segunda-feira, 18 de outubro de 2010

HOJE O DIA COMEÇA CEDO


A bonita intenção de tornar o Direito acessível a toda a gente anima o anexo de uma recente resolução do Conselho de Ministros fixando as "regras de legística" a que, a partir de 2012, obedecerá a "elaboração de actos normativos pelo XVII Governo Constitucional".

A ideia de pôr o Direito (e tudo em geral) ao alcance de todos começou com as licenciaturas à bolonhesa, movidas pelo louvável e democrático propósito de proporcionar a todos os "falantes escolarizados" um curso superior, sem discriminações fundadas na raça, no sexo ou nos conhecimentos científicos. Agora pretende-se que o legislador use frases "simples, claras e concisas", em artigos de apenas um período e verbos no presente e na voz activa, evitando complexidades inúteis como pontos e vírgulas e "terminologia técnica", como se os leitores do "Diário da República" fossem muito burros (meu Deus, e se calhar são) ou juristas pós-Bolonha.

Mas o Maligno jurídico está sempre à espreita. No caso, fez com que a "fatwa" contra a complexidade e a "terminologia técnica" tropeçasse desastradamente nos próprios pés e se precipitasse, também ela, nos pecados abissais das palavras e frases "complexas e obscuras", semeando as pobres "regras de legística" de coisas incompreensíveis como "proémios", "acrónimos" e "menções formulatórias" e de conceitos misteriosos como "repristinação" ou "vacatio legis". Já não se pode ser bem intencionado.

[Manuel António Pina – Jornal de Notícias, 18/10/2010]

BOM DIA!

Nota:Destaques no texto de minha autoria e responsabilidade.