Na Peugada de
NOVOS RUMOS:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895).
(I)
Na perspectiva colonial, o mundo negro apenas encarnava uma forma de vida inferior à civilização branca. Uma mentalidade primitiva ou mística lhe aguentava o vínculo de pensamento, residindo a sua principal contribuição à Cultura Humana num temperamento emotivo ao qual a Arte, periodicamente, podia vir se regenerar.
Conduzidas pelos autores brancos ou negros, as respostas contra esta denegação de humanidade ou de pensamento se conceberam, a maior parte das vezes, consoante um modelo esquimogenético. Todavia, que se inferioriza a visão de um Léopold Sédar SENGHOR, promovendo a emoção negra como complemento da razão helénica, ou que se tenta (pelo contrário) refutá-la (à maneira) de um CHEIK ANTA DIOP, vinculando toda ciência e todo pensamento ocidentais à uma origem negro africana, atitude essa que pode bem mudar, mas a postura permanece a mesma.
Ela, evidentemente, conta com um ressentimento (MONNÉ DE KOUROUMA em que “escritas africanas de si” terminam por se transmudar, segundo ACHILLE MBEMBE no nativismo ou na vitimação. Contra estas propensões à clausura de identificação, outras representações de si podem, todavia se forjar (avisadamente assevera o historiador camaronense): “à l’interface du Cosmopolitisme et des valeurs autochtomie” (MBEMBE 2000).
No entanto e, sem embargo, a abertura a outras culturas ou a outros idiomas não coagem em renunciar às tradições (contanto que, evidentemente), que estas últimas não se encarem sobre o modo exclusivo e autoritário, nem como uma realidade sui generis e justificada de pleno direito.
Todavia, que se simbolize o diálogo das culturas através de uma metáfora linguística (criolização de Edouard GLISSANT) ou uma imagem electrónica (a ligação de Jean-Loup AMSELLE), este fenómeno opera sempre à duplo sentido (interiorização/exteriorização). Significantes provêm de algures, outros podem se exportar em retorno e sobre modelo de acção recíproca a verdadeira universalidade. É, finalmente, “O local menos as paredes”, conforme a bela definição que dela outorga o escritor Alain MABANCKOU (2007).
(III)
Por seu turno, o filósofo ganês, Kwame Anthony APPIAH (n-1954), presentemente um dos mais fecundos teóricos desta Ética da Identidade (2005), por certo desconectada da “raça” (mesmo entendida, numa acepção sócio-histórica), porém, rica de “ancestralidade múltiplas” do ponto de vista cultural (APPIAH, 1997).
O seu arrazoado para um novo Cosmopolitismo rejeita, deste modo, a ideia que seja necessário “renunciar a todas as nossas fidelidades e a todos os nossos particularismos locais em nome desta vasta abstracção que é a Humanidade” (APPIAH 2000), no entanto, lembra, identicamente o “fundamento próprio da moralidade”, a saber que “cada ser humano tem responsabilidades para com todo ser humano” (Ibid).
(IV)
De sublinhar, avisadamente, que, no âmbito da sua defesa de um “cosmopolitismo ancorado”, nas suas reflexões sobre a possível universalidade de alguns valores, na sua procura de “instituições que nos permitirão viver em conjunto (juntos), no seio da tribo mundial que formamos doravante (Ibid…), Anthony APPIAH reconhece, assaz, frequentemente (conquanto na sua ignorância), os acentos e as preocupações de um Alain LOCKE (1885-1954), como um mero processo verbal que se impõe: longe de ter, simplesmente trazido uma contribuição estética ao Ocidente, o mundo negro enriqueceu desde há muitíssimo tempo o nosso pensamento ético, forçando-o, designadamente a colmatar “o fosso que, nas condições coloniais, o separa das suas decisões práticas, políticas e simbólicas” (MBEMBE 2006), que extrairemos o maior benefício em nos inspirar”, identicamente dele, no plano intelectual.
(V)
Donde, enfim e, em suma e, à guisa de Remate, temos, então que:
(a) Não se trata, por conseguinte, de “pensamento negro”, na acepção de um conteúdo, que seria (peculiar e sui generis) a um sangue e a um território e que permaneceria imutável a despeito das mestiçagens e das intricações com outros mundos. Pode-se, em contrapartida, conceber um “pensamento negro” (na acepção transitiva de um pensar à consignação negra ou “thinking black”, Ralph BUNCHE) que esteja em constante tensão com o pensar imperial (thinking like na empire) da modernidade ocidental.
(b) Eis porque, efectivamente, “pensar negro” consistia, deste modo, pensar a raça, pensar a colónia, pensar a nação, pensar o Mundo ou, simplesmente a Humanidade, tentando operar, neste mesmo processo, uma abertura para outras conexões que a mera scismogénese. Pela sua insistência contínua sobre o jogo da reciprocidade, pela sua escolha de um devir e de um mundo em estado de parturiente antes que no estado, este “pensar negro” oferece uma alternativa à clausura de identificação. No entanto, insistir sobre este ponto é asseverar, outrossim, quantas posturas antigas, além de possuir, ainda uma posteridade dos nossos dias, se diferenciam sobretudo pela sua conexão ao futuro.
Lisboa, 07 Dezembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).