sábado, 7 de maio de 2011

Temas para Reflexão

Peça Ensaística Primeira:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895)

L’espèce humaine vit sous une sorte de régime
D’empoisonnement interne »
Claude Lévi-Strauss (


            NP :

(1)    A evolução do sistema técnico-científico mundial forma o esteio do devir das Sociedades humanas e constitui uma individualização. Todavia, o devir (em que) consiste esta individualização só é possível na condição de se transformar em porvir pela sua inserção no processo de uma individualização psíquica e colectiva.
(2)    Com efeito, o modelo industrial em que se lançou mão desde o início do século XX passado e que assenta sobre a partição produção/consumo se tornou (totalmente) caduco e conduziu a um impasse o capitalismo e as democracias, onde (ele) se desenvolve. Um sinal deste impasse e da deterioração que disso se produz é a cretinização/embrutecimento dos consumidores (deliberadamente) organizada pelas cadeias de televisão.
(3)    Um pensamento só tem sentido se possuir a força de (abrir como novo), a indeterminação de um futuro. Porém, este futuro só pode outorgar novas formas de vida se estas vidas constituírem novos modelos de existência: A Vida Humana é uma Existência. Ora, a situação presente se apresenta caracterizada pelo facto (que isto) não se produz e que a criação necessária destes novos modelos de existência se substituiu um processo adaptativo de sobrevivência donde desaparecem as próprias possibilidades da subsistência, onde se vende: “tempo de cérebro humano”. É o que se denomina de misère symbolique e que se analisa (habitualmente) como proletarização generalizada.
(4)    E, em jeito de Remate assertivo: Na verdade, o Homem pode (sem dúvida) subsistir sem existir. Trata-se, todavia, de uma subsistência não duradoura, pois que (ela), se torna (rápida psíquica e socialmente), insuportável, visto que conduz (inexoravelmente) à liquidação do narcisismo primordial. Por seu turno, esta liquidação conduz (ela mesma) à da Lei. Ou seja: do que constitui a condição de démos: a diferença de facto de direito. Enfim e, em suma: O modelo industrial caduco liquida (deste modo), o político e faz da democracia uma farsa da qual só podem emergir opróbrio e ignomínia.


(A)
            A Sociedade hiper-industrial se encontra intoxicada. Donde, a primeira questão política (que se nos depara), diz respeito à sua desintoxicação efectiva. A intoxicação é produzida por fenómenos de saturação, que afectam (em particular), as funções superiores do sistema nervoso. Ou seja: a concepção (o entendimento), a sensibilidade e a imaginação (isto é, a vida intelectual, estética e afectiva). Enfim e, em suma: o espírito em todas as suas dimensões. Ali se encontra a fonte de todas as formas da miséria espiritual. Denomina-se estas formas de saturação (típicas da sociedade hiper industrial) de Cognitiva e Afectiva.

(B)
            Do mesmo modo, que existe a saturação cognitiva (que já se estuda, aliás, desde mais de uma década os efeitos do Cognitive overflow syndrom que tem como resultado paradoxal=paradoxal, sublinhe-se, para uma concepção trivialmente informal da cognição), que mais transporta informação ao sujeito cognitivo, menos (ele) conhece, há (com efeito) Saturação afectiva. De feito, os fenómenos de saturação cognitiva e afectiva engendram congestões individuais e colectivas (cerebrais e mentais, cognitivas e atomizadoras) das quais se pode cotejar os efeitos incoerentes às congestões urbanas provocadas pelos excessos de circulação automobilística, cujos engarrafamentos são a expressão (mais trivial) e (em que), o automóvel, suposto facilitar a mobilidade, produz (pelo contrário), a paralisia e o abrandamento ruidoso e poluente. Ou seja (de um modo mais explícito), tóxico. Enfim e, de um modo (quiçá) idêntico da saturação cognitiva induz uma perda de cognição (isto é), uma perda de conhecimento e um desvario dos espíritos, uma estupidez das consciências (cada vez mais e mais), inconscientes, a saturação afectiva (por seu turno), engendra um desamor generalizado.

(C)
            Donde (e por conseguinte) a saturação cognitiva e a saturação afectiva constituem casos de um fenómeno (mais vasto) de congestão que fulmina todas as sociedades hiper-industrializadas, designadamente de Los Angeles à Tóquio, passando (doravante), por Shangai. Eis porque, Claude Lévi STRAUSS diz se preparar para abandonar um mundo que (ele), já não ama, dando o exemplo da explosão demográfico.
            Na verdade, em todos estes casos de congestão, a Humanidade parece confrontada com um fenómeno de desassimilação. Demais (de anotar), que a esclerose em como se pode tornar o superego e, como moral, pode (outrossim) engendrar uma auto-intoxicação. Todavia, a intoxicação produzida pela saturação afectiva constitui um caso de congestão (intrinsecamente) mais grave e mais preocupante, que todos os outros, pois que, afecta as capacidades de reflexão e de decisão dos indivíduos psíquicos e colectivos (outrossim), porém, as suas capacidades para amar os seus próximos e os seus semelhantes, a amá-los (efectiva, prática e socialmente), conduzindo (no mesmo lance e à prazo, necessariamente), a fenómenos muito graves de ódio político e de conflitos violentos entre grupos sociais, etnias, nações e religiões (ela) torna (propriamente) inconcebível (qualquer que seja), a saída aos outros casos de congestão, que intoxicam todas as dimensões da vida sobre o Planeta (no seu conjunto).

(D)
            A saturação afectiva e a que resulta da hiper solicitação da atenção (e, em particular) das crianças, visa, por intermédio dos objectos transitórios industriais, desviar o seu libido dos seus objectos de amor espontâneos, para os objectos do consumo (exclusivamente), provocando (deste modo), uma indiferença aos seus pais e a tudo quanto os rodeia e uma apatia generalizada, onerada da ameaça.
            No Japão (por exemplo), a realidade congestionada da despersonalização psíquica e colectiva acarreta cedências ao acto, mimetismos televisivos e criminosos e ausência de vergonha (isto é) de afecção, em que aparecem os kikikomori e os otatu, que constituem dois casos típicos de jovens indivíduos desafectados, casos que assumiram proporções (particularmente) preocupantes. Estima-se, que os kikikomori são mais de um milhão, em que centenas de milhares são jovens crianças (totalmente) não escolarizadas, muito (profundamente) cortadas do mundo (que vivem), numa espécie de autismo social, engelhadas no seu meio familiar e televisivo e (absolutamente) hermético, num meio social, que se encontra (ele mesmo), em boa parte arruinado.
            Quase sempre (totalmente), desvinculados do sistema escolar, acontece, que passam ao acto, alimentando (deste modo), a relevante e inquietante rubrica dos factos, nos jornais japoneses.
            Uns Otaku já não vivem, num mundo fechado, virtual, de diversão, banda desenhada, no interior do qual (sozinhos), podem reencontrar os seus semelhantes. Outros Otaku (identicamente), desafectados, (isto é), despersonalizados (tão bem, psiquicamente), como (social e perfeitamente), indiferentes ao Mundo. Enfim, alguns Otaku praticam cultos de objectos (em particular), objectos de consumo.

(E)
            E, à guisa de Remate pertinente, temos, então que:
            --- Nós os urbanos (aliás, todos nós, ou quase, todos nos tornarmos urbanos), sofremos desta congestão psíquica e colectiva e da situação afectiva que nos desafecta (lentamente), no entanto (fatalmente), de nós próprios e dos outros e que nos despersonaliza (deste modo), psiquicamente (aliás, colectivamente), afastando-nos dos nossos filhos, dos nossos amigos, dos nossos estimados e dos nossos próximos, dos nossos, que não cessam de se afastar e de tudo quanto nos é caro, que nos deram pelo carisma, pela graça do carisma (graças à ele), do grego Kharis e de um carisma do Mundo (por assim dizer), do qual procede caritas, que nos é (deste modo) ofertado (inclusive) e (sem dúvida), antes de mais (primordialmente, logo à primeira), como ideias, ideais e grandiosidades. Ou seja: Nós (no que nos diz respeito), nós que sentimos afastar dos nossos, nós (nos) sentimos (irresistivelmente) condenados à “viver e pensar como suínos”.
            --- Aqueles de entre nós, que têm a sorte de viver (ainda), nos centros das cidades das metrópoles e não nos seus meios periféricos, tentam sobreviver (espiritualmente), frequentando (assiduamente) museus, galerias, teatros, salas de concerto, cinemas de arte, etc. Todavia, esses sofrem (então), de um outro mal: o do consumo cultural, em que é necessário absorver (sempre), mais mercadorias culturais, como se um outro modo de adição se instalasse ali (identicamente), sem que já não possa jamais implantar o tempo lento de uma verdadeira e autêntica experiência artística (o do amador), que foi substituído pelo consumidor (que sofre) de obesidade cultural estulta.
            --- Entretanto, quando temos a sorte e o ensejo (se o tivermos, aliás), de poder partir para campo, suspendemos (por conseguinte), estas solicitações afectivas inumeráveis, permanentes e sistemáticas, que caracterizam a vida coetânea, em que se torna serviços, doravante quase (totalmente), submetida ao marketing (inclusive), “cultural”. Regressemos (então) às solicitações afectivas primárias da verdura, das flores, dos animais, dos elementos, da solidão, da marcha, do silêncio e do tempo lento (remanso e silêncio, presentemente transviados): O carácter (absolutamente) incessante da destreza aos sentidos e que tem (precisamente) por desígnio, jamais cessar (de induzir uma saturação tal como veio o tempo da desafectação) e do desamor.
            --- Enfim e, em suma: Esta perda de consciência e de afecto, induzida pelas saturações cognitiva e afectiva, que constitui a realidade hedionda da miséria espiritual, no instante, em que o Planeta deve enfrentar e resolver tantas dificuldades – dizíamos – é o que caracteriza o espírito perdido do capitalismo. De feito, há (presentemente) seres despersonalizados, como há fábricas desafectas. Ou seja: Numa fórmula (mais explícita e objectiva): Há (na verdade) baldios humanos como há baldios industriais.
                        De sublinhar (adequadamente), que isto não significa, que o Mundo se encontra desindustrializado. Sim (efectivamente), muito pelo contrário. É que (ele) se tornou hiper-industrial.
                        E, concluindo (por conseguinte) e de modo (dialecticamente) conseguinte, eis nos ante a temível questão, questão essa, que se enquadra, adentro do âmbito da Ecologia industrial do espírito. Donde e daí (assertivamente), sem dúvida nenhuma, tal é o enorme desafio que nos cabe. (…).

Lisboa, 02 Maio 2011
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).