quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

DO ESTADO-PROVIDÊNCIA

E DO (ESPECIAL) PODER MÉDICO

A exigência de saúde é uma das reivin­dicações naturais numa sociedade que enriquece. Seja o seguro privado ou público, isso não altera em nada o problema. Estas despesas precisam de ser reguladas. O paradoxo, frequentemente esquecido pelos detractores do Estado-providência, é na realidade o seguinte: o Estado desempenha muito mais o papel de polícia do que o de auxílio à despesa.

Este ponto é particularmente claro no caso das despesas de saúde e foi analisado, a partir de 1963, pelo economista Kenneth Arrow, futuro prémio Nobel. Arrow resumia o problema colocado pelas despesas médicas nos termos seguintes:

a saúde é um dos raros bens económicos cuja procura (pelo doente) depende inteiramente da apreciação que dela é feita pelo ofertante (o médico). Aqui a oferta condiciona muito a procura, como diria Jean-Baptiste Say, mas pela razão perversa de o agente da procura não saber o que quer.


Todos aqueles que um dia duvidaram da honestidade do seu mecânico sabem o que Arrow  quer dizer. Mas, se podemos sempre mudar de automóvel, não podemos mudar de corpo. Em geral, ninguém ousa contestar o diagnóstico do médico, que pode fazer subir a despesa. Estudos econométricos americanos quantificaram a importância deste fenómeno. Um aumento de 10% do número de médicos instalados numa região contribui para aumentar em 5,5% as despesas de saúde nessa região: a oferta cria decididamente a sua própria procura...

O Estado-providência está em crise desde a sua origem... Mesmo que o keynesianismo tenha contribuido para tornar esta evolução intelectualmente aceitável, o aumento das despesas sociais começou por corresponder a uma necessidade: a de um seguro de doença, de um seguro de velhice... muito mais do que a um plano de regulamentação keynesiana da actividade.

Nada demonstra melhor a força desta exigência social do que a comparação entre os Estados Unidos e a Europa no domínio da saúde. A maior parte das despesas americanas é garantida por seguros privados. No entanto, estas despesas representam mais de 15% do PIB, ou seja, um número superior em 50%  ao da Europa. O aumento das despesas sociais não pode pois ser atribuído ao Estado (e ao seu suposto laxismo). Certamente, reflecte muito mais a satisfação de uma necessidade (dispor de cuidados de saúde e garantir recursos para a velhice) que as seguradoras privadas americanas não deixaram de satisfazer quando o Estado não se comprometia a fazê-lo.

[Daniel Cohen - Economista]