quarta-feira, 22 de julho de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA:


Recordando FRANTZ FANON (1925-1961):

“Faire sauter le monde colonial est désormais
une image d’action très claire, très compréhensible
et pouvant être reprise par chacun des individus
constituant le peuple colonisé. »FRANTZ FANON

PRIMEIRA PARTE :

O psiquiatra, escritor e ensaísta antilhano, de ascendência africana, FRANTZ FANON, que faleceu bastante jovem, ou seja aos trinta e seis (36) de idade, na sequência de uma leucemia, se hoje estivesse, ainda vivo, completaria, no próximo dia 20 de Julho, deste corrente ano de 2009, a bela idade de 84 anos.
Com efeito, nasceu, em Fort-de France, Martinica, a 20 de Julho de 1925, tendo vindo a falecer, a 6 de Dezembro de 1961, em Washington. DC.
Quiçá tenha sido, o maior pensador do século XX pretérito, no âmbito dos temas da descolonização e da psicopatologia da colonização. As suas obras foram inspiradas nos movimentos de libertação anti-coloniais, por mais de quatro décadas.
Militante do Movimento para a Independência da Algéria, no seio da Frente de Libertação Nacional (FLN), é autor das seguintes obras:
--- Peau noire, masques blancs (Seuil, 1952) ;
--- L’An Vde la révolution algérienne (Librairie François MASPERO, 1959) ;
--- Pour la révolution africaine (Librairie François MASPERO, 1964) ;
--- Les damnés de la terre : publicado pela primeira vez, no ano de 1961, pelas Edições François MASPERO e, em 1968, pelo mesmo editor, com o famigerado prefácio de Jean-paul SARTRE.

De feito, FRNTZ FANON nasceu no ano de 1925, em Fort-de France, MARTINICA, no seio de uma família da pequena burguesia abastada. Criança oriunda de uma fratria numerosa evolui, num mundo da vetusta colónia, onde não é ainda uso se interrogar acerca da escravatura. Todavia, muito jovem, FANON se compromete nas Forças gaulistas, o batalhão V, reagrupando os voluntários das Caraíbas. E, é, na realidade, no decurso deste “engagement”que adquire a sua cultura de Resistência e, identicamente fez a experiência do racismo trivial, quotidiano.
Uma vez, desmobilizado, com a Cruz de Guerra retorna a Martinica em 1945, passa o seu Baccalauréat e frequenta as tertúlias de Aimé CÉSAIRE (1913-2008).
Rapidamente, se reencontra em França para prosseguir os seus estudos de Medicina, na cidade de Lyon. Paralelamente, a estes estudos, se apaixona pela filosofia, antropologia, o Teatro e se embrenha, empenhando, a fundo, na sua especialização, no âmbito da Psiquiatria.
Simultaneamente, conquanto não adira a nenhum partido político, participa, porém, em todo movimento anti-colonialista e contribui na redacção de um pequeno periódico, Tam Tam destinado aos estudantes originários das colónias. E escreve, então, um primeiro artigo na revista Esprit (1952), “Le syndrome nord-africain”, no qual se interroga acerca do operário nord-africain, exilado, sofrendo por ser um “homme mort quotidiennement” que, afastado das suas origens e separado dos desígnios e objectivos, tornam um objecto, uma coisa arremessada no grande tumulto.

No Hospital de Saint-Alban, onde permanecerá quinze (15) meses, FANON fez um encontro fundamental, com o psiquiatra de origem espanhola e militante anti-franquista de nome François TOSQUELLES. Este encontro soldou para ele numa formação assaz determinante, no plano e domínio da Psiquiatria, outrossim e, ainda, no dos seus futuros compromissos ideológicos e políticos. Encontra, então aí, o verdadeiro ponto de encontro, onde a alienação é interpelada, em todo os seus registos, em vez da junção do somático e do psíquico, da estrutura e da história.
Finalmente, em 1953, conclui os exames de médico dos hospitais psiquiátricos e é, então, nomeado para o hospital de BLIDA, na Argélia.

Em Argélia, se encontra confrontado, não unicamente com a Psiquiatria clássica dos asilos, porém, identicamente com a teoria dos psiquiatras da Escola de Argel, acerca do primitivismo dos indivíduos.
A pouco e pouco (gradualmente) descobre a realidade colonial da Algéria da época. Num primeiro tempo, colocará toda a sua energia, com o objectivo de transformar os serviços, sob a sua responsabilidade efectiva, introduzindo a “social-thérapie” estudada e praticada com TOSQUELLE. Não terá de cessar de transformar, deste modo, a conexão dos pacientes com os alienados, com os Europeus, identicamente, porém, com os “indígenas” muçulmanos, procurando restaurar os seus referentes culturais, a sua língua, a organização da sua vida social, tudo quanto pudesse fazer sentido, obviamente. De consignar, que esta pequena revolução psiquiátrica é reconhecida tão bem pelo pessoal dos cuidados de Saúde (na maioria, empenhados politicamente), como outrossim, por militantes da região. Deste modo, a sua reputação se estende e de que maneira. Estamos já no Ano de 1955 e a guerra conducente à Libertação da Algéria do domínio colonial francês, principiou, sob o bom Signo.

Por razões assaz óbvias, FANON não compreende a deletéria cegueira do Governo socialista francês de então ante o sério desejo de Independência dos Argelinos. Eis porque, as suas robustas posições anti-colonialistas são, cada vez mais e mais, conhecidas. Assim, será contactado pelo movimento “Amitiés algéreinnes”, Associação humanitária destinada a levar apoio material às famílias dos detidos políticos, dirigida, de facto, por militantes nacionalistas em ligação com os combatentes, que abraçaram a guerrilha, perto de BLIDA. E o primeiro pedido que lhe é feito é de assumir a responsabilidade de cuidar dos guerrilheiros, padecendo de perturbações psíquicas.

É, deste modo, por capilaridade entre Psiquiatria e empenhamento político, que FANON se compromete na luta dos Argelinos para a conquista da sua Independência efectiva.
No ano de 1956, demite do seu cargo de médico psiquiatra, através de uma carta aberta endereçada ao Résident General, Robert JACOSTE em que escreve, asseverando que lhe é impossível querer, custe que custar, desalienar indivíduos, os “remettre à leur place dans un pays où le non-droit, l’inégalité et le meurtre sont eriges en príncipes législatifs, où l’autoctone, aliéné permanent dans son propre pays, vit dans un état de dépersonlisation absolu”. E, como corolário lógico desta famigerada carta aberta FANON é expulso da Argélia.

Passa, em seguida, três (3) meses em França, no primeiro trimestre do ano de 1957, estadia, no decurso do qual não encontra eco à sua sólida convicção, que a Independência da Argélia é inelutável. Apoiado pela Federação de França da FLN, regressa a Tunes (Capital da Tunísia, sendo esta, por seu turno, Estado da África Setentrional e que confina com a Argélia, a Oeste), onde implanta a Organização externa do Movimento de Libertação Nacional. Está, deste modo, consumada a ruptura.

FANON, uma vez, na Cidade de Tunes, prosseguirá uma dupla actividade, concomitantemente, como Psiquiatra e Político. Tornará membro da equipa do Jornal da FLN, El Moudjahid. Assistirá do interior a todas as contradições, grassando no seio da Frente de Libertação Nacional, inclusive as querelas crescentes entre os representantes políticos e o exército. Frequentemente, decepcionado permanecerá, contudo, um acérrimo defensor da Luta de Libertação da Argélia e um Psiquiatra continuadamente inovador. Interessar-se-á, cada vez mais e mais, pela África Sub-Sariana e será designado pelo Governo Provisório da República da Argélia, como Embaixador Itinerante em África Negra, no término do ano de 1959. É o Ano das Independências africanas.
De feito, FANON será veridicamente um autêntico Itinerante, na verdadeira acepção do termo e da expressão respectiva, se consumindo, sem levar em conta, do Gana aos Camarões, de Angola ao Mali, no desígnio de promover um combate para uma verdadeira Independência. Encara, identicamente a possibilidade de edificar uma Frente que partiria do Mali para atravessar o Sara e reunir os combatentes argelinos.
Todavia, infelizmente, em Dezembro de 1960, no decurso de uma Estadia em Tunes, descobre que está enfermo de uma Leucemia mielóide. Resta-lhe, apenas um ano para viver, no decurso do qual, escreverá Les Damnés de la terre.

Lisboa, 17 Julho 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista – Cidadão do Mundo).
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