quinta-feira, 31 de março de 2011

MANIFESTO PARA UM S. VICENTE MELHOR

Ex.mo  Senhor Presidente da República de Cabo Verde
Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Ex.mo  Senhor Primeiro-Ministro de Cabo Verde
Ex.mos Senhores Deputados Assembleia Nacional
Ex.mo  Senhor Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente
Ex.mos  Senhores Deputados da AMSV
Ex.mos Senhores Presidentes dos Partidos Políticos de Cabo Verde

Preâmbulo
A ilha de S. Vicente foi, no passado, o centro económico, político,

cultural e intelectual de Cabo Verde. Foi nesta ilha que se

implantaram, no século XIX, com o arranque da Segunda Revolução
Industrial, as primeiras unidades industriais e comerciais do
arquipélago, que dinamizaram toda a vida económica da então colónia.
S. Vicente passaria então a ser o coração do Arquipélago.
A ilha acolheu pessoas que, pobres e sem outra esperança, migraram de
todo o Arquipélago, à procura de uma vida melhor. Graças à abertura ao
exterior proporcionada pelo seu importante porto de mar, Mindelo
tornou-se um centro cosmopolita, fervilhando de actividades culturais,
artísticas e recreativas, que o projectaram no contexto regional.
Abrigou as melhores escolas e o primeiro liceu da colónia, tendo sido
o berço da quase totalidade da passada e actual ‘’intelligentsia”
cabo-verdiana, assim como da maior parte da actual classe dirigente do
país. A ilha congrega as múltiplas idiossincrasias de Cabo Verde,
sendo o paradigma do sincretismo nacional. É um exemplo de tolerância
e integração positiva de valores universais. Foi em Mindelo que nasceu
o primeiro movimento cultural que haveria de conduzir ao despertar da
consciencialização política da população da colónia, e foi nele que se
travaram as lutas mais determinantes para o futuro de Cabo Verde.
Por estranho paradoxo, o início da decadência de S. Vicente coincide
com a inauguração de Cabo Verde como país independente, quando as
legítimas expectativas apontariam para o inverso, em consonância com
os valores de liberdade e ânsia de progresso que foram sempre
consagrados pela sua população. O modelo de desenvolvimento
implementado pela I República de Cabo Verde consistiu em concentrar
todos os poderes e recursos na Capital, opção com consequências
gravosas para S. Vicente, em particular, e Cabo Verde, em geral,
chegando a ilha a uma situação de penoso retrocesso e quase
irrelevância política. Todos os governos sucessivos prosseguiram nesta
mesma tendência asfixiante, que se acentuou nos últimos anos.
A ilha de S. Vicente foi marginalizada politicamente e aos poucos foi
sendo depauperada da maior parte dos seus recursos humanos, em virtude
do efeito centrípeto que uma capital macrocéfala teria fatalmente de
exercer. A situação actual da ilha é caracterizada por uma clara
decadência económica e cultural, um nível elevado de desemprego,
problemas de delinquência, insegurança e outros males antes
desconhecidos.
Recusando ver a ilha enveredar por tão vertiginosa decadência, um
grupo de cidadãos subscreveu este apelo, em prol de um S. Vicente
Melhor, exortando à implementação de políticas tendentes a inverter a
situação, a fim de recolocar a ilha no lugar de destaque que merece no
conjunto do país, e em conformidade com o protagonismo histórico que
assumiu ao longo de mais de um século, com proveito para todos os
cabo-verdianos.



Assim, entendemos que é imperativo implementar uma série de medidas, a saber:



1.No plano económico e social



Promover mais e melhor investimento do Estado em sectores geradores de

riqueza na ilha, incentivando a criação e a densificação de pequenas e
médias empresas competidoras no mercado, a formação profissional e a
qualificação da mão-de-obra.
No âmbito do que precede: procurar envolver mais intensamente o sector
empresarial privado de S. Vicente, sobretudo identificando casos de
excelência que possam ser replicáveis, estimulados e mostrados no
exterior, concitando parcerias em áreas afins;  potenciar o que de bom
já existe e apoiar o desenvolvimento crescente dessas empresas,
mediante  linhas de apoio financeiro à iniciativa privada; organizar
mostras do que é especial na ilha de S. Vicente, para divulgação a
nível nacional e externo; valorizar internamente casos de sucesso em
termos da resposta social às questões mais problemáticas.
Implementar uma Infra-estruturação adequada, nomeadamente no âmbito do
Porto e do Aeroporto, de modo a maximizar as potencialidades da ilha e
a fazer dela  uma plataforma do comércio internacional.
Em particular, tornar realidade o prometido Cluster do Mar, já que se
trata de um projecto de grande alcance e dos que melhor se enquadram
com a vocação marítima e as tradições laborais da ilha de S. Vicente.
Um “Cluster do Conhecimento e da Economia do Mar”, se for bem
concebido e projectado, poderá ser um importante factor de
relançamento da ilha, com benefício para todo o país. Um Cluster desta
natureza englobará actividades como a construção naval, operações
portuárias, intensificação e modernização das pescas, transformação de
pescado, além do turismo marítimo. Em conformidade, expandir a
investigação e o desenvolvimento tecnológico em áreas científicas
relacionadas com o mar, bem como estimular a inovação nas actividades
económicas centradas nos recursos marinhos, fomentando o acesso a
serviços tecnológicos e o empreendedorismo. Neste âmbito, haverá que
potenciar as possibilidades do ISECMAR, dotando-o de meios e
equipamentos em ordem aos objectivos de desenvolvimento tecnológico em
vista.
Facilitar a instalação em S. Vicente de empresas multinacionais de
novas tecnologias, empregando mão-de-obra intensiva ou qualificada.
Reforçar os meios e as capacidades das Escolas Técnicas e criar uma
Escola Politécnica, orientando-as para a formação e requalificação
profissional.
Criar um Campus Universitário e um Complexo Científico abertos ao
Mundo, tendentes a integrar Cabo Verde nas novas redes e rotas das
Ciências e Novas Tecnologias, e permitindo o intercâmbio entre
cientistas e jovens universitários de vários continentes.
Investir em politicas rurais para a ilha, nomeadamente, correcção
torrencial, construção de disques e barragens e definição de áreas
agrícolas e de pastoreio para nichos de mercado específicos no mercado
interno e internacional.
Planear a auto-suficiência energética da ilha baseada em energias renováveis.
Finalmente, e não menos importante, repensar seriamente a política da
Emigração, em todas as suas vertentes, atendendo a que as nossas
comunidades diaspóricas têm desempenhado um papel importante nas
transformações políticas, sociais e económicas em S. Vicente como em
todo o Arquipélago. À imagem do povo judaico, cujos lobbies são uma
verdadeira força ao serviço de Israel, recomenda-se que se proceda a
um inventário das capacidades económicas, culturais e outras de que
são detentoras todas as nossas comunidades diaspóricas, a par da
implementação de políticas tendentes à sua melhor (re)integração nas
ilhas de origem e em todo o país, através de incentivos legislativos e
económico-financeiros que facilitem o investimento na ilha e o seu
retorno. Se esta questão não é exclusiva da ilha de S. Vicente, o
facto é que a emigração assumiu particular relevância na vida e no
desenvolvimento desta ilha.
2. No plano político
Considerando que os problemas que defronta S. Vicente têm uma origem
inquestionavelmente política, e que a sua resolução dependerá da
exploração conveniente das capacidades e competências políticas
existentes na ilha, associada a uma maior proximidade dos decisores
políticos às populações, recomenda-se o estudo e a implementação de
uma profunda Reforma Política e Administrativa do país, no sentido de
uma criteriosa descentralização política que conduza à criação de
Regiões e Autonomias eleitas pelos cidadãos, com poderes de decisão,
no plano político, económico, financeiro e cultural. Todos os cenários
possíveis devem ser estudados de modo a estimular as solidariedades e
sinergias insulares e regionais e uma competitividade sã no
arquipélago, a par de um envolvimento necessariamente mais activo dos
cidadãos e suas organizações na cena política.



3. No plano cultural



Considerando que Mindelo encerra um Centro Histórico e Cultural único,

com um potencial anímico e arquitectónico que o capacita a ser um dos
cartões de visita de Cabo Verde, recomenda-se a transformação da
cidade numa plataforma de intercâmbio cultural e social, e a
estimulação do desenvolvimento de um turismo de qualidade.
Considerando que o seu património, material e imaterial, vem sendo,
desde há décadas, negligenciado, ameaçado e mesmo demolido, como
aconteceu com vários ex-libris da cidade que foram ou estão em vias de
ser substituídos por projectos arquitectónicos que não só violam a
traça histórica da cidade como representam empreendimentos
imobiliários duvidosos, apela-se a políticas públicas interventivas,
tendentes a: dinamizar a vida social cultural e intelectual da ilha;
classificar e preservar o Património Histórico e Cultural da ilha;
proceder à requalificação urbana da parte histórica e sua integração
nos roteiros culturais e turísticos mundiais; proceder à criação de
uma zona turística requalificada e cultural na Baixa da Cidade
(designadamente, entre Rua de Matijim e Praia d’ Bote).
Por último, apela-se ao respeito pelas especificidades culturais da
ilha e de cada parcela do território nacional, reconhecendo-se como
factor de enriquecimento a diversidade cultural, insular, regional e
linguística do país, repudiando-se, assim, políticas etnocêntricas e
assimilacionistas, baseadas em preconceitos étnicos, filosóficos,
religiosos ou políticos.



Signatários



Subscrevem este Documento cidadãos cabo-verdianos sem qualquer

filiação politico-partidária e pertencentes às mais diversas formações
académicas e áreas profissionais: medicina, engenharias, arquitectura,
investigação científica, ciências físico-químicas, ciências políticas,
economia, sociologia, ensino universitário e secundário, direito,
história, literatura, relações internacionais, diplomacia, ciências
militares, etc. Preocupados com a contínua degradação da situação
económico-social e perda do estatuto político da ilha em que nasceram
ou viveram parte significativa das suas vidas, apelam às altas
entidades destinatárias para que se tomem medidas urgentes e eficazes
no sentido da recolocação da ilha de S. Vicente no lugar que merece e
já ocupou no contexto do arquipélago, a bem do desenvolvimento
integral e equilibrado do país.