sábado, 25 de dezembro de 2010

Epístola Terceira:

Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).

(I)
            Na verdade, já no ano de 1953, no território, presentemente denominado Guiné-Bissau, se produzia, numa superfície de 153 030 hectares, 100 277 toneladas de arroz; em 14 814 hectares, mais de 24 968 toneladas de mandioca e em 105 016 hectares, 63 975 toneladas de amendoim.
            Todavia, trinta e cinco (35) anos, após a proclamação unilateral da sua independência, a Guiné-Bissau (que conta com uma superfície cultivável de 410 801 hectares), se encontra, na dependência do exterior, (ela), que possuía tudo, para marchar na linha segura para o desenvolvimento. De feito, sem sombra de dúvida, seria necessário se apoiar na Agricultura para dar impulso ao seu desenvolvimento tal como sonhava Amílcar Cabral.


(II)
            No início da Independência, ou seja, no primeiro lustro da sua nova situação e graças a um certo voluntarismo da parte de Luís Cabral (1931-2009), um dos fundadores e dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e, primeiro Presidente da República da Guiné-Bissau (de 23 Setembro 1974 à 14 de Novembro 1980), o Governo de então, estabeleceu uma política de industrialização, como alvo prioritário.
            Iniciaram-se obras, tais como o complexo agro-industrial de Cumaré (situado perto de Bissau), destinado à produção de óleo alimentar, sabão e adubos para a Agricultura; fábrica de oxigénio e de acetileno; unidade de transformação de frutas em sumos e compota (em Bolama); fábrica de cerâmica para a produção de tijolos e telhas em Bafatá; fábrica de montagem de veículos “N’HAYÉ” (em parceria com o fabricante francês Citroën); unidade de transformação e conservação de pescado para exportação (a Semapesca, outrossim apoiada pela França) e a electrificação do país.
            Trata-se, efectivamente de uma positiva proeza, tendo em conta, que tudo isto foi levado à cabo, em cinco anos (apenas). Ou seja: de Outubro de 1975 à 14 Novembro 1980, ano da evicção do poder de Luís Cabral, na sequência de um golpe de Estado de 14 Novembro 1980 (localmente conhecido por “Movimento Reajustador”conduzido pelo seu “Comissário Principal” (Primeiro Ministro), João Bernardo Vieira (1939-2009), que o afastou da Presidência, que assumira sete anos (antes, em 1973).

(III)
            Desde então, a Guiné-Bissau, se transformou, num país, francamente, adiado, se encontrando fragilizado (um autêntico e verdadeiro caos), confrontado (por causa, concretamente de erros monumentais cometidos pelos seus dirigentes políticos), com dificuldades e insuficiências de várias ordens e espécies, que passamos, a enumerar, algumas das mais gritantes:
(a)    Insuficiência da gestão económica;
(b)   Produtividade insignificante do aparelho administrativo;
(c)    Degradação acentuada dos Sistemas educativo e de Saúde;
(d)   Peso das taxas públicas;
(e)    Ausência de dinamismo do sector privado.

(IV)
            Com efeito, num país, profundamente agrícola, em que perto de 70% da população vive, em meio rural, o desenvolvimento científico da Agricultura se impunha, como, aliás, desejava Amílcar Cabral. Todavia, infelizmente, é o contrário que se produziu, em detrimento do Povo, profundamente decepcionado por uma instabilidade político-militar crónica. Enfim e, em suma: se assiste (como fracasso/malogro da Independência) a fuga de recursos humanos e a dos investimentos eventuais (nacionais ou estrangeiros), dos quais a Guiné-Bissau tem tanta necessidade para descolar economicamente.

(V)
E, como, se não bastasse, todos os erros, acima enunciados, temos, outrossim e, ainda a referir a obstinação em se tornar o país dependente de um único produto (no caso vertente, noz de caju, que representa, actualmente 90% das receitas de exportação e 20% do Produto interno bruto (PIB), só pôde (pode, aliás) agravar a sua vulnerabilidade e ameaçar a sua própria segurança alimentar, num momento em que o Mundo inteiro sofre de crises, no sector cerealífero. Por seu turno, o comércio edificado sobre a troca (da amêndoa de caju e do arroz) conduz, inexoravelmente à uma estagnação da produção arrozal local que, contudo, sai menos caro que a produção importada dos países asiáticos.
Como se pode depreender, facilmente a situação não é nada brilhante, antes pelo contrário. Na verdade, estas políticas económicas e as suas consequências sobre o sector social ou a distribuição das riquezas se saldam, por conseguinte, por um balanço globalmente negativo. Todavia, o que é, francamente preocupante é que a tendência não se afigura de natureza a se inverter (quiçá mesmo), nos vinte próximos anos, por causa da ausência gritante de uma verdadeira política de desenvolvimento. Enfim!...

(VI)
Na verdade (e por certo), a luta armada de libertação nacional organizada pelo PAIGC -permanece inscrita na história como uma das mais belas páginas da resistência dos povos africanos contra a dominação estrangeira. Todavia, os enormes sacrifícios consentidos pelos povos da Guiné e de Cabo Verde não culminaram na reconstrução de um novo Estado, constituído por uma vintena de grupos étnicos dissemelhantes (motor efectivo do seu desenvolvimento). Donde, somos (coagido) a concluir, que, na verdade, muito mais fácil (parece), foi conduzir a luta de libertação contra o ocupante estrangeiro que resolver os problemas internos extremamente complexos do Pais (“independente”).

(VII)
Posto isto (vendo bem com olhos de ver), a despeito de alguns progressos registados graças a um rápido crescimento exponencial da economia (sob a liderança de Luís Cabral), não se registará, no mesmo período, nenhum avanço político significativo. Demais e, por outro, o poder não favorecia a integração na nova administração dos quadros e altos funcionários (bem rodados) que, de uma forma ou de uma outra, tinham colaborado (quiçá!...) com a administração colonial. Por essa razão, o país registará uma fuga massiva dos “cérebros”.
                        Donde, no âmbito deste contexto, a despeito dos primeiros esforços, enformando as políticas de desenvolvimento adoptadas (que pareciam, aliás, dar os seus frutos), a conjuntura internacional, aliada às debilidades económicas internas, precipitou o regímen no abismo das dificuldades financeiras, seguidas de uma penúria alimentar da população urbana acostumada ao consumo de bens de primeira necessidade importadas.
                        Perante, todo este triste cenário, as consequências foram catastróficas para o País, que se viu oprimido por tantos males, designadamente, a corrupção, o nepotismo, a socialização dos preconceitos, a privatização dos rendimentos em benefício dos detentores do aparelho de Estado (em detrimento, obviamente) da esmagadora maioria da população, ipso facto, posta de parte (não se querendo saber mais dela), desgraçadamente.

Lisboa, 24 Dezembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).