quinta-feira, 22 de julho de 2010

Peça Ensaística Vigésima, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895)

O Africano e a questão da Honra:

                    Nota Prévia:
                          O Indivíduo (Cidadão) só existe, no seio do
                          Grupo, ao qual ele deve tudo.
                          O Grupo tem o dever de se defender.
                          O Homem é um todo: Não é bebé, depois adulto,
                          Em seguida, velho. Sim, efectivamente o bebé que
                          Principia o ciclo que encerra o Ancião.
                          A Velhice é o término da Vida, que impõe
                          Respeito a todos os indivíduos/cidadãos.
                          A Solidariedade e a preocupação para com o
                          Outro, constituem os imperativos norteadores da
                          Vida de
                          Todos os Seres Humanos.
                          A primeira riqueza é a do coração.
                          O Trabalho é nobre, porém a Vida e a Existência
                                Não se resumem, única e exclusivamente ao
                                                           Trabalho, evidentemente!...


(1)     O Sentimento que subentende a Educação do Africano é, antes de tudo, o da Honra. Eis porque e, tendo em conta esta ancestral premissa, raramente ver-se-á um emprestador exigir do devedor a assinatura de um reconhecimento de dívida e, por seu turno, identicamente ver-se-á o devedor, raramente contestar a sua dívida ou deixar de a honrar. E, eis porque, outrossim, jamais deve desmerecer ante os olhos dos outros. Perante este desígnio, deve sempre agir e actuar conforme o pacto original. Toda a infracção às regras do pacto conduz à desonra, a qual repercute sobre a Família. Assertivamente, se pode afirmar: Que aquele que já não possui HONRA é banido, ipso facto, da Sociedade.
(2)     Todavia, a Honra e a Segurança não bastam para fazer aceitar o constrangimento permanente que exercem a Família e a Comunidade. Estas últimas dispõem de uma Arma imparável: a recompensa e a punição.
(A)-Nas sociedades em que os bens materiais desempenham um papel limitado, em que podem mesmo, numa certa escala, representar um perigo para a harmonia do Grupo, pois subentendem o individualismo crescente, a recompensa e a punição não são valores materiais, sim, efectivamente valores morais. Em África, tudo gira em torno da noção da bênção e da maldição.
(B)-Quando um dos pais abençoa o seu filho, Ele deseja-lhe que consiga franquear todos os obstáculos da Vida, sem dano. Coloca-o sob a protecção dos anciãos, confiando-lho.
(3)     Aqui, vale a pena, abrir um parêntese para explicitar esta questão da Bênção, em África. De feito, presentemente, quando eles benzem, poder-se-ia pensar que os Africanos cristianizados ou islamizados invocam o Deus das religiões monoteístas, no entanto, na verdade, é o ancião que é o destinatário das suas preces. Interessante sublinhar, que não têm necessidade de pronunciar a sua bênção, em voz alta para que ela opere. O pensamento, de uma palavra silenciosa, basta. Todavia, esta palavra é tão forte que ela determina o destino da criança e confirma para ela a obrigação de se mostrar digna da protecção do ancião.
(4)     Donde e daí, decorre, naturalmente o grande respeito do Negro Africano para com a Idade. Como se pode, com efeito, esperar ter êxito, de alguma forma, sem a bênção dos seus pais ou dos seus mais velhos, pois quando, se cresceu nesta convicção, não se a transporta sobre si, como uma camisa, porém em si, como uma parcela de si próprio.
(5)     O primeiro choque a que sujeitaria um Negro Africano se saísse do seu mato natal e fosse, directamente para uma cidade ocidental, seria, sem dúvida, de ver estes idosos, vergando nas suas marchas, ou em pé, no autocarro ou no metro, enquanto viajantes mais jovens estão sentados. Perguntar-se-ia, em que mundo tombou, visto que este “espectáculo” é para ele insólito. Para o Negro Africano, a deferência para com os mais velhos não é formal: é um acto fundamental que pode inflectir o curso do seu Destino.
(6)     De facto, quem se opõe, de um modo ou de outro, às regras que edificam o Pacto original, sujeita-se, com efeito, a pior das sanções: a Maldição. O seu vector é, outrossim, a palavra, dita ou pensada e é ainda o ancião que é chamado para ser testemunha. O medo da maldição provoca a ansiedade, cada vez que se afasta da via prescrita, isto desde os tempos imemoriais. Trata-se de uma barreira moral que proíbe ao culpado de aceder aos benefícios da cadeia de Vida. Ora, privado deste contacto com o ancião como com os outros, o indivíduo se fragiliza. A ameaça da maldição é um meio infalível de submeter, mesmo os mais recalcitrantes, visto que o sistema surte o efeito almejado, fazendo-lhes crer que o único escudo contra a desgraça é o respeito escrupuloso das regras do Grupo.
(7)     Demais, vale a pena sublinhar, que o corolário lógico da maldição é a marginalização. Este corte moral é mais profunda e mais duradoura que a prisão Ocidental. Aliás, quando se purgou a sua pena de prisão, pode-se regressar entre os seres livres, mesmo se seguiu pela imagem do ancião prisioneiro. Todavia, é impossível purgar a sua pena quando se é marginalizado. Nenhuma sentença clara não é emitida e, se reconhece prisioneiro na sua cabeça. Pode-se continuar a viver entre os membros do Grupo, sem mais, na verdade, fazer parte dele: Donde, o maldito se constitui prisioneiro de carrascos morais. E, como suposto é (estar ele próprio), colocado, numa tal situação, só ele pode sair da mesma. Nenhuma necessidade de Juiz, pois bastar-lhe-á cumprir o acto mais difícil para o Ser Humano: se arrepender.
(8)     Como, aliás, para a bênção, os efeitos da maldição ultrapassam o indivíduo. Não atingem unicamente a esposa (ou as esposas) do culpado e os seus filhos, mas não poupam, mesmo os seus pais. Em suma: É toda a sua descendência que é marginalizada.
(9)     A punição suprema permanece, contudo, a morte, outorgada, não com uma arma clássica, porém através da feitiçaria. Quando se diz a alguém que recusa obstinadamente se comprometer no caminho certo, isto é, o da obediência: “Cautela!” Isto significa que ele corre o risco de incorrer na sanção suprema. Pouco importa, que não seja apenas uma mera ameaça, o fundamental é que a quase totalidade dos Negros Africanos acham-na, rigorosa e assaz severa como “ferro”e estão aterrorizados à ideia de sofrer uma tal condenação.
(10) De sublinhar, todavia, com ênfase, que a arma mais utilizada para desacreditar o recalcitrante é o rumor calunioso. Em Sociedades, assentando na oralidade e pondo a honra acima de tudo, o rumor calunioso é de uma eficácia incrível. De feito, num piscar de olhos, rapidamente (e porque toda a gente conhece todos), dá a volta à aldeia, à cidade, ao país. Eis porque, donde, sem código penal escrito, sem juízes, sem guardas prisionais, uma sociedade consegue, com êxito, instilar o medo, no coração dos indivíduos e fazer-lhes respeitar princípios e regras de conduta intangíveis.
a.       Aliás, a ausência de cultura da escrita nada tem a ver, no seio desta organização societária. Séculos de uma Educação poderosamente eficaz, se apoiando num profundo conhecimento da Psicologia, erigiram um sistema de controlo, de tal modo, racional e subtil que pode passar despercebido.
b.      Quando se observa de fora, as Sociedades Negras Africanas, tem-se tendência a ver nos Africanos, unicamente umas eternas crianças, uns obedientes natos e submissos aos tiranos mais sanguinários. Esta leitura é fruto da ignorância do extraordinário mecanismo que contribui para aí enquadrar o Ser Humano.


Eis nos, por conseguinte, ante um eloquente projecto de Sociedade elaborado desde milenários, pleno dos dados da vida e da história dos Homens, cuja a solidez nada tem a cobiçar e invejar a nenhum outro e cuja a nobreza reside no lugar primordial acordado, não ao indivíduo (em si), mas, sim, efectivamente, ao Homem, em toda a sua dimensão e grandeza humana, seguramente.
Pode-se asseverar que a démarche Africana é humanista. Todavia, para garantir a sua felicidade e a do Outro, foi preciso, aliás, como, em toda a Sociedade Humana, edificar um sistema de controlo. Este último protege, no entanto, asfixia, simultaneamente. De feito, não há dúvida nenhuma, que o maior inimigo de todo empreendimento humano, por mais elaborado que seja, é o factor tempo. E, a despeito de tudo, as Sociedades Africanas não escapam à dinâmica interna desta elucidativa regra e que, por seu turno, a Solidariedade, por mais louvável que ela seja, não está imune de ser vítima da injustiça, fonte, aliás, de conflitos e susceptível, mesmo de conduzir à morte.

Lisboa, 21 Julho 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).