terça-feira, 20 de julho de 2010

Peça ensaística Décima Nona, no âmbito de

Na Peugada de NOVOS RUMOS:


Ser culto es el único modo de ser libre
José MARTÍ (1853-1895).


(1)      À primeira vista, a família Negra Africana é um universo relativamente asfixiante, onde o indivíduo, submetido à lei do grupo, perde liberdade. Todavia, ela é, frequentemente assimilada à uma espécie de Paraíso. Aliás, de anotar, quantos viajantes atestam, em primeiro lugar, acerca da alegria de viver em África? De feito, neste particular, em África Negra todo o visitante estrangeiro é sagrado. Não está, por conseguinte, submetido aos constrangimentos que pesam sobre os hóspedes e beneficia, pelo contrário, de mil e uma atenções, que podem modificar a sua percepção, no sentido positivo.
(2)      Tudo depende, de facto, da significação que se atribui ao vocábulo “Paraíso”. Se pensa, num lugar de tensão, onde os humanos nadam na felicidade, então a família Africana, já não assemelha neste sentido, a nenhuma outra. Opostamente, mesmo, ela pode se tornar sufocante. Em contrapartida, se entendemos por “Paraíso” um espaço, onde a alegria de viver aparece no primeiro plano, no âmbito de uma atmosfera mais complexa, então tal é bem a Família Africana, na sua assunção plena.
(3)      O Pacto original que serve de cimento à Sociedade constitui a fonte desta convivência, que rechaça todos os conflitos para o segundo plano (sem forçosamente os resolver) e torna o pacto perene. No fundo, no fundo, mais que uma vontade, é uma Cultura colectiva, transmitida de geração para geração. Neste particular, não há dúvida nenhuma, que a Escola Africana possui, nesta circunstância (no caso presente) uma forte responsabilidade: Com efeito, se apoiando na palavra, o Ensino escolar edificado sobre a técnica da repetição é tremendamente eficaz e cumpre a proeza de inscrever, em cada consciência negra Africana a necessidade da recondução do modelo.
(4)      De sublinhar, com ênfase, que é esta convivência elevada ao número de regra de vida, que confere um tal calor ao grupo na África negra. Em algumas sociedades da África do Oeste, por exemplo, o “parentesco de primos na brincadeira” é um meio incomparável, não unicamente de entrar em contacto, com alguém, que não se conhece, mas, outrossim, para evitar os conflitos. Aliás, de anotar, ainda, que, quando dois indivíduos de etnias aliadas se encontram, pela primeira vez, a tradição quer que evoquem, em conjunto, brincando, as relações (mesmo tensas) entre os seus antepassados. Uma altercação pode se declarar. No entanto, basta que um dos protagonistas traga à memória estes vínculos e elos antigos para que a tensão se apazigúe.
(5)      Irritados com a expressão “calor africano”, que lhes parece sublinhar o atraso dos seus congéneres, alguns intelectuais africanos a rejeita, cada vez mais e mais, frequentemente, até negam a realidade disso. Não há, contudo, nada de chocante pelo facto, que pessoas oriundas de terras, onde se encerra, literalmente as pessoas idosas, em que a solidão tende a se tornar a regra e onde a família se desagrega, tenham a impressão de tomar um banho de Juventude, quando abandonam o Continente Africano. Demais, obviamente, entre a África e o Ocidente nada é simples, pelo facto dos não ditos e do pesado contencioso herdado do passado recente, porém, não é preciso ver em cada gesto do Ocidente, um insulto ao Negro Africano.
(6)      Não deixa de se afigurar pertinente, lembrar que o primeiro calor, no qual banha todo o Ser Humano é o líquido amniótico. A nossa mãe nos amamenta, nos teve nos seus braços, durante meses, acalmou as nossas angústias e nos prodigalizou um sentimento desigual de segurança. Sem dúvida, isto explica por que o nosso elo à nossa Mãe seja único e diferente do que nos une ao nosso pai. A grande convivência da Família Africana prolonga, fosse de forma imperfeita, o calor do seio materno. Ele aprisiona, obviamente. No entanto, outrossim, ele tranquiliza e protege, indubitavelmente.
(7)      Enfim e, em suma: Vale, por conseguinte, melhor falar de calor Humano que de calor Africano. Com efeito, se os Negros Africanos, presentemente, possuem o “mérito” incontestável de ter sabido, numa certa medida, preservá-lo, isto não lhes confere, nem a paternidade, nem a propriedade do que permanece um dos raros momentos de grande Felicidade da Existência Humana.
Lisboa, 19 Julho 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/internacionalista --- Cidadão do Mundo).