sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MORTE INGLÓRIA

Foi a frase sucessivamente repetida, até ao último suspiro, pelo malogrado escritor cabo-verdiano, António Aurélio Gonçalves (nhô Roque), quando se apanhou no hospital do Mindelo em S. Vicente, vítima de atropelamento por um automóvel em despiste que galgou o passeio e lhe tirou a vida. Isto foi-me contado pela médica que o recebeu no banco de urgências naquele dia fatídico.

Pois bem. Hoje, aqui na pacatíssima cidade de S. Filipe, na ilha do Fogo, estando em amena cavaqueira com dois amigos, sentados em mochos colocados à porta, no passeio público (aqui ainda é assim: à tarde há pouquíssimo movimento de viaturas e pessoas e por isso se desfruta deste prazer, sobretudo quando devido ao sol inclemente o calor se faz sentir mais em casa que na rua);  mas dizia, estando nós os três conversando, eis que um automóvel em despiste nos ia esmifrando a todos contra a parede, não fora o “rabo” de um outro automóvel que estava estacionado um pouco mais acima, que recebeu o primeiro choque e fez rodopiar o carro assassino em meio pião, impedindo assim a acção do matador encartado.


Estupefactos e ainda mal recobrados do choque emocional, vimos então sair do lugar do condutor um autêntico orangotango, mais bêbado que um cacho. Em menos de dois minutos o bicho caiu ao chão três vezes.

Se trago aqui e agora esta história, não é porque me queira de alguma maneira comparar a nhô Roque – longe de mim tal ideia! − que foi meu professor no liceu e ingloriamente morreu.

Trago aqui esta história porque só hoje me consciencializei verdadeiramente do enorme risco a que nos expomos quando vivemos aqui na maioria destas ilhas – não há um traumatologista; um neurocirurgião; nem mesmo um cirurgião sénior que possa fazer algo urgente…

Mas o pior de tudo é que não há sangue, não há banco de sangue! Podemos morrer esvaindo em sangue, tal como nhô Roque dizendo apenas MORTE INGLÓRIA, MORTE INGLÓRIA, morte inglória…

Entretanto a anedota – sempre há uma anedota no meio de coisas sérias – é que há muito quem julgue e apregoe lá do alto dos poderes instituídos que Estamos preparados para o Turismo.

Olhem, nem eu que aqui nasci, aqui no Fogo; que me reformei em Portugal antecipadamente por variados motivos já explícitos neste blogue, mas sobretudo para vir aqui frequente e demoradamente tratar de minha mãe, de 90 anos, que quer morrer onde nasceu, aqui ficarei por muito tempo no futuro. Primeiro porque nem eu, nem mesmo quem nasça aqui neste momento, teremos a mínima possibilidade de ter um serviço de urgências médicas e cirúrgicas capaz de salvar quem deveria ser salvo, mas tem de morrer por falta dos recursos necessários ao seu tratamento urgente.

Entretanto oferecemos muito mar e muito sol; boa música; mas também má comida e mau serviço nos restaurantes e nas pensões apelidadas de hotéis.

Para o fim ficam os preços − mais caros que no sul de Espanha e na Grécia; mais caros que nos paraísos asiáticos (Tailândia, Filipinas e Malásia, pelo menos). E se falarmos então nos preços das viagens e das telecomunicações, sem nenhuma dúvida os mais caros do mundo, estaremos coversados. Preços de loucos e para loucos.

Enfim… Isto é uma loucura. E eu sou um louco…!