quinta-feira, 14 de maio de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO TRIGÉSIMA SEXTA:


Não há dúvida nenhuma, que a hipótese de um desaparecimento do essencial dos jornais papel e da subversão da produção da informação, cada vez, mais e mais, se assume, em força, no horizonte dos futuros grandes Eventos humanos, que, ipso facto, e, por razões e motivos óbvios, se impõe estudar, consentânea e apropriadamente, em tempo útil e oportuno.
Sim, efectivamente, toda a gente reconhece que a imprensa está “em crise”. Todavia, como para os mercados financeiros, só se trataria, reformando a regulação, como sentenciam os responsáveis pela situação… Ou seja:
Melhorar a distribuição, se diminuir os custos da produção,
Recapitalizar os grupos de imprensa,
Desenvolver os sites Internet,
Reorganizar os apoios,
Deste modo, as pessoas precipitar-se-ão, de novo, nos quiosques para comprar os seus jornais…Enfim…Hélas!

Com efeito, afirmar, muito e, porque não, demasiadamente que não é necessário jouer as Cassandras, se terminou por olvidar que o problema não estava na Cassandra, desgraçada condenada a repetir uma verdade que o seu povo não queria ouvir e escutar, porém, os Troianos, que não a davam crédito, quando ela lhes anunciava a destruição da sua cidade. Todavia, o que é facto é que a denegação da realidade não impediu, antes pelo contrário, a morte de Tróia, tanto como (não mais que, obviamente), não evitará a falência dos jornais.
Demais, de sublinhar, que esta atitude de denegação não diz respeito, unicamente à imprensa. Verificou-se com os economistas e com os responsáveis políticos ante à crise financeira e económica. Eles, outrossim, repetiam inlassablemente au fil des mois, fórmulas apaziguadoras, do género, designadamente, “a crise se encontra atrás de nós”, “o perigo sistémico foi conjurado” e de demais afirmações e quejandos estultamente panglossianos.

Antes de mais, vale a pena, por imperativo pedagógico, apresentar em síntese apropriada, o Ponto da Situação adentro desta problemática. Temos então:
---Uma ascensão em flecha da Internet, migração dos budjets publicitários e pequenos anúncios para médias electrónicos, desafeição do jovem público para a escrita, cultura do tout-gratuit…Tais são algumas das tendências pesadas enformadoras da revolução em curso, no âmbito da imprensa escrita.
---Dos Estados Unidos da América à Europa e, outrossim, à demais outros países do Planeta, se nos deparam uma indústria sinistrada, que se vendo duplamente desamparada pelo público e pelos anunciantes, já não outorga demasiados mercês para permanecer viável e, outrossim acumula os planos de rigor e os despedimentos, quando não estão na bancarrota.
De consignar avisadamente, que a ideologia “libertária”que acompanha o triunfo da Internet contribui, por vezes, para sonhar, com um outro modo de comunicar, melhor dito, constitui, frequentemente apenas um biombo atrás do qual se edificam poderosos monopólios económicos para os quais a informação é apenas um mero produto de chamamento entre tantos outros.
Enfim e, em suma: a revolução numérica das médias mascara, aliás, uma outra subversão, posta em marcha, muito antes da Internet, outrossim, porém, devastadora, cujos os efeitos se combinam doravante (de hoje, em diante, nos nossos dias, e, outrossim e ainda para o futuro): Sim, efectivamente, o interesse das nossas sociedades para a informação se carcome, corroendo fatalmente.

Todavia, o que é importante assinalar, com ênfase, é que, na verdade, os problemas da imprensa não podem e não devem, destarte, se resumir na existência ou não de “grandes grupos médias”, mesmo se os entraves legais à sua diversificação constituíram durante demasiado tempo, um autêntico handicap. De feito, a constituição de tais grupos não correspondem necessariamente aos desafios/reptos colocados à produção da informação. Por outro, a confusão entre o que se habituou a denominar “médias” e os órgãos de informação contribui sobremaneira para enredar, ofuscando os respectivos diagnósticos. Eis porque, se deve estar, necessária e seriamente inquieto, no atinente à sobrevivência da imprensa e “médias” de informação.
Estes vivem uma revolução de origens, assaz remotas, designadamente, desafeição e desconfiança dos leitores, concorrência das televisões, envelhecimento do leitorado, custos de fabrico elevados, etc. mas que, desde o tournant dos anos 2000, se acelerou bruscamente.
Na realidade e, na verdade, três novas revoluções se produzem quase concomitantemente, a saber:
---A generalização do numérico;
---A queda quão colossal e quão brutal do interesse das jovens gerações para a escrita e para a informação e,
---O abandono da informação como suporte privilegiado para a publicidade, o que exauriu a sua principal fonte de receitas.
Tudo isto, é bastante para comprometer a sobrevivência dos jornais, dos quotidianos, em primeiro lugar, quiçá, outrossim, porém da maior parte de médias de informação e, porque não, da informação de qualidade. Existe, evidentemente, uma massa crítica – de leitores, de receitas, de difusão – deste lado da qual tudo pode se desmoronar.

Quando uma revolução se produz, tudo deve ser repensado. O sistema de produção e de difusão da informação tal como conhecemos desde aproximadamente dois séculos atingiu um ponto de balanceamento. Dentro em breve já não será o que foi, efectivamente. Donde, já não se trata de reformar para continuar como antes, sim de reinventar. E, se as organizações da cena pública, onde se confrontam as opiniões, à luz dos factos enunciados, o mais claramente possível, é a própria possibilidade da democracia que deverá ser redefinida, evidentemente.

“La mutation des médias classiques vers le numérique
Prendra du temps et, pour la recherche de l’information,
Google est en train de rafler la mise »
Alain LÉVY, in Le monde, 21 juin 2008

Efectuar o diagnóstico, mais pormenorizado possível destas subversões e reflectir apropriadamente sobre as respostas que urgem ser elaboradas deve constituir a verdadeira e autêntica ambição de todos os cidadãos conscientes, sem excepção. Sim, efectivamente, entramos num período de “caos”, sendo o caos um mero período de experimentações e, não, das ilusões, obviamente. Eis porque, mesmo o sonho de uma transferência pacífica do “print para o Web”, a passagem do papel para a Internet, deve ser discutida quando “a rendibilidade dos sítios de infos sobre Net, como o escreve um excelente observador, parece tão impossível de achar que se atreve seriamente a afirmar que ela não será provavelmente encontrada antes muito, muito tempo”.

As transições, mesmo revolucionárias, duram, por vezes, muito tempo. Sabe-se, aliás, que é difícil admitir que um mundo se acabe, se resignar a ver desaparecer o que conhecemos durante toda a nossa vida. Repetir que um mundo sem jornais é inimaginável, não dispensa assumir a dimensão do problema, porém, sem se embalar em ilusões, para poder o fazer frente e, deste modo, encontrar novas vias.
Eis, de facto, o sentido da démarche que se deve privilegiar, no âmbito desta dinâmica, obviamente.
E, comungando pedagogicamente com o conceituado filósofo francês, Jean-Pierre DUPUY, tendo presente a sua célebre teoria do “catastrophisme éclairé”, se afigura pertinente e oportuno transcrever o seguinte: “Même lorsque nous savons que la catastrophe est devant nous, nous ne croyons pas ce que nous savons. Ce n’est pas l’incertitude qui nous retient d’agir, c’est l’impossibilité de croire que le pire va arriver”.
Enfim, de feito, é unicamente, considerando que a catástrofe é inevitável que se pode disponibilizar, a sério, os meios para se a opor, com eficácia consentânea.
Todavia e, sem embargo, o essencial é abrir o debate sem astúcia, melhor dito, sem aparência enganosa.

Lisboa, 12 Maio 2009
KWAME KONDÉ
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