quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Peça Ensaística Sexagésima Quarta, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).

Acerca da Língua portuguesa:

“Os portugueses teriam renunciado à cruz e ao gládio, confiando o sexo, as tarefas da colonização”. In ROGER BASTIDE: Anthropologie appliquée, Paris, PAYOT, 1971.

“A língua portuguesa nunca foi considerada pelos próprios portugueses como um agente suficiente, ou sequer indispensável, para assegurar as operações coloniais. É certo, que aqui e ali, os portugueses procuravam assegurar a difusão da língua, mas esse impulso era limitado e não tardou a esvair-se, sem deixar quase traço algum. Os locutores autóctones foram sempre considerados incapazes de respeitar a norma linguística e, ainda hoje, tal continua a verificar-se”. Alfredo MARGARIDO (1928-2010).


(I)
            Na verdade (evidentemente), se o idioma e a Cultura portugueses não são, obviamente dedutíveis à margem das suas matrizes e dos seus contextos europeus, outrossim é verdade que eles, muito em particular, o idioma, jamais podem ser considerados, compreendidos e aquilatados, à margem da sua existência multissecular em terras do Oriente, em terras de África e, sobretudo, em terras do Brasil.
            Com efeito et pour cause, do esplendor empolado de Quinhentos, das opulências e dos infortúnios do Império, do fado lusíada “pelos mares e pelos continentes”, o que perdurou, como mais precioso e indelével tributo para a Humanidade?

(II)
            Incontestavelmente, sem sombra de dúvida, o idioma luso do Brasil, a língua portuguesa das ex-colónias africanas, a língua portuguesa de Machado de Assis, de António Aurélio Gonçalves, de Mia Couto e de Luandino Vieira. De facto, com as suas variantes, as suas cambiantes, as suas metamorfoses, em estreita e intestina articulação com as experiências vitais, os usos e costumes, as convicções, as concepções e as ideologias de cada um dos Povos a que pertence, outrossim e, ainda com uma surpreendente unidade da sua Gramática profunda. Enfim e, em suma: Uma Língua, que é um inestimável instrumento da Cultura e da Ciência, de Entendimento político, de Cooperação, no âmbito do Ensino e, outrossim, nas áreas Económicas.

(III)
            De feito, sem esta dimensão brasileira, cabo-verdiana, angolana, moçambicana, guineense e são-tomense, a língua portuguesa seria muito mais pobre, enquanto instrumento de expressão e comunicação, enquanto universo textual que preserva raízes e memórias comuns e que se projecta para horizontes plurais.
            Donde e daí, evidentemente et pour cause, por tudo isto, uma Política consistente e inteligente da Língua Portuguesa tem de espelhar, com esmerada deferência e primoroso envolvimento, uma vertente brasileira e uma vertente africana. Deste modo, a relevância do Idioma português, no Brasil e na África projectar-se-á no relevo do Idioma luso, na Europa comunitária.

(IV)
            Uma Língua, qualquer idioma vivo (aliás), é um sistema aberto, uma instituição ou um organismo (onde, as metáforas, epistemologicamente legitimáveis são múltiplas), inerentes a uma Comunidade Humana, com o seu território, as suas instituições, a sua memória, a sua cultura, a sua economia. E, por outras palavras, uma Língua é indissociável de um passado histórico comum e de uma vontade compartilhada, quotidianamente revalidada rumo ao Porvir.

(V)
            Em jeito de Remate assertivo e avisado temos então:
           Tendo em conta o conteúdo de verdade, do arrazoado, acima exposto, ipso facto e, por motivos e razões óbvios, a nossa concepção da “Língua portuguesa como Portugal” é radicalmente antagónica da “forma emblemática do messianismo e do pessimismo niilista de Fernando Pessoa/Bernardo Soares: a minha pátria é a língua portuguesa (fórmula, aliás, antecedida) por esta asserção:”Não tenho sentimento nenhum político ou social”. E (seguida por esta outra):”Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente”. Sem comentários supérfluos!...
(VI)
            Todavia, o que é grave e preocupante (realmente) é que esta fórmula, quão estulta e, assaz infantil, tem sido trivializada euforicamente (à exaustão) pelo “analfabetismo cultural de muitos políticos (leia-se, obviamente profissionais da política), não se entendendo que ela é o rosto mortuário do Portugal impossível de Pessoa”. No entanto, na nossa óptica e perspectiva (de sublinhar, com ênfase), que para que a língua portuguesa possa viver “na Europa e no resto do Mundo, como thesaurus comum a diversos povos, como instrumento de comunicação nacional e internacional, como espaço de diálogo inter-cultural”, é preciso que Portugal viva.

            Finalmente, para terminar, de modo dialecticamente consequente e veementemente assertivo, não há dúvida nenhuma, que o “autêntico diálogo pressupõe, necessariamente a alteridade e, por conseguinte, a identidade própria e inalienável dos parceiros do Diálogo”. Eis porque então, mais que jamais, se impõe bater lúcida e denodadamente, “contra a utopia linguística de Pessoa, contra o multilinguismo desenraizado e desumanizado, contra o imperialismo linguístico de quer que seja, contra o nacionalismo linguístico xenófobo de quer que seja”, com um sonho enformado de um devir promissor e realismo consequente, eminentemente fiel às profundas raízes históricas e ABERTO ao MUNDO, no seu todo diverso, numa assunção, quão nobre e assaz eloquente.

Lisboa, 18 Novembro 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).