sábado, 18 de dezembro de 2010

Peça Ensaística Septuagésima, no âmbito de

Na Peugada de
NOVOS RUMOS:

Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895)

Africa aliquid semper novi
Plínio, o Velho (23-79)

Acerca da querela das Reminiscências
Ou a colonização inconclusa:

(1)    A Colonização teve, sempre, por finalidade a dominação física e cultural dos povos autóctones. O destino dos Mayas e das tribos ameríndias o atesta, de modo, assaz eloquente, visto que sobre os seus despojos se espalhou a civilização ocidental. Deste ponto de vista, a colonização da África negra permaneceu inacabada, pois que as sociedades africanas foram, profundamente inquietadas, (elas, no entanto) não desapareceram.
(2)    A conquista militar da África negra terminou em 1905, porém, uma outra batalha, imediatamente se iniciou com a Europa colonial: a batalha das memórias. E, para firmar a sua influência, o Ocidente recorreu, com efeito a duas armas temíveis: o livro e o cinema. Tarzan na selva povoada de tribos bárbaras, romances coloniais, obras moralizadoras ou banda desenhada (Tintin no Congo), difundiram, à porfia, a imagem de um negro selvagem, sórdido, “criança crescida”, folião e preguiçoso.

(3)    A vouloir blanchir la tête d’un nègre, on perd tout son savoir », « Barriga cheia, negro contente » : Tantas expressões e slogans incrustados por muito tempo nas mentalidades ocidentais! Apresentando Negros Africanos como no Zôo, a Exposição colonial de 1931 atingiu por que lhe diz respeito um apogeu. A Europa encenava a prova da sua superioridade sobre seres selvagens e bárbaros (submissos e vulneráveis), a quem (ela) se outorgava para nobre missão, fornecer a luz afim que entrem na História.
(4)    Qual coisa exprobrar às guerras coloniais, se pensarmos que foram conduzidas contra indivíduos desprovidos de qualidades humanas que enformam o Ocidental? O próprio empreendimento era edificado, visando trazer um pouco de luz a hordas primitivas, grotescas, ingénuas e dançantes! O método serviu aos Estados Unidos, para justificar a conquista do Oeste. O western reescreve tão bem a história do único ponto de vista do herói branco, que mesmo em África negra, se encontra do lado que se alinha!
(5)    A pouco e pouco, graças aos meios modernos de Comunicação de massa, o homem branco forjou entre Negros Africanos a convicção da inferioridade da sua cultura e da sua civilização. O procedimento não desapareceu. Vejamos: A televisão ocidental, tratando-se da África, são cenas de miséria, de enfermidade e de morte que se mostra, ao ponto que se pergunta por que milagre os Africanos sobrevivem. É mais fácil e mais rentável (aliás) mostrar imagens choques que explicar a realidade em toda a sua complexidade.
(6)    Uma África esgarçada de males de todas espécies e feitios é mais mensageira, em termos de audímetro: Sequências de crianças esqueléticas, populações magras e desesperadas lançadas nas estradas, cenas de guerras intestinas intermináveis, braços decepados com facas de mato, crianças vergando sob espingardas, imagens de hospitais (sinistros mortuários de facto), centenas de jovens amontoados em frágeis pirogas sobre o vasto oceano em direcção do Paraíso europeu, etc. Tantos procedimentos eficazes contra os quais os discursos que tentariam lançar um pouco de luz num mundo de tragédias sem nome, possuem pouco peso.
(7)    Na verdade (por certo), a desolação é apresentada em África negra. Todavia, a África negra não se resume à sua face sombria. Ela ri-se, diverte-se e cria, outrossim. Todavia, essa África passou sob o silêncio, porque (ela) não se enquadra com o objectivo dessa guerra que não ousa dizer o seu nome.
(8)    A retenção da Informação constitui, de mais, uma técnica extremamente espalhada entre os colonizadores. A história espanhola não defendeu durante séculos que duas centenas de aventureiros espanhóis (apenas) armados com arcabuzes, venceram a resistência de dezenas de milhares de Incas, aquando da batalha de Lima, em 1536 (?). No entanto (aliás) apenas no século XX (passado), ou seja, cinco séculos mais tarde, que a Arqueologia pôde provar que os Espanhóis deviam a sua vitória a uma outra tribo dos Andes, rival dos Incas. Documentos (credíveis) atestam o facto. No entanto, foram cuidadosamente dissimulados.
(9)    Identicamente, que Europeu sabe que as origens da Civilização Egípcia são, provavelmente negras africanas? Todavia, o investigador senegalês CHEIKH ANTA DIOP (1923-1986) demonstrou-a desde 1967, na sua magistral obra: Antériorité des Civilisations nègres: mythe ou réalité? (que deu muito que falar), no seu tempo (aquando da sua edição).

E, em jeito de Remate assertivo:
--- No Ocidente, através de uma certa literatura, as jovens gerações estão sempre condicionadas e apenas possuem da África negra uma imagem depreciativa. Os descendentes dos antigos vencedores continuam, deste modo, por vezes, na sua ignorância, a manipular os espíritos.
--- Eis porque, alguns desenhos animados, bandas desenhadas e álbuns de êxito mereceriam ser um pouco melhor observados. Exemplificando: Estamos a referir, em concreto, a série Kirikou. Quando se interroga, em França, os alunos, todos respondem que a África (para eles) é esta criança nua, que vive numa cubata ao som do tantã, no meio de animais selvagens.
--- Donde, de perguntar, avisadamente: Que ideia estes adultos de amanhã farão da África e dos Negros Africanos, sobretudo quando se sabe que os manuais escolares permanecem sempre tímidos na sua abordagem da verdade histórica, persistindo a versão oficial na sua (leia-se, na sua estultícia), apostrofando que a colonização foi positiva. No entanto, a Assembleia nacional francesa (por exemplo), adoptou a lei número 2001-434, de 21 Maio 2001, tendendo para o reconhecimento do tráfego dos escravos enquanto crime contra a Humanidade.
Eis porque, vale a pena, reter, com eficácia, a sentença seguinte:
Se neste hemiciclo, vimos todos de lugares diferentes, temos um futuro comum. Já não possuímos o luxo de nos estender sobre as nossas diferenças em detrimento do trabalho que devemos levar a cabo juntos. Trouxe esta mensagem de Londres à Ankara; de Porto de Espanha à Moscovo; Accra ao Cairo. E, por conseguinte, venho falar, presentemente, porque chegou o tempo para o Mundo se orientar para uma nova direcção. Devemos abrir uma nova era de cooperação edificada sobre interesses comuns e um respeito mútuo e a nossa obra deve principiar presentemente. Sabemos que o futuro será construído por actos e não por palavras.”BARACK OBAMA na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 23 Setembro 2009.

Lisboa, 18 Dezembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).