Continuação...
(I):
Na verdade (et pour cause), DU BOIS sabe, além disso, se mostrar
pioneiro,
em matéria psiquiátrica. Eis (com efeito),
como (ele) descreve, um pouco, mais adiante, o “Desvio do homem negro entre fins contraditórios”. Atentemos (então), no acutilante conteúdo de
verdade do extracto seguinte:
“O artesão negro está dilacerado por esta alternativa-por
um
lado,
escapar ao desprezo que têm os Brancos
para
uma
nação de simples lenhadores e pulsadores, por outro,
lavrar, pregar e cavar para uma horda miserável.
E a sua
luta
só pode terminar num único resultado: Fazer
dele um
operário
pobre,
visto que ele apenas coloca metade de
coração
em cada uma das causas. (...) O
pretenso sábio
negro
era confrontado com o paradoxo seguinte: O
conhecimento
do qual o seu povo tinha necessidade era só
contos
e lendas para os seus vizinhos Brancos, enquanto o
conhecimento
ensinado pelo mundo branco era o hebreu
para
os da sua carne e do seu sangue. O
amor inato da
beleza
e da harmonia que carreia as almas do seu povo,
mesmo as mais grosseiras, à
dançar e à cantar, apenas
suscitava
dúvida e confusão na alma do artista negro. De
feito, a beleza que lhe era revelada era a beleza
espiritual
de
uma raça,
que o seu público mais vasto desprezava,
porém
lhe era impossível formular mensagem de um outro
povo. Dezenas de milhares de pessoas esgotaram-se
nesta
contradição, no esforço para satisfazer ao mesmo tempo,
dois ideais irreconciliáveis-esgotamento que causou tristes
devastações
na sua coragem e na sua fé, que
os enviou
adorar
falsos deuses e invocar vias de saudação
perniciosas
e que,
por vezes, pareceu mesmo sobre a ponte
de
lhes fazer vergonha de elas mesmas”. (DU BOIS).
(II):
Pode-se, lendo estas linhas,
descobrir numerosos pontos comuns com
a situação do double blind (ou “duplo vínculo”), “duplo
constrangimento” -tal como o teorizou o antropólogo inglês, GREGORY
BATESON (1904-1980), autor, aliás, da “Teoria do double blind”, na década de 1950. Seja qual for, o seu estatuto
sócio económico, o indivíduo Negro americano se encontra (com efeito), segundo DU BOIS submetido à injunções contraditórias e se encontra (destarte), apanhado na ratoeira de diversos “duplos vínculos”, que se poderia resumir, no seguinte modelo. Ou
seja.
(1)
Ele deve trabalhar arduamente, porém
o seu labor não merece o nome de trabalho.
(2)
O seu povo tem necessidade de conhecimento, mas,
existe
para ele, para além de contos e lendas, outro conhecimento disponível.
(3)
O seu povo pode ser educado, mas a
Educação é demasiado difícil para o seu povo.
(4)
O Negro é um artista, porém,
a
arte do Negro não é arte.
(5)
Ele deve transcender a arte do seu povo, todavia,
não
pode formular a mensagem de um outro povo.
E,
já agora, se impõe, sublinhar (antes de
mais e com ênfase), que (na verdade),
no plano
prático, estes duplos vínculos geram toda uma série de dilemas
insolúveis. Ou seja:
--- Para ser um Americano, é preciso
trabalhar, mas isto não é uma regra que valha para o Negro. Ou melhor: O trabalho
é a integração e a dignidade, Todavia, os que trabalham (unicamente), para a dignidade ou para a
integração, não são dignos de serem integrados.
--- A dignidade é (neste termo), o reconhecimento Jurídico e
Político. No entanto, não é (ser,
verdadeiramente), como exigir o
reconhecimento ou, não é (verdadeiramente),
digno
como pretender sê-lo a fim de obter o reconhecimento.
--- O Negro é também um
Americano, mas o Negro permanece (antes
tudo), um Negro.
--- É um Negro! Por conseguinte (ele)
deve progredir. No entanto (ele)
não
pode progredir porque é um Negro!
(III)
Poder-se-ia declinar (muito tempo), as situações de duplo constrangimento. Todavia, o que convém, reter de
tudo isso, segundo DU BOIS, é bem um único e
mesmo processo, sempre em atividade: “Cada Negro americano (perante) viver uma dupla vida, como
Negro e como Americano-a sua confiança nele só pode ser moralmente abalada” (DU BOIS)
e, pois que, no duplo vínculo “seja o
que faça um indivíduo, ele não pode ser ganhador”, nos assevera (avisadamente), BATESON. Demais, “a sua
luta só pode finalmente terminar num único resultado: Fazer dele um operário
pobre”. E, no plano social e, no plano individual, arrisca-se a esquizofrenia.
(IV)
DU BOIS revela-se (aliás), todo ao longo do seu livro,
um feroz
adversário da estratégia da conciliação, visto que a sua política de reconhecimento é algo de mais profundo, sobretudo
quando se (a) examina de perto.
Ela se indexa (em primeiro lugar), uma vez de mais, e no género das “Luzes negras”, no âmbito do dispositivo jurídico do Idealismo
Republicano.
“Por todos os meios civilizados e
não-violentos
possíveis, devemos lutar para os direitos que o
Mundo
acorda aos homens, devemos se
agarrar
sem
falhar a estas palavras sublimes que os filhos
dos
pais fundadores teriam de bom grado
tendência
a esquecer:
“Tenhamos como
evidentes
por elas mesmas as verdades seguintes:
Eles são dotados pelo Criador de alguns direitos
Eles são dotados pelo Criador de alguns direitos
inalienáveis;
entre estes direitos se encontram
a vida, a
liberdade e a demanda da felicidade”
(DU
BOIS, Ibid).
Continua (...).
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista
--- Cidadão
do Mundo).