sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

(XIX) Alors Que faire?

                                                       Prática de ACTUAÇÃO Décima Nona:

Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).

            En effet (et pour cause):
                                    “Le médecin lui-même n’échappe pas à la mort” (...).

(I)
            Nunca é demais insistir sobre a questão que se prende com a acumulação (sem par), do saber médico, nos nossos dias de hoje, a sua excepcional diversificação, o seu excepcional aprofundamento (do mesmo modo), que se impõe insistir (de modo reiterado), sobre a consolidação (sem rival), da sua institucionalização, da sua rede considerável e fora de fronteiras. Todavia, se afigura (assaz necessário, outrossim), avaliar as consequências desta deslocação, encarando os seus efeitos, os mesmos que não dependem (unicamente), de alguma conquista assegurada. Este triunfo é portador de ambivalência! E (outrossim), fonte de desafios maiores e (bem assim), de problemas temíveis (e novos).

(II)
            Que as expectativas tenham sido incrementadas pelos triunfos dos saberes médicos, que estes êxitos/triunfos (eles próprios), tenham (paradoxalmente), incrementados (por seu turno), o sentimento do risco, que os cidadãos de uma sociedade individualista (vivendo uma relativa “desvinculação”), tenham investido (mais que nunca), na proteção oriunda da comunidade, constituem (efetivamente), tantas pressões e renovações que desmultiplicaram as fontes possíveis de insatisfações, senão de contradições.


(III)
            O oportuno arrazoado (acima exposto), nos conduz (ipso facto), à um primeiro desafio/repto, vinculado este à intensidade das expectativas associada à difícil gestão do risco, como (identicamente) à difícil gestão dos males (sempre mais penível), em termos de “casos individuais”. Donde (entretanto), como apenas ver nascer neste ponto um conjunto de “revindicações” confusas, uma nebulosa de convicções susceptível de orquestrar os conflitos do futuro? Os afrontamentos podem incrementar (consideravelmente), entre “vítimas” (impotentes em compreender todo disfuncionamento) e “responsáveis”, impotentes (por sua vez), em evitar todo risco, ou “incapazes” de o fazer. Estamos, a referir (concretamente), no que mostram os “males da nossa modernidade”. Ou seja: Os casos das “vacas loucas”, do amianto, do sangue contaminado ou da hormona de crescimento. É (de facto), o que acresce (outrossim e ainda), o desenvolvimento de um universo e de uma Medicina (altamente tecnicizada), em que as decisões de alguns, podem assumir efeitos (assaz nefastos), na Saúde de todos. Donde...Atenção!...

(IV)
            Em quê se acrescenta um “perímetro” da enfermidade (profundamente) deslocada: Tão pouco, limitado ao funcionamento biológico (por exemplo), entretanto, combinado ao conforto mental, ao bem-estar psicológico, ao sentimento de segurança, o que transforma  e dilata a imagem dos riscos, incrementando as inquietações, alterando as expectativas, centradas como nunca num “melhor-estar” de limites indefinidos. O fim (em particular), já não constitui em afastar “simplesmente” o mal como o sugeriam, desde o fim do século XVIII), os temas do progresso são (outrossim), de aprofundar um sentimento, uma forma de ressentir e reconhecer o corpo.

(V)
            Destarte, ao clássico trabalho que protege do mal se acrescenta um interminável e obscuro  labor, que procura o bem-estar. Mais nada que uma integração do “eu” no projeto sanitário, o que recompõe as fronteiras do “mal-estar”, cruza enfermidade e identidade, acelera os consumos no centro do universo quotidiano. O que conduz (dito de outro modo), à uma total reconstrução: Já não a mera extensão do universo da Saúde, porém, a sua revisão, tão pouco (e outrossim não), a simples extensão das responsabilidades individuais e colectivas, mas, sim (efetivamente), a sua revisão. Deste modo (a pouco e pouco), se perfila a ideia de um destino modificável, revisível, predictível. Eis porque, a ameaça deve ser reconhecida desde à sua emergência. O futuro genético  se corrige. A menor célula anormal deve ser cercada desde o seu aparecimento insidioso. A “despistagem” torna-se o alvo privilegiado da Medicina, desencorajada de chegar demasiado tarde.

(VI)
            De facto (na verdade), o que leva (outro tanto), à uma tentação difusa, ou seja, a do recurso à outras racionalidades, então mesmo, que o saber médico, destas últimas décadas, pôde se revelar “redutor”. Um imenso universo se constituiu às margens da Medicina ocidental! Não que se imponha (bruscamente), a crença! Não que ganhe a irracionalidade! Sim (efetivamente), o investimento na Saúde individual tão (fortemente), ampliou a sua vertente (eminentemente pessoal), impondo-se (ativa e consideravelmente), a tal ponto, que a conexão entre a Saúde e o número de forças obscuras do eu ganharam (insensivelmente), em credibilidade.
            Eis-nos (por conseguinte), perante uma expectativa (aparentemente), ! Na verdade, não se deve olvidar quanto o psicológico pode ter efeitos sobre o biológico e o “mal”, visto que a medicina psicossomática não é um mero campo da Medicina, mas, sim (efetivamente), um novo olhar projetado sobre a própria Medicina. O que (aliás), exige (sem dúvida), mais algures,  uma vida multidimensional e multireferencial sobre os objetos estudados.

(VII)
            Avançamos (efetivamente), para uma nova relação com o mal. Ou seja: Uma atitude mais individual, mais ativa para com ele. É a iniciativa maior dos actores e que se traduz nesta fórmula que brota como um leitmotiv: “Deves assumir o encargo de ti mesmo”. Neste caso (em concreto), o SIDA revela (neste ponto), os últimos deslocamentos dos polos preventivos, designadamente: responsabilização, individualismo, precisão do cálculo do risco, significação das técnicas de despistagem.

(VIII)
            Os casos (acima esquematizados), nos conduz à coexistência de várias racionalidades, coexistência essa, que a despeito de supor várias racionalidades, não é (necessariamente), conflituosa. De facto, não é porque a maioria dos médicos “outros” confiam a emergência de enfermidades (à certos maus “karmas”), que o recurso à um antibiótico,  não se afigura válido. Na verdade (e sem embargo), com efeito, dois sistemas de pensamento podem se referir à dois modelos (totalmente), alheios (um ao outro) e (contudo), viver em boa vizinhança, fora de certas vãs polémicas inelutáveis. Quiçá, permaneça, no fundo da nossa medicina plena de racionalidade, uma fracção subterrânea de irracionalidade.

(XIX)
            Vê-se (bem neste ponto), quanto se renovou o tema das causalidades, quanto a única “mecânica” do orgânico “abre praça” à “mecânicas” mais vastas, desaprumadas, em que o psicológico, o social e o ambiental se impõem. Este primeiro desafio (dito de outro modo), é tanto o de espectativas novas como (identicamente), o de causalidades novas. Leia-se (outrossim): Causalidades numerosas, variadas, heterogéneas cujo próprio enleamento deve ser tomado em conta, no âmbito do acto médico contemporâneo.

(X)
            E, no atinente ao segundo desafio/repto diz respeito aos custos (consideravelmente) acrescidos pela sofisticação das investigações, o pesado encargo com o arsenal terapêutico, o deslocamento demográfico das idades, a vontade (melhor), concertada de proteção. Revela (através) do desenvolvimento da Medicina, as dificuldades do Estado-Providência. Estas (por seu turno), provocam um conflito de solidariedades do qual é necessário avaliar as formas. Vê-se (por exemplo), aparecer a necessidade, imposta pelos obstáculos financeiros, de uma escolha entre os males a prevenir. Tema (aliás), assustadora que incide (outro tanto), sobre as despesas de investimento consentidas para a pesquisa como sobre os consentidos para a proteção. De anotar (já agora), que a escolha do investimento, o da enfermidade ou das lesões a prevenir, em detrimento de outras julgadas (por vezes), mais severas, torna-se um exemplo de escola em epidemiologia. Escolhas (totalmente), novas que explicam (presentemente), os limites do Estado-Providência (no entanto), do qual, tudo exige (em contrapartida), que sejam tornadas mais claras.

(XI)
            Finalmente, no respeitante ao terceiro desafio (avivado pela acumulação dos saberes e do domínio crescente dos possíveis), diz respeito à Ética. Eis-nos (com efeito), perante um debate (numa grande medida), novo (bruscamente), aprofundado durante estas últimas décadas, confrontando como nunca o “cientificamente possível” com o “humanamente aceitável”. Inúmeras questões surgiram (até esse momento), insuspeitas, até à “redefinição” da vida e da morte, a gestão do modo de dar a vida, de a recusar, de compreender ou de aceitar a morte, a gestão ainda do direito do Ser Humano em dispor do seu próprio corpo. De feito (et pour cause), inúmeras questões são repostas (outrossim), quanto à forma de experimentar no/sobre o vivo. O que (evidentemente), não redefine (unicamente), as fronteiras entre o acto médico e o acto profano, mas outrossim (em profundidade), o acto médico no próprio seio dos saberes, os mais sofisticados. Debate central (é necessário reitera-lo), porque este confronto da Medicina com a gestão e o destino dos saberes incide sobre a identidade do Humano.

Lisboa, 09 Dezembro 2011
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).