terça-feira, 26 de agosto de 2003

AI DJARFOGO, DJARFOGO

Estava a ler o poema “ILHAS” de Jorge Barbosa e ao chegar à parte que fala do Fogo expirei todo o ar que tinha nos pulmões e engoli estes versos que me transmudaram para o berço da ilha e me fizeram reviver em toda a plenitude o sentimento único de ter nascido naquela terra tão austera que produz homens – gentes tão especiais – que só de olhar para eles acreditamos que tudo é possível; que, como disse um poeta popular, «mi si n’pegâ mundo n’tâ dâ cu’él na tchon».

Escreve Jorge Barbosa:

«No Fogo há fumo ainda
A sair do vulcão!



No sangue rebelde e másculo
das gentes
revive
o ardor das lavas incandescentes!»

domingo, 24 de agosto de 2003

DOENTE À FORÇA

Numa tarde de sexta-feira um médico que habitava o mesmo apartamento que um seu irmão doente psiquiátrico achou que este estava bastante descompensado e iria estragar-lhe completamente o fim de semana. Achou ainda que uma boa solução para o problema seria: levar o irmão doente à urgência do Hospital Júlio de Matos em Lisboa e pedir ao colega de serviço que desse um jeito para que o irmão fosse internado ao menos durante o sábado e o domingo.

Convenceu o irmão psicótico a acompanhá-lo ao hospital e, uma vez lá chegados, enquanto andou à procura do local onde se localizava a urgência, o irmão doente, que conhecia os cantos à casa, deslocou-se rapidamente e foi falar com o médico de serviço perante quem se apresentou como colega pedindo-lhe um favor. Disse então o verdadeiro doente ao médico: «colega, daqui a pouco aparece por aqui um irmão meu doente mental psicótico que tem a mania de se dizer médico e que me quer internar à força. Acompanhei-o até aqui porque me está a dar uma trabalheira bestial em casa e queria pedir ao colega que o internasse até que se acalmasse, pelo menos este fim de semana».

Assim, quando o irmão médico conseguiu finalmente falar com o clínico de serviço e começou por se apresentar como colega pedindo àquele que lhe internasse o irmão doente, o clínico chamou logo o enfermeiro a quem encarregou de acompanhar “este doente” à enfermaria onde ele iria passar o fim de semana internado. E não se esqueceu de dizer ao enfermeiro: «se ele estiver agitado dê-lhe um sedativo que depois eu faço a prescrição».

terça-feira, 5 de agosto de 2003

VIVA O PROFESSOR ADRIANO MOREIRA! VIVAAAAAAA!
COISAS DA JUVENTUDE

Em 1962 o Professor Adriano Moreira, então ministro do ultramar, visitou Cabo Verde tendo-se hospedado na ilha do Fogo na casa do administrador do concelho, Ildo Maria Feijóo.

Fumador inveterado - ao que se dizia - o professor Adriano Moreira deve ter ficado muito arreliado com a carteira de dez maços de cigarros que alguém surripiou do quarto dele e mais tarde distribuiu pela rapaziada de S. Filipe que numa noite tropical de serenata acompanhou as mornas e o violão fazendo arder pela madrugada fora os saborosos cigarros "Parliament" de filtro longo, entre copos de gróg e de brandy.

O nosso saudoso Tita (que descanse em paz) foi quem recebeu no ar o pacote atirado desde a varanda do primeiro andar da casa do administrador. E foi ele que se encarregou da distribuição do material com a consciência plena de que se tratava de um acto revolucionário.

Desculpe, professor. Não fui eu quem "desviou" os cigarros. Mas fumei-os. E gostei. E também me senti revolucionário como os outros.

Nesse tempo ouvíamos muito a "Rádio Moscovo" e depois ouvíamos o programa da "Emissora Nacional", "Rádio Moscovo Não Fala Verdade", para nos rirmos até às lágrimas.

De facto não havia outra solução senão a descolonização. Mal ou bem feita.

Eu, por mim choro. E um dia, se tiver coragem, explicarei porquê.

domingo, 3 de agosto de 2003

CONFISSÃO

Cabo-verdiano por jus solis e português por jus sanguinis, tenho uma alma enorme que me vem dos colonizadores meus antepassados, fossem eles dignitários da coroa – como parece terem sido alguns – ou fossem simples condenados deportados por motivos políticos ou outros. O certo é que me sinto com plenos direitos de opinar livremente sobre o que se passa em Cabo Verde e em Portugal (e com o fenómeno da globalização também opino sobre o mundo de hoje) e isso é de uma utilidade (pelo menos pessoal) imensa – desde logo, e mesmo que não servisse para mais nada, permite-me um exercício intelectual e mental altamente salutar. E, como se sabe (muita gente não sabe e só pensa nisso quando fica estropiada ou próximo de o ser): A SAÚDE É O SUPREMO BEM.

sábado, 2 de agosto de 2003

PIU-PIU

É sabido que os doentes esquizofrénicos têm a particularidade de condensarem frases inteiras em uma ou duas palavras.
Esta foi escrita ou dita – já não me lembro bem – por António Lobo Antunes:

“Havia no Hospital Júlio de Matos um doente que, sempre que determinado médico passava por ele, se punha a dizer em voz alta piu-piu, piu-piu.
Certo dia o clínico resolveu interpelá-lo – ouve lá, oh fulano, o que é que você quer dizer com piu-piu, diga lá – ao que o doente lhe respondeu – puta que o pariu –.