Na peugada de NOVOS RUMOS:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895).
(12) Como se pode ver, haveria, por conseguinte, uma ruptura importante, na segunda metade do século XVIII, que se traduziu por uma desanexação do conceito de Sociedade civil em relação ao discurso filosófico. É mobilizado como um instrumento necessário, no âmbito da arte de governar, visando uma recomposição de um campo, que corre o risco de provocar implosão entre a omnipotência (leia-se, outrossim, poder soberano) do económico e da permanência do jurídico. Em qualquer das circunstâncias, haveria, do lado do poder, uma impotência para manter a sua influência sobre a sociedade em transição.
(13) Eis, então, que a Sociedade civil vem socorrer o soberano. E, paradoxalmente, ela se impõe, como um domínio dotado de uma autonomia robusta, produtiva, por excelência de poder e de história. Tudo se passa, aliás, como se, nestes tempos de crise viesse colmatar um vazio e outorgar uma figura concreta à comunidade face ao enquistamento jurídico do Estado encarnado na Soberania.
(14) Eis porque, FOUCAULT, no seu comentário, privilegiando a questão do homo oeconimicus e, fazendo, de algum modo (por assim dizer) dialogar (por defeito), FERGUSON e SMITH parece quedar a mil léguas de Charles TAYLOR, que encontra na filosofia clássica o ponto de ancoragem das nossas concepções da Sociedade civil. Todavia, se observa, de mais perto, se pode considerar que as duas abordagens (tão dissemelhantes sejam elas), possuem, no entanto, em comum, a competência e virtude de propalar o que aparece como a ambiguidade deste conceito.
(15) Finalmente e, em jeito de Remate consentâneo, poder-se-ia perguntar em quê este desvio genealógico pela Sociedade civil, apresenta um interesse, enquanto actualmente a expressão é invocada, no contexto inédito da globalização: Explicitando, adequadamente, temos então:
a) A primeira observação é que o período actual não está em conexão com o que se desempenhou no término do século XVIII.
b) Presentemente, como então, o discurso sobre a Sociedade civil se ostenta como uma resposta a um processo complexo, que se traduz, por uma décalage que vai, se aprofundando entre o órgão político e a dinâmica económica utilizada pelo capitalismo.
c) Demais, antes mesmo que tenha sido questão de globalização é interessante verificar, que a referência a Sociedade civil foi reabilitada, em fases marcantes pela crise do Estado.
(16) Com efeito e, no âmbito desta óptica e perspectiva, deve-se reter, designadamente a forma como GRAMSCI (1891-1937) devolveu ao conceito um novo vigor, numa época em que, face ao Estado parlamentar aluído, a ditadura parecia a única alternativa. A Sociedade civil se encontrava, aliás, mobilizada, num duplo movimento crítico explícito (contra o fascismo) e implícito (contra o estalinismo).
(17) E, mais recentemente, a Sociedade civil voltou a ocupar uma posição importante com movimentos como a Solidariedade que na Polónia, no início da década de 1980, se ergueram contra os regimes, nos países do Leste, ou ainda, a crítica do “sistema comunista” por ideólogos, como o jornalista Adam MICHNIK (n-1946), por exemplo. E, para fraseando TAYLOR, “a noção de “Sociedade civil” exprimia um programa de construção de formas de vida social por baixo (from below), emancipando-se da tutela do Estado”.
(18) Concomitantemente, com a questão, que se prendia com as liberdades civis, (voltando-se para uma economia de mercado), colocava-se, outrossim, a questão que se prendia com o papel fundamental que as organizações (que se reclamam da Sociedade civil), poderiam assumir, no processo de aluimento rápido dos regimes “comunistas”.
(19) Paralelamente, esta noção, ora enunciada, fez figura, nos Países do Sul, designadamente, na Índia, onde as críticas ao Estado nação procuravam alternativas de tipo Comunitário e, outrossim e, ainda em África, onde a “política do ventre” incitava a procurar outras formas de governo. Por seu turno, nos países ocidentais, a crítica ao Corporativismo do Estado, que tinha, aliás conhecido belos dias com o triunfo do WLFARE STATE, terminou, convocando de novo, a Sociedade civil, enquanto os órgãos de representação tradicionais pareciam, já não se encontrar, capacitados para assumir, adequadamente o seu papel respectivo.
(20) Enfim e, em suma: nesta perspectiva, o recurso à Sociedade civil, isto é, o reforço da esfera pública, a mobilização associativa, a iniciativa dos movimentos sociais, devia contribuir para “recarregar as baterias” da Democracia, na sua assunção e acepção mais nobres e genuínas.
Lisboa, 14 Maio 2010
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo)
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