Afonso equipou uma grande caravela em que me mandou de capitão, e tomei comigo dez cavalos, e fui à terra dos barbacins, etc. etc.,»
…«Eu e António da Noli deixámos então aquele porto de Zaza e navegámos dois dias e uma noite para Portugal e vimos algumas ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma daquelas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez António, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz, não vimos rastos de homem e chamamos a ilha de Santiago por ser descoberta no dia do santo, aí pescámos grande abundância de peixe, etc. etc. depois vimos a ilha Canária que se chama palma e depois fomos à ilha da Madeira e querendo ir para Portugal por causa do vento contrário fui parar às ilhas dos Açores, António da Noli esperou na ilha da Madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a Portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago que eu tinha descoberto e o rei lha deu, e ele a conservou até à sua morte, eu com grande trabalho cheguei a Lisboa.»
Leio isto e fico a pensar se não terá sido esse episódio uma espécie de pecado original no nascimento da nação Cabo-verdiana. Terá esse pecado trazido alguns condicionalismos à marcha das ilhas através da História, sendo a capitania de Cabo Verde entregue a um genovês? Isso fica para o pensamento de cada um, mas certo, certo, é que o começo não foi limpo e a terra foi parar, no seu início, a mãos imerecedoras.
Sobre a descoberta das ilhas de Cabo Verde leio na obra de Sena Barcelos “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné” (Vol. I, pág. 7) a seguinte transcrição da narração de Diogo Gomes, depositada na biblioteca de Munique, Alemanha, a qual viu a luz do dia numa pesquisa do inglês Richard Henry Major:
…«Dois anos depois (de 1458) o rei Afonso equipou uma grande caravela em que me mandou de capitão, e tomei comigo dez cavalos, e fui à terra dos barbacins, etc. etc.,»
…«Eu e António da Noli deixámos então aquele porto de Zaza e navegámos dois dias e uma noite para Portugal e vimos algumas ilhas no mar, e como a minha caravela era mais veleira do que a outra, abordei eu primeiro a uma daquelas ilhas, e vi areia branca e pareceu-me um bom porto, e ali fundeei e o mesmo fez António, disse-lhe eu que desejava ser o primeiro a desembarcar e assim fiz, não vimos rastos de homem e chamamos a ilha de Santiago por ser descoberta no dia do santo, aí pescámos grande abundância de peixe, etc. etc. depois vimos a ilha Canária que se chama palma e depois fomos à ilha da Madeira e querendo ir para Portugal por causa do vento contrário fui parar às ilhas dos Açores, António da Noli esperou na ilha da Madeira e com melhor tempo chegou antes de mim a Portugal e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago que eu tinha descoberto e o rei lha deu, e ele a conservou até à sua morte, eu com grande trabalho cheguei a Lisboa.»
Leio isto e fico a pensar se não terá sido esse episódio uma espécie de pecado original no nascimento da nação Cabo-verdiana. Terá esse pecado trazido alguns condicionalismos à marcha das ilhas através da História, sendo a capitania de Cabo Verde entregue a um genovês? Isso fica para o pensamento de cada um, mas certo, certo, é que o começo não foi limpo e a terra foi parar, no seu início, a mãos imerecedoras.
NOTA PRÉVIA
“África Minha” destina-se por inteiro àqueles que de longe, nos Estados Unidos e em Cabo Verde, me lêm com regularidade no SALMOURA e não compreendem porque é que nada lhes digo sobre Cabo Verde e sobre África.
“África Minha” será por vezes ingénuo (muitas vezes propositadamente ingénuo) porque “África Minha”, mesmo sendo apenas um blogue, é um pouco o berço onde o autor fará, às vezes, a sua regressão para se sentir inocente, santo e reconfortado. Por isso desde já peço as maiores desculpas aos intelectuais de serviço por irem encontrar aqui abundante matéria para me baterem desalmadamente. Batam-me, mas com carinho porque aqui serei sempre criança.
“África Minha” não é uma página dedicada somente a África. Em “África Minha” haverá de tudo um pouco: História e histórias, poesia, ficção, pintura, comentários, sugestões, etc. Serei por vezes anárquico na colocação dos textos e não me preocuparei com a sua arrumação. Passado e presente confundir-se-ão de vez em quando; outras vezes ficcionarei situações que em momento algum conterão factos verídicos ou sequer parte deles. E se por acaso, uma ou outra vez, a ficção se confundir com a realidade isso será pura coincidência.
A quem quer que seja, se tiver que o fazer, referirei directa e abertamente para que não haja a mínima confusão de quem se trata.
“África Minha” não tem qualquer pretensão senão a de ser apenas isto: um lugar onde colocarei textos e imagens; um lugar onde colocarei textos e imagens aos soluços – aos soluços porque não escreverei todos os dias: escreverei à medida que o tempo disponível o for permitindo, e quando e enquanto me der gozo fazê-lo.
“África Minha” será um espaço fechado a qualquer polémica. Viverá por si e morrerá com o autor ou quando este entender chegado o momento para lhe pôr fim.
“África Minha” destina-se por inteiro àqueles que de longe, nos Estados Unidos e em Cabo Verde, me lêm com regularidade no SALMOURA e não compreendem porque é que nada lhes digo sobre Cabo Verde e sobre África.
“África Minha” será por vezes ingénuo (muitas vezes propositadamente ingénuo) porque “África Minha”, mesmo sendo apenas um blogue, é um pouco o berço onde o autor fará, às vezes, a sua regressão para se sentir inocente, santo e reconfortado. Por isso desde já peço as maiores desculpas aos intelectuais de serviço por irem encontrar aqui abundante matéria para me baterem desalmadamente. Batam-me, mas com carinho porque aqui serei sempre criança.
“África Minha” não é uma página dedicada somente a África. Em “África Minha” haverá de tudo um pouco: História e histórias, poesia, ficção, pintura, comentários, sugestões, etc. Serei por vezes anárquico na colocação dos textos e não me preocuparei com a sua arrumação. Passado e presente confundir-se-ão de vez em quando; outras vezes ficcionarei situações que em momento algum conterão factos verídicos ou sequer parte deles. E se por acaso, uma ou outra vez, a ficção se confundir com a realidade isso será pura coincidência.
A quem quer que seja, se tiver que o fazer, referirei directa e abertamente para que não haja a mínima confusão de quem se trata.
“África Minha” não tem qualquer pretensão senão a de ser apenas isto: um lugar onde colocarei textos e imagens; um lugar onde colocarei textos e imagens aos soluços – aos soluços porque não escreverei todos os dias: escreverei à medida que o tempo disponível o for permitindo, e quando e enquanto me der gozo fazê-lo.
“África Minha” será um espaço fechado a qualquer polémica. Viverá por si e morrerá com o autor ou quando este entender chegado o momento para lhe pôr fim.
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