quinta-feira, 17 de setembro de 2009

ELOCUBRAÇÃO QUARTA:

Na peugada das Eleições…

“Ser culto es el único modo de ser libré”
José MARTI (1853-1895)

Cada Sociedade tem o Governo que merece…

Vem se afirmando, repetida e exaustivamente, que os Portugueses se desinteressaram da “política” e, mais ainda, dos próprios “políticos”, de quem nada esperam.
Com efeito, nos nossos dias, a eleição (as eleições) se mostra (m) como uma mera experimentação, fazendo surdir o que mascara e dissimula o curso ordinário das coisas, a rotina que perde a vivacidade, tornando menos insuportável a incapacidade dos poderes. O tempo eleitoral é o momento em que tudo se apresenta, numa espécie de desencaixotamento das queixas, recriminações e reclamações respectivas, continuadamente aberta. Eis porque, um tanto ou quanto, num tom eufemístico, se assevera, tratar-se de uma escassa e rara ocasião “verdadeiramente democrática”.
É, outrossim, o tempo de um ritual político de inversão, em que as pessoas, o povo “dispõem do poder” de abanar os políticos, de os colocar na situação de incerteza ou de derrota. É bem isto, que é preciso colectar, classificar, ordenar e tornar significante para além da dispersão dos factos e dos eventos.

A Incerteza eleitoral corrobora o exercício da democracia, o simulacro das vias confirma a utilização autocrática das Instituições políticas, visto que, o resultado estando adquirido, antecipadamente (à partida), sem surpresa, como o são, os dados estatísticos, que o exprimem. Enfim, é o grau de incerteza que determina o grau de intensidade dramática de uma campanha eleitoral.
Costuma, em princípio atingir uma duração propícia para a repetição do inesperado, aos ressaltos, a queda e derrota das retóricas e demais quejandos. Todavia, outrossim, pela sua própria durabilidade, engendra fases de lassidão, momentos de saturação e expectativa impaciente do término do drama, a sua conclusão respectiva. Os candidatos, eles próprios se esfalfam, pois urge forçar a presença, fixar o voto dos jovens, ainda, assaz flutuante que pode trazer a diferença decisiva.

Vivemos, sem dúvida, o momento da agonia da Democracia Ocidental, em que o sistema, degenerado, se converteu, num modelo, de um autêntico mau gosto, de meros círculos eleitorais. É o verdadeiro momento da distribuição, deleteriamente aliciadora de um programado “bodo aos pobres”, em que, ipso facto, os “sacos azuis” reservados para a ocasião e efeitos respectivos, circulam, a rodos, por tudo quanto é sítio. Enfim!...
Sim, efectivamente, deste modo, tudo vai por saltos e ressaltos, paixões devotas e paixões homicidas. Eis porque, se asseverou, desde há já demasiado tempo e que, se assume, eloquentemente na vetusta asserção: A política releva do trágico! E, cada vez menos, neste tempo, em que as histórias se impõem, como substituto da História e o poder se enfatua como gerador de ficções dramáticas ou/e romanescas. Todavia, todos os actores, as primeiras figuras, designadamente, não são equivalentes, nem na escolha do desafio, nem na performance.

Vejamos, então, um pouco mais, em pormenor:
(1) José Sócrates:
---Suscita paixões extremas: o vínculo a um homem cuja a coragem e a vontade de triunfar inspiram, efectivando o quase salvador de um país privado de herdeiros de verdadeiro governo, por um lado, a desconfiança total a respeito de um homem cujas as certezas, a confiança em si e o gosto de si, a vontade de omnipresença pela acção e de decisão em todas as coisas levam a recear e temer uma deriva autocrática, por outro. É desta contradição, da fuga exercida na acção política eleita como meio existencial, que resultam as representações de um “herói” empenhado numa sequência de conquistas.
---De feito, o espaço nacional se conquista pelo espaço mediático, o espaço do exterior (o dos outros), que não se encontra ainda, amplamente aberto a eventuais e possíveis conquistas. Nesse espaço, a figura do “herói” se assume delicada ou em negativo, sendo, deste modo, a sua identificação, assaz incerta.
---E, parafraseando, o escritor francês, Jean-Marc PARISIS: “Il parle et se montre beaucoup, mais l’important est ce qu’il ne dit pas et ce qu’on ne voit pas… Derrière ses sourires, il y a des cauchemars dont il a le secret. De lui émane un fort parfum de tragédie ».
(2) Manuela Ferreira Leite :
a. Portadora, soit disant, de todos os conspectos de uma mulher de boas origens e de “boa educação” (e, por que não, quiçá de “boa” instrução académica) que reage aos constrangimentos do seu meio pelo seu caucionamento social-democrático.
b. Enfim, a candidata: o seu “charme” é reconhecido (aparentemente), sublinhado, sobretudo pelos seus apaniguados/lacaios, no entanto, concomitantemente a liga: torna um ícone, todavia, os ícones são feitos para a adoração e não para a condução política das Nações, uma madona, porém, as madonas existem para o culto da beleza e, a revelação pela Arte e, sobre uma forma, mais crítica, torna a Santa Padroeira social-democrática que leva a boa palavra. Uma social-democrata cujo o conservadorismo obsoleto estaria dissimulado, uma espécie de devota “solidária”, uma “patriota” vinculada ao estandarte verde/rubro e à divinação do hino nacional…
c. Sim, enfim, uma “mulher” que “ousa” (segundo os seus apaniguados, obviamente), a despeito dos entraves que os “dignitários” e os “barões” do seu partido (o PSD) queriam lhe atar, que arvora uma paixão popular (“populista”, asseveram quiçá os seus adversários?).
d. Faz frente: “Sou uma mulher firme e em pé”. Se sobre este fundo, se acrescenta mais as ausências/deserções, outrossim, as traições, as feridas sofridas, no decurso da campanha, aparecem todos os elementos necessários para uma dramatização dos efeitos do mérito e a procura (a todo o custo e preço) do poder, afrontamentos em que a “solidez” do carácter e a vontade de vencer em prol do serviço do “bem”, se aventuram.

Das duas personagens principais apostados neste drama em numerosos episódios e inversões de situação é Sócrates que assume o papel mais turbulento, o mais ofensivo, enquanto Manuela se remete aos papéis reunidos de autor-actor-encenador que escreve, gere, encena a sua peça e a interpreta: título possível: O verdadeiro nascimento da “Democracia participativa”.
Para ambos, a prestação possui, em si mesma, uma dimensão, uma significação política, visto que é consoante esse critério que ela (referindo-se, obviamente à prestação) será apreciada.
E, enquanto o texto representado, composto e adaptado, no decurso do movimento dramático é julgado sobre o que exprime e deixa entender, sobre o que modela a sua expressão. Um modelo mais centrado sobre a procura do resultado, sobre a performance com afrontamento concorrencial e imagem da empresa eficaz, para o “texto” Sócrates; um modelo de recepção e acolhimento respectivo de todas as palavras urbanas, outrossim de todos os lamentos e de composição da récita, ao mesmo tempo (regularmente), para o texto Manuela.

Em termos, imediatamente políticos, ter-se-á asseverado, que estes “textos” representados constituem o suporte de um programa, de contornos flutuantes conforme as reacções das audiências. Nas sociedades ultramodernas, simultaneamente “numerizadas” e “teatralizadas”, o segundo destes aspectos introduz, com uma evidência, cada vez mais e mais, marcada a necessidade de uma avaliação efectuada segundo os critérios dos espectáculos. Os candidatos são, primeiramente experimentados, apreciados, desejados ou não, de modo imediato, à partir da sua “imagem” e do seu modo de falar, da sua voz, evidentemente. A sua presença na imagem, as suas posturas, o seu gestual peculiar e a expressividade do seu rosto fazem da impressão ressentida um juízo espontâneo, não elaborada, monótona e insipidamente carregada de afectos.

NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra.
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora!
Valete, Fratres.
10.12.1928
Fernando PESSOA
In Mensagem

Nota final:
Esta ELOCUBRAÇÃO é dedicada ao nosso Grande Amigo (notre frère aimé), o Dr. Fortunato Vaz RODRIGUES, com um robusto abraço do Chicão.

Lisboa, 16 Setembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo)
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