Os sonhos, a premência, a impaciência e a ambição sempre levaram os homens a recorrer a terceiros para conseguirem os fundos necessários à realização dos seus projectos, à consolidação do seu poder, ao aumento da sua fortuna. Primeiro os sacerdotes, depois os comandantes dos exércitos, depois os príncipes e por fim os empresários reúnem, por via da persuasão, da força, do controlo social ou do mercado, capitais cada vez mais significativos, por meio de técnicas cada vez mais sofisticadas.
Durante muito tempo, o soberano — fosse ele religioso, militar ou político — pediu emprestado a título pessoal, quando não tinha acesso a espólios de guerra e não podia, ou não queria, aumentar os tributos e os impostos. E só reembolsava os seus credores — através de espólios de guerra ou dos impostos — quando precisava de voltar a pedir-lhes dinheiro.
Passou o tempo e o soberano transformou-se numa entidade abstracta, que se considera imortal e que, para além de se servir dos súbditos, começa também a prestar-lhes serviços; o soberano é agora uma colectividade, uma dinastia, um Estado, uma nação, cujo responsável provisório transmite ao seu sucessor as dívidas que contraiu. Deste modo, os sucessivos detentores do poder soberano podem seduzir os mutuantes, porque estes têm uma certa garantia de reembolso a longo prazo, ou mesmo de remuneração eterna de um empréstimo perpétuo; nascem assim os mercados financeiros, onde os financiadores têm a possibilidade de ceder as dívidas para com eles contraídas.
Estes mercados começam por financiar a indústria e depois apoderam-se dela, chegando mesmo a assumir o controlo do soberano, quando este se encontra excessivamente endividado; deste modo, o Estado cria mercados que, a intervalos regulares, o encostam à parede.
É esta a história da dívida pública, que é também a história da constituição da função soberana e daquilo que pode pô-la em causa.
E é este, ainda hoje, o contexto da dívida pública, que se revelou necessária ao controlo provisório da recente crise financeira, porque todos compreendemos que, se ela continuar a crescer, poderá desencadear uma catástrofe terrível.
[JAQUES ATTALI]