sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Peça Ensaística Sexagésima Nona, no âmbito de

Na Peugada de
NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895)

Algunas Marcas pertinentes para principiar oficio:

            1ª MARCA:
                        É um ponto sobre o qual as Sociedades africanas não se distinguem das outras. A vontade do homem de dominar a mulher. Coagido em reconhecer à mulher um papel primordial, o de dar a vida, o homem implantou, nos quatro cantos do Mundo, instrumentos de controlo, assumindo-os, por vezes, até à crueldade. A igualdade dos sexos não é efectiva, em nenhuma parte, mesmo no Ocidente, a despeito de verdadeiros avanços neste domínio. E, que tenha havido ou que haja, amazonas e rainhas, mulheres primeiras ministros ou ministros, a questão nada muda…Que acontece na Ásia, África ou no Ocidente, quaisquer que sejam a cor da pele ou a cultura, os machos se unem para preservar os seus privilégios. Demais, sem dúvida nenhuma, a história é tão vetusta como a Humanidade: a humanidade patriarcal!


            2ª MARCA:
            CLITORIS:
                        --- Pequeno órgão eréctil do aparelho feminino, situado na porção mais anterior da vulva, que se projecta entre os pequenos lábios. É composto de uma glande, um corpo e dois pedúnculos.
                        --- O clítoris é o principal ponto de estímulo para a mulher e o que gera sempre o orgasmo. Existe muita variação individual, biológica, entre as mulheres. O equivalente ao clítoris no homem é a cabeça do pénis.

            3ª MARCA:
                        EXCISÂO:
                        ---É na sua acepção, mais geral, a ablação de uma parte de um tecido biológico. Todavia, o termo excisão é mais comummente utilizado para designar a excisão do clítoris.
                        ---Deve ser distinguida da circuncisão feminina que é a ablação do capuz clitoridiano, deixando o clítoris intacto e inteiro, porém à nu em permanência. A circuncisão feminina (“cortar em torno do clítoris”) é o equivalente da circuncisão masculina (“cortar em torno da glande”)
                        Esta distinção entre circuncisão e excisão é, assaz fundamental.

                        --- A Excisão do clítoris é uma mutilação genital feminina (MGF), implicando a ablação da parte externa preponderante do clítoris (CLITORIDECTOMIA). Esta mutilação genital equivaleria a ablação da glande no homem e do seu respectivo capuz (…).
                        --- Ela (a excisão do clítoris) é, por vezes, acompanhada da ablação dos pequenos lábios e sutura dos grandes lábios.
                        --- Uma nota final: A excisão apresenta variantes que diferem pela extensão da ablação e práticas anexas (…).

(I)
            É um facto, assaz relevante, que a EXCISÃO, como as demais outras formas de mutilação sexual (feminina), é, antes de tudo, um meio de controlo da mulher pelo homem. Todavia, por mais imparável que se pretenda, este controlo instituído pelo macho está longe de ser perfeito. Com efeito, atenuando ou suprimindo o desejo na mulher, desenvolve-se (nela) da mesma pancada, qualidades poderosas, da qual a primeira é a capacidade (competência), para se dominar nos momentos em que o macho, sob o efeito da excitação, perde a razão (fica tolinho). O acto do macho é, deste modo, tornado um autêntico BOOMERANG (arma de dois gumes, melhor dito, volta-se o feitiço contra o feiticeiro), em que a mulher não hesita a se servir até ao abuso. Quem lho censuraria? Imagina-se quanto prazer (ela) deve fruir à vista da multidão de pretendentes que acotovelam diante do seu domicílio paterno! Hélas!...

(II)
            Todavia, duvida-se do risco que decorre nos tempos em que os princípios morais debilitantes, os bens materiais assumem a sua desforra (a tentação se torna então forte para mulher, fazendo o macho pagar caro), leia-se o macho que ela segura pelo sexo (na acepção própria do termo). Donde, o risco se incorrer numa certa ligeireza de vida. Porém, de sublinhar, com ênfase, que o exame do problema desemboca em questões muito mais inquietantes.

(III)
            De feito, o desejo constituindo parte integrante do Amor, que sentimento uma mulher privada de desejo sexual sente por um homem? Que género de casal é o que formam dois seres em que um possui toda a capacidade de fruição sexual e o outro, não? Se o acto sexual se efectua sem desejo, não se transforma, no caso da mulher mutilada, numa maçada todo ao longo da sua vida carnal? Da parte do homem, o acto sexual não se torna uma manifestação do seu egoísmo, visto que, no momento que ele sente desejo, o da sua parceira (quiçá) pouco lhe importa? Enfim, por que sentimento a mulher excisada substitui, por conseguinte, o elemento que falta ao seu sentimento amoroso?

(IV)
            E, já agora e, antes de mais, algumas questões pertinentes, se nos afigura, oportuno, considerar, por motivos e razões óbvios. Ou seja:
            (a) A mutilação sexual (feminina) não consolida a poligamia na medida em que uma mulher sem desejo pode bem se passar de relações sexuais (durante dias e dias), o tempo que o marido faz o percurso do leito das suas co-esposas?
            (b) Não se afigura legítimo afirmar que a família de procedência de mulher excisada, aproveita, outrossim, directa ou indirectamente da ablação do seu clítoris, visto que a mulher se encontra, deste modo, privada do elemento (o desejo íntimo, obviamente), que teria podido conduzi-la à se afastar do pacto original, que a condena, para sempre, ser uma espécie de protectora da família do seu pai?
            (c) Na medida em que a excisão é uma ablação do desejo, não constitui um meio para reforçar a superioridade do homem, que só deve tomar as iniciativas, mesmo no plano sexual?
            Em todo caso, seja qual for a forma que se efectue, a mutilação sexual tem como consequência modificar profundamente a personalidade da que a sofreu, visto que é evidente que o clítoris, como todo órgão humano é o resultado de milhões de anos de evolução e que a sua ablação não poderia ser anódina. Mutilar sexualmente um indivíduo significa arrogar-se o direito de influir, de forma decisiva, no curso do seu destino sem o seu consentimento. É sumamente, uma autêntica e verdadeira violação da personalidade.

(V)
            Diga-se, o que se disser, não há dúvida nenhuma, se colocando mesmo, no plano religioso, visando contrariar a tese defendida (sob o signo de má-fé) por alguns, se afigura pertinente perguntar (avisadamente), em nome de quê um ser humano se atribui o direito de molestar um órgão do corpo humano que Deus (o Absoluto) criou. De feito, se levamos a análise até fim, os que defendem a excisão, se fundamentando na religião, não afirmam (do mesmo lance), que Deus se enganou na concepção do corpo da mulher e que os homens (criaturas mortais) podem permitir rectificar o seu erro? Deus, por conseguinte, já não é mais todo-poderoso e omnisciente? Não estamos ante um dos piores sacrilégios? Deste modo, os incrédulos não são, forçosamente os que se julga.

(VI)
            Para além dos riscos sanitários (que esta”intervenção” lhe fez correr), a mutilação sexual é, por conseguinte, para a mulher uma desvantagem tanto física como psicológica. Como, desde então, se pode esperar dela (que ela se projecte no futuro), na medida em que, aliás, o seu enquadramento é, de tal modo, estreito que apenas se lhe faz desempenhar a função de protectora das tradições?
            Se as mutilações sexuais puderam subsistir em sociedades negras africanas é porque elas se desenrolam em meios, onde a liberdade individual não constitui um valor fundamental. Demais, no seio das sociedades, em questão e apreço, a maioria dos homens tendo apenas conhecido relações sexuais com mulheres excisadas), não possuem nenhuma ideia da extrema gravidade de um tal acto. Identicamente, tendo sido excisadas desde a tenra idade, as mulheres se encontram numa situação idêntica.
            De anotar, outrossim e, ainda, que em determinadas circunstâncias, algumas (instruídas acerca dos danos da excisão) para dar prazer ao seu parceiro, simulam o prazer! Durante a sua vida! (HÉLAS!). Eis porque, a despeito das “campanhas de sensibilização” e a impressão de compromisso firme que determinados poderes podem assumir, homens e mulheres têm dificuldade em fazer da problemática da excisão uma preocupação relevante.

                        E, à guisa de Remate:
            A) A questão (de fundo) é saber se os homens, por uma vez, descerão do seu falso pedestal para se interrogar: Que seriam se suprimisse neles toda a possibilidade de desejo e de erecção? Como quedariam as suas vidas?
            B) Contudo, será necessário bem um dia, que o homem compreenda que a sua sorte se encontra indissoluvelmente vinculada ao da mulher. Donde, que privar esta do seu desejo, é-lhe cortar as asas. E, enfim, de uma mesma assentada, é privar o próprio homem de uma enorme parcela das suas possibilidades de desabrochamento.

            C) Finalmente, na verdade, o desejo e o prazer sexuais fazem parte integrante do Ser Humano (na sua assunção mais nobre e genuína). Donde, Infortúnio para os povos que, por alguma razão que seja, desconhecem esta verdade universal ou a rejeitam!

Lisboa, 14 Dezembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).