quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Peça Ensaística Quadragésima Primeira, no âmbito de

 Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).


No Cerne do Global Político:

Posta Segunda:


(A)
                Uma coisa é certa. Na verdade, tanto os fóruns e, mais ainda, os seus equivalentes on-line são, antes de tudo, lugares de permuta de palavra. Sim, efectivamente, é este enorme mercado da palavra, que (entra, em simetria) com a potência remota e misteriosa dos mercados.
                De anotar, que destas esferas, (que induzem as decisões), que governam o quotidiano, emanam, antes de tudo, cifras, resultados nítidos cujo o efeito se traduzirá, em termos de criação ou supressão de emprego, e transferências. Todavia, o grande mercado da palavra custa-lhe bastante engrenar na acção, pois que, emerge disso, posições e propostas, uma força difusa que, à diferença do período anterior, já não se encontra orientada para a instauração de um Mundo novo, de amanhãs que cantam.
                Neste contexto, não é de se admirar, que as Organizações não Governamentais (ONG), “se livram a tempo de um negócio arriscado”, de um jogo, estruturalmente duplo, visto que elas estão, outrossim, à vontade, no registo da palavra, como, no realismo da acção, em que elas instauraram uma parceria construtiva entre as finanças e a economia da sobrevivência.

(B)
                Não seria necessário, todavia, explicar a escalada, em força do fenómeno ONG como a resultante de uma combinação realizada, com êxito, entre a ideologia humanitária e um pragmatismo sempre, em estado de alerta, no âmbito do ruído do furor do Mundo. Identicamente, o lugar que ocupam, presentemente (nos nossos dias de hoje), algumas Instituições transnacionais, designadamente a OMC, a ONU e o FMI não depende unicamente da sua funcionalidade no sistema global.
                Com efeito, se assiste, na verdade, à uma reconfiguração política, que, tanto como (não mais do que ela), implica a extinção do Estado nação (leia, outrossim, um Mundo sem soberania), não se acomoda de uma adaptação da governação, exclusivamente centrada na territorialidade.
                Eis porque, os discursos tradicionalmente centrados sobre a dialéctica entre poder e Sociedade, se polarizam na mudança de escala (onde se situa o poder? Qual é o espaço pertinente? etc.) em busca de uma impossível reposição em ordem, de uma harmonia (que não se pode encontrar), onde o social recuperaria o domínio deste poder, cada vez mais e mais, remoto e misterioso, o que permitiria remediar os desequilíbrios e as desigualdades.
                Estas elaborações teóricas e políticas possuem todas, como ponto comum, se situar, no âmbito de uma lógica da convivência, enquanto as práticas com as quais se têm de haver, se desenrolam no horizonte da sobrevivência. E, servindo-se, criticamente da célebre distinção da autoria e lavra do filósofo francês, Michel FOUCAULT (1926-1984), na verdade, estas práticas relevam da dimensão “pastoral” do poder pastoral e se dirigem menos aos “sujets civils” que aos “individus vivants”.

(C)
                Aliás et pour cause, se pudemos falar de uma governação global, a propósito desta constelação de Instituições e Organizações transnacionais, não é nesta acepção de um reordenamento inclusivo, como de um poder, que sobreporia aos poderes existentes. Esta visão das coisas releva de uma problemática da convivência, sendo a sua realização última o Império, uma construção, que, por seu turno, releva do mesmo paradigma que o Estado dos Filósofos (forma destinada a organizar a vida, em conjunto dos Cidadãos/indivíduos).
                Ora, em Sociedades, onde a ameaça constitui uma dimensão integrante do presente, muito mais (de longe), as questões relacionadas com a vida e com a sobrevivência, doravante, se antolham, assaz fundamentais. Donde, de algum modo (por assim dizer), as ideias de equilíbrio e de ordenamento, de justiça e de direito, só assumem a sua verdadeira acepção, na perspectiva do risco e da precaução.

(D)
                Demais, não é, por acaso, que a temática da durabilidade se encontra doravante, tão, profundamente intrincada no discurso e incide sobre as desigualdades e sobre as conexões entre poder e sociedade. Deste modo, quando, estimando o pavoroso desequilíbrio existente entre países ricos e países pobres, O presidente do Brasil, Lula da Silva, escreveu:
                                “A solidariedade com a vida deve sempre triunfar
                                dos mecanismos da morte. As dívidas devem ser
                                respeitadas, porém o pagamento não deve
                                significar a eutanásia do devedor. Os que detêm os
                                supérfluos da riqueza financeira devem ter em conta
                                o deficit social que aflige os três quartos da Humanidade”.

                Antes de mais, vale a pena perguntar, avisadamente: Quem é o devedor para com quem? O pobre a quem o rico deu por empréstimo, mas que se afunda todos os dias mais e mais? O rico que dita a sua lei ao Mundo e aufere proveito com as desigualdades? Lembrando, uma vez mais, a questão do deficit social, o leader do Brasil só fez “revolver o ferro na ferida”. Com efeito, ao evocar um reequilíbrio necessário, uma reorganização da Sociedade, Ele se refere explicitamente à vida (a “Solidariedade com a vida”) e à morte (a necessidade de superar os “mecanismos da morte”).
                Estes termos, independentemente, de serem de longe, anódinos merecem, por razões óbvias, toda a nossa atenção, pois que remetem, precisamente para a questão da sobrevivência, em nome da qual, (ele mesmo), estima, que não é possível estar vinculado às clivagens tradicionais, se excluindo do fórum de DAVOS por ser uma das figuras marcantes de Porto Alegre. Simbolicamente, os termos do discurso e a posição que dele (obviamente) resulta, nos projectam, no âmbito de uma problemática multi-dimensional (alguns dirão: um “dualismo problemático”), visto que Ele admite, explicitamente que a assunção da exigência de “solidariedade com a vida” implica uma presença acrescida nos novos recintos da Política transnacional.

Lisboa, 31 Agosto 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).