Prática de ACTUAÇÃO QUADRAGÉSIAM SEXTA:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895).
Nos meandros da Democracia sem “Demo”:
Para principiar (avisadamente), este nosso Estudo, vamos atentar (antes de mais), no que dizem os Dicionários acerca de Demo e Democracia:
Do Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa, tomo VI:
a. Demo: Elemento complemento ante-positivo, do Grego (dêmos, ou povo, demo) (...).
b. Demo: Conjunto de indivíduos vivendo colectivamente; Povo, população; Divisão administrativa criada na Antiguidade ateniense e generalizada por toda a Grécia, nos tempos modernos. Etimologicamente: Do Grego dêmos, ou “Povo”, adaptado ao Latim, dêmos.
(II) Democracia:
a. Politicamente:
i. Governo do povo, governo em que o povo exerce a soberania;
ii. Sistema político cujas ações atendem aos interesses populares;
iii. Governo no qual o povo toma as decisões importantes a respeito das políticas públicas, não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios permanentes de legalidade;
iv. Sistema político comprometido com a igualdade ou com a distribuição equitativa de poder entre todos os cidadãos;
v. Governo que acata a vontade da maioria da população, embora respeitando os direitos e a livre expressão das minorias (...).
b. Etimologicamente:
i. Vocábulo oriundo do Grego (demokratía) de demos (povo) + Kratia (força, poder), por sua vez, do verbo Grego: Kratéo “ser forte, poderoso”, adaptado ao Latim tardio (democratía, ae). Idem, proveniente do Francês démocratie (...).
Da Enciclopédia Público, Tomo 6:
DEMO:
Elemento de composição de palavras que exprime a ideia de Povo.
Nome masculino: Povoação ou Circunscrição administrativa, na Ática Antiga.
DEMOCRACIA:
Etimologicamente, significa o “poder do povo”. O vocábulo “Democracia” vem-nos da Grécia, que é habitualmente considerada como o seu berço. (...).
E, em jeito de NP:
Com efeito (et pour cause), pensar a Democracia sem demo, implica desenlaçar/esclarecendo o elo/vínculo (solidamente), estabelecido entre os conceitos de Democracia e de Soberania do Povo. À isso, a mundialização contemporânea não cessa de nos incitar! O processo contínuo de democratização do Estado moderno foi tornado possível pela individualização do sujeito de direito (ela mesma), resultado da destruição dos direitos particulares das Sociedades do Antigo Regímen pela ação centralizadora de um poder tipo territorial.
Todavia, o que é facto, é que, o Estado moderno nacionalista e (outrossim a cidadania), se vem impondo, como a única instância e garante dos direitos. Ora (de feito), por outro, é certo, que (presentemente), a erosão do monopólio jurídico e judiciário do Estado, se acompanha de uma multiplicação e de uma heterogeneidade crescentes dos poderes aos quais os indivíduos podem e devem se dirigir para obter o reconhecimento e a garantia dos direitos que (eles) reivindicam.
Eis porque, perante esta situação, se impõe desnacionalizar a cidadania sem (para tanto), sacrificar esta forma específica de subjetividade política que é o indivíduo/sujeito de direitos e sem (por conseguinte), renunciar ao adjutório dos recursos emancipadores da qual esta figura do sujeito político provou, no decurso dos dois últimos séculos.
Posto isto, vamos (então), ao desenvolvimento do tema proposto:
(1) Sem sombra de dúvida, o Sujeito de direito é a figura do Sujeito político moderno e no término da história dos regímenes políticos Ocidentais dos dois últimos séculos, o Cidadão democrata, que se mobiliza para defender os seus direitos ou conquistar outros, é disso uma interpretação fiel! De anotar (outrossim e ainda), que esta figura da subjetividade política é o produto do Estado moderno. Ou seja (melhor dito): Da unicidade do poder em que o indivíduo pode atingir a garantia dos seus direitos.
(2) Todavia (de anotar, antes de mais), que o cidadão jamais cessou de estar dominado porque o poder jamais deixou de ser uma instância exterior à qual (ele), se dirige para reclamar, contestar, etc. Donde, este sujeito se tornou cidadão pelo facto que os direitos que (ele), reivindica são direitos iguais. No entanto, o pressuposto desta relação é que a instância de poder à qual (ele), se dirige tem a possibilidade de responder, ou seja, que (até certo ponto), ela tem o domínio dos parâmetros fundamentais que determinam as condições da existência social dos indivíduos.
(3) Na verdade (et pour cause), para o indivíduo comum, o interlocutor privilegiado de quem pode esperar o reconhecimento e a garantia dos seus direitos permanece o Estado nacional. Todavia, a cidadania democrática moderna parece fragilizada pelo facto, que a condição que (a), tornou possível, a unicidade do poder (que determina), as condições de existência do sujeito, encontra-se minada pela limitação crescente das margens de manobra das políticas nacionais.
(4) Eis porque, no âmbito desta dinâmica contextual o discurso “realista” dos dirigentes políticos que invocam os constrangimentos da Economia Mundial para justificar a destricotagem progressiva dos adquiridos do Estado social, constitui um discurso de impotência que decepa as condições de legitimidade do poder democrático. Em oposição, os discursos “populistas” (de direita como de esquerda), são (obviamente), irrealistas, porém, pertencem à lógica democrática moderna na medida em que o que (eles) exigem do Estado nacional é que (ele) faça a prova que existe ainda bastante poder para ser o interlocutor privilegiado do cidadão (que reivindica) direitos.
(5) De anotar (antes de mais), que o Estado nacional não desapareceu e nada leva a pensar que (ele) deva desaparecer à curto ou à médio prazos. No entanto, o poder já não se declina no singular. Demais, porque a singularização do poder foi determinante para a estruturação do sujeito político moderno, a identidade deste, tornou-se (presentemente), problemático. Donde, se arvora a questão seguinte: Junto de quem (ele) deve dirigir-se para fazer respeitar direitos adquiridos ou reconhecer direitos novos, quando o seu interlocutor, tradicional confessa e anuncia a sua impotência?
(6) A desafectação dos cidadãos relativamente aos partidos políticos e o desenvolvimento de formas de compromissos militantes constituídos em torno de interesses sub-supra ou transnacionais prova que o campo da ação política dos cidadãos já não é determinado (exclusivamente), pela relação ao Estado nacional. Donde, uma outra questão, quão pertinente e assaz oportuna: A democracia tem a ganhar ou a perder com esta recomposição dos seus lugares e da sua expressão? Destarte, os que, reconciliam com ideais que, sob dissemelhantes formas, acompanharam, desde os seus inícios, a história do Estado nacional e sonham com uma cidadania cosmopolita, encontram, neste novo militantismo matéria para confortar os seus prognósticos e as suas esperanças!
(7) Todavia, se afigura duvidoso, que o esquema do cosmopolitismo, seja apropriado para explicar e justificar o que é (não, não senhor), um alargamento, mas uma estruturação inédita da topologia da ação política. Demais, este esquema de análise é insuficiente para prevenir os recuos e sinuosidades sobre interpretações comunitárias da identidade democrática. Avaliada ao ideal de uma cidadania Mundial, que pressupõe um equivalente mundial do Estado, a cidadania nacional aparece (obviamente), tacanha, até regressiva. Entretanto, se a cidadania nacional se revela ilusória, é compreensível que o demos nacional reencontra aos olhos de alguns a significação e os sortilégios da “totalidade da ética”.
Lisboa, 24 Março 2012
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).