sábado, 14 de janeiro de 2012

O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES

Este post destina-se às pessoas que dão atenção a esta coisa enfadonha que é a Literatura; e mais talvez aos mais jovens que gostam de literatura e estão a iniciar-se nesta fascinante arte que é simultaneamente expressão de Deus e do Homem.

Trago aqui um excerto do famoso poema de Edgar Allan Poe, O Corvo, e duas traduções do mesmo: uma de Fernando Pessoa e outra de João Costa (edição da Arcádia). O Objectivo pretendido é evidenciar o quanto uma tradução pode constituir-se em uma obra outra diferente da obra original.

Trata-se de poesia. E certo é que relativamente à prosa as traduções são menos “divergentes”; mas o fenómeno da reescrita por parte do tradutor é inevitável ― porque é a própria arte da tradução que o exige. Daí o dever-se privilegiar a leitura do original sempre que possível.

THE RAVEN
«Prophet!» said I, «thing of evil! ― prophet still, if bird or devil!
By that Haven that bends above us  ― by that God we both adore ―
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aiden,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore ―
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore.»
Quoth the Raven «Nevermore.»
[Edgar Allan Poe]

O CORVO
«Profeta», disse eu, «profeta ou demónio, ou ave preta ―!,
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Diz a esta alma entristecida se no Eden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
                Disse o corvo, «Nunca mais.»
[Tradução de Fernando Pessoa]

O CORVO
― Profeta ― disse eu ―, ente de desgraça! No entanto profeta, pássaro ou demónio!
Pela abóboda celeste que nos cobre as cabeças... pelo Deus que ambos adoramos!
Diz a esta alma cheia de tormento se no Paraíso
Lhe será permitido estreitar a si a santa jovem que, entre Anjos, se chama Lenora,
Estreitar a si a única e radiosa jovem que, entre os Anjos se chama Lenora?
                O corbeau disse: ― Nunca mais.
[Tradução de João Costa]