sábado, 30 de julho de 2011

Tema para Reflexão:

Peça Ensaística Sétima:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895)


                        Nous sommes les héritiers de ces cent années qui ont changé la biologie et la médicine. La métamorphose ne fut pas le fait d’un homme ou d’une génération, mais bien d’une cohorte de travailleurs acharnés, d’une chaîne d’intelligences qui se donnaient le mot de génération en génération et d’un pays à l’autre. Et l’héritage n’est pas un édifice achevé, mais bien au contraire invitation à travailler davantage, à aguicher notre imagination, à pénétrer plus avant les secrets de la vie et livrer d’autres batailles contre la maladie ».
                        JEAN HAMBURGER, Demain, les autres. L’aventure médicale en contrepoint de l’aventure humaine (1979, Paris).

                                    Continuação da Posta precedente editada, no dia 26/07/2011.

(A)
                        Prosseguindo, o nosso Estudo, temos (então), que:
                        Este tema de “transparência” se impôs (correlativamente), no século XVIII com o advento da “manipulação”. Eis porque, o historiador francês (e especialista da propaganda pela imagem e da manipulação), Fabrice d’ALMEIDA (n-1963), escreveu o seguinte acerca deste tema, em apreço: “A manipulação é face escondida da transparência sonhada pelos filósofos liberais. Como se a força do liberalismo possuía o seu lado obscuro. Porém, foi a industrialização das normas que a tornou possível”. E, acrescenta, mais adiante, na sua obra: “A banalização do vocábulo após a Segunda Guerra Mundial traduz uma inquietação perante a dificuldade do direito para reformar os comportamentos”.

(B)
                        Com efeito, este desejo de transparência, de ver mais que de saber ou compreender, desqualifica a fé na palavra e exige as provas formais da Ciência, da Técnica e dos processos jurídicos. De facto (e, por outro), este desejo de ver desautoriza o mistério, o sonho, a história, os efeitos de contexto tanto como os da cultura. O indivíduo/sujeito se encontra reduzido à sua evidência (em primeiro plano), a sua forma individualizada, como às formas visíveis que o constituem. Não obstante, as dificuldades epistemológicas (que suscitam o problema do indivíduo), esta ideologia científica postula um positivismo, que (apenas) reteria os factos materiais, olvidando os dispositivos que os fabricam e os revelam, no primeiro lugar dos quais pertencem (evidentemente), a linguagem e a palavra.


(C)
                                    No colóquio médico (quão singular), a exigência de “transparência” releva de um delírio de presença absoluta e imediata da verdade no enunciado dos factos. A transparência (neste ponto) torna-se opacidade à enunciação. Ou seja: No contexto do diálogo (tanto quanto) ao carácter construído e convencional dos resultados clínicos ou técnicos. Quanto às retóricas de Saúde Pública e de Prevenção (elas) participam na construção de uma opinião (que fazem), como se (elas), apenas exprimissem factos enquanto mesmo elas os manipulam por interpretações. Ora, é bem conhecido dos profissionais da Informação que a exposição (demasiado rápida) dos factos constitui um operador de propaganda (tanto mais) atemorizador que seja (insidioso, subliminal) e procede pela autoridade de um ideal de transparência e de verdade. É o que se denomina: fabricar “falsos credíveis” em nome de ideais aptos para reforçar o conformismo das opiniões e dos preconceitos.

(D)
                                    O médico/filósofo francês, Georges CANGUILHEM (1904-1995), na sua interessante Obra: “La Connaissance de la vie”, advertia que “as teorias jamais procedem dos factos. As teorias procedem unicamente das anteriores, frequentemente, assaz antigas. Os factos constituem apenas a via, raramente recta, pela qual as teorias procedem umas das outras.”Pretender-se-ia (de feito), no momento actual nos convencer que os números são casmurros e que outorgam aos factos uma evidência incontestável”. Esta retórica simula olvidar que os factos (enquanto tais), não existem sem as interpretações que convocam os dois (que se encontram então), amalgamadas, numa inclusão recíproca.

(E)
                                    De sublinhar (antes de mais), que os factos como os números são produzidos por dispositivos e metodologias (não isentos de viés”) e de “leituras” (que produzem) resultados e interpretações. Os protocolos de investigações epidemiológicas e clínicas se prestam (não unicamente) aos reptos ideológicos dos resultados, mas (outrossim), às convicções do operador, a eventuais “viés metodológicas”, no enquadramento conceptual do estado da Ciência, num momento dado.
                                    É assim (efectivamente). Isto se revela (frequentemente), no âmbito do avanço das Investigações fundamentais, aplicadas à Ciências do vivo e (mais ainda) às Ciências Humanas e Sociais. De facto (sem sombra de dúvida), a Ciência é Humana (de qualquer maneira). Não há que deplorá-lo ou se regozijar, pois o que é preciso verificá-lo.
                                    Identicamente (aliás), quando as investigações invocam a primazia dos factos, o seu raciocínio se revela (em parte retórico), visto que (elas) não tomam em consideração, o dispositivo que os fabrica. Eis o problema! De facto, este dispositivo pode (de qualquer modo) ser infiltrado pelas convicções e os erros de apreciação dos investigadores, pelo viés lógicos de uma Ciência (num momento dado), como pelos desafios ideológicos, políticos e económicos dos resultados esperados.

(F)
                                    De anotar, que acontece (por vezes), que a autoridade de avaliação/peritagem não possa pretender à adesão (sem reservas), que (ela) reclama, no âmbito da nossa cultura. Por exemplo, em matéria de epidemiologia cancerológica, certas investigações são muito “críticas”, visto que comprometem interesses económicos consideráveis (que supõem), escolhas políticas (que mobilizam), receios e crenças ancestrais.

(G)
                                    Sabemos (muito bem), que a investigação como a sua avaliação se revelam (extremamente), difíceis. Eis porque, se impõe denunciar, a precipitação ideológica de certos (beatos falsos), que teimam em manter (obstinadamente), o papel de “guia moral”, no âmbito da nossa vida quotidiana. Vale a pena, lembrar, que o biólogo e filósofo chileno, Francisco VARELA (1946-2001), na sua obra: L’Inscription corporelle de l’esprit (1991), precisa esta louca ambição da Ciência (que visa), nos educar (moralmente), da seguinte forma. Ou seja : “En raison de la place prééminente qu’elle occupe dans notre culture, la Science doit être partie prenante de cette entreprise de gouverner notre quotidien ».

                                                E, finalmente, assentando (adequadamente), as ideias, temos que:
                                    (1) Eis nos: (por conseguinte), conduzido a este ponto de impasse, em que a obtenção prévia de um consentimento individual poderia constituir o sintoma de uma das mais belas formas de hipocrisia social (que autoriza), todas as manipulações políticas ou privadas. O enquadramento legislativo destas “violações psíquicas” (que apenas fazem) participar (indirectamente), na idêntica lógica que obtém como, suposto seria nos proteger. Uma tal lógica do verídico (que incita), em apenas respeitar as formas dos processos e das leis (socialmente estabelecidas), se revelariam (ainda), mais perversos que o mal (como ela), suposto seria nos proteger.
                                                (2) Melhor ainda, na sequência de Michel FAUCAULT, numerosos trabalhos de filósofos e de sociólogos da Saúde contribuíram para mostrar, que na nossa época moderna “governar, é fazer que cada um se governe (o melhor possível), ele mesmo” e que o “governo dos corpos” se redistribui (actualmente), à partir de novas formas de bio política das populações que operam por interiorização das normas culturais.
                                                (3) Esta abordagem (ora explicitada), em particular, quando (ela), mostra (a que ponto), a “construção” social de uma “ordem natural” ou “médica” pode servir para defender uma ordem moral e contribuir para satisfazer os interesses económicos das indústrias da Saúde.
                                                (4) Eis porque (com efeito), no âmbito da história das ciências, jamais se cessou de asseverá-lo. Ou seja: A evidência como a transparência mantém a opacidade. A evidência das coisas (dizia MONTAIGNE) nos extorque a sua razão de ser.

Continua:

Lisboa, 29 Julho 2011
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).