sábado, 6 de março de 2010

ELOCUBRAÇÃO TRIGÉSIMA SEXTA:

Algumas Notas acerca da EUTANÁSIA:


“Ser culto es el único modo de ser libre”.
José MARTÍ (1853-1895)


No debate acerca da Eutanásia, a paixão domina, amiúde a reflexão. “Suicidar”, ou melhor dito, se suicidar: Eis actos que estão longe de ser anódinos. O desenvolvimento tecnológico, no âmbito dos cuidados intensivos, coloca o Médico, presentemente ante a possibilidade, senão a obrigação, de gerir a vida findável (que vai terminar).
Para além das dificuldades oriundas desta situação, quão nova, a expressão (em si mesma) de “eutanásia” se afigura carregado e pleno de ambiguidades. Se o termo, habitualmente designa os procedimentos destinados em tornar a morte mais suave, diversas práticas se inspiram nisso, que podem ser radicalmente opostas, de um ponto de vista ético. Gesto de liberdade individual, “suicídio”, homicídio ou libertação, a violência dos argumentos propala à do repto.

Assevera-se, habitualmente que o mal se vence a partir de dentro, vivendo. Nesse fracasso aparente realizamo-nos, cada vez mais e mais. No entanto, é necessário assumir conscientemente a nossa situação. Eis porque, em linha de princípio, é bom que um enfermo conheça a “dura” verdade da sua enfermidade. Quiçá a prudência aconselhe que ela lhe seja manifestada gradualmente e por alusões, procurando prevenir, o mais possível, o perigo de desânimo e de depressão.

Não se devem confundir com a “eutanásia”, os cuidados terminais que visam aliviar a dor, mesmo que indirectamente possam abreviar a vida. São lícitos, por motivos proporcionados. Todavia, não se deve olvidar que a melhor ajuda para os moribundos, consiste no acompanhamento pessoal, pleno de carinho, de devoção e esperança. Com efeito, os aparelhos, por mais sofisticados, jamais poderão substituir um “rosto e uma mão amiga”
Não se pode e, não se deve confundir a renúncia a chamada “obstinação terapêutica/encarniçamento terapêutico” com a eutanásia. É lícito e obrigatório omitir os tratamentos muitíssimo dispendiosos e sem vantagens reais para o paciente. Na verdade, o doente tem direito a morrer com dignidade.
Enfim, demais, a “boa morte” não constitui a propriedade dos que pretendem possuir o direito de decidir. Ela caracteriza o, ou a, que se extingue chegado o dia rodeado dos cuidados adequados e apropriados ao seu estado, exonerado das dores que o abate, rodeado de afecção e compaixão, com o seu reconhecimento como um ser vivo até ao término da sua vida e existência respectiva.

(A)
Eventos deploráveis relançam periodicamente o debate sobre a “eutanásia”. São amplificados e, às vezes, interpretados de forma controversa, por “jornalistas” a procura do sensacional ou do escandaloso.
Esta questão assaz grave constitui o objecto de discussões apaixonadas, não unicamente no meio dos profissionais de Saúde, outrossim e, ainda, em circuitos filosóficos, religiosos, políticos ou jurídicos. Muitos se permitem em emitir uma opinião, porém, raros são os que podem, à luz de uma experiência pessoal e de uma reflexão aprofundada e colectiva, formular um juízo que diligencia constituir algo de objectivo e propor, ipso facto, um comportamento, à medida da dignidade da pessoa humana perante o inelutável e fatal termo que nos vigia (melhor dito, nos espera) a todos, sem excepção, evidentemente.

(B)
O desenvolvimento regular e progressivo, no âmbito dos cuidados paliativos para as pessoas em fim de vida constitui um verídico e incontestável progresso. Para os Médicos e todos os demais profissionais de Saúde que participam nesta cruzada, que, por essência, pertence à sua missão, cada vez mais e mais, se torna uma verdadeira excepção a proposta ou o pedido da prática de um acto de eutanásia. Demais, de sublinhar, que, infelizmente, a eutanásia beneficia, através dos Médias, de uma publicidade, assaz injustificada, para não dizer, francamente insensata e sem bases científicas nenhumas.

Eis porque, com efeito, se impõe ultrapassar o calor do debate e, por extensão, esvaziar adequadamente as paixões, um tanto ou quanto, ineptas de toda a sua carga emotiva, assaz deletéria.
Na verdade, na Sociedade ocidental “hodierna” (decadente), o debate que se vem entabulando em torno da problemática respeitante à eutanásia faz parte dos temas e matérias que, regularmente reaparecem… Com efeito, por ocasião de tal ou tal acontecimento, os Médias se apropriam do mesmo, durante algumas semanas, através da imprensa escrita e audiovisual, para fazer disso um tema vedeta. Isto proporciona a oportunidade para “tal” professor célebre, tal homem da política (leia-se, outrossim, “profissional da política”), ou tal vedeta do “Showbiz” pensar ser o momento asado ao qual, enfim, tendo vencido o espírito “retardatário” da tradição judaico cristã, a sociedade “hodierna” estatuir os benefícios e vantagens respectivas da “eutanásia”e legislar para autorizar a sua prática.

De sublinhar, avisadamente que, no âmbito destas discussões recorrentes e, até certo ponto, estéreis, dois elementos relevantes chamam a atenção, designadamente:

A) Por um lado, a quase totalidade das opiniões emitidas, no decurso de tais debates constituem o facto de pessoas em boa saúde. Obviamente, tal ou tal pode trazer a experiência de um próximo que se encontrou pessoalmente confrontado com o problema, porém a polémica jamais se coloca “em situação”. De feito, a experiência mostra, de modo constante, a diferença radical que existe entre uma tomada de posição teórica, abstracta acerca da questão que se prende com “se suicidar” ou de concedê-la a outrem e a passagem ao acto, quando uma enfermidade grave conduz a se aproximar muito perto, no âmbito de uma relação, pessoa a pessoa. Esta oposição aparece, de forma óbvia, aquando de entrevistas levadas a cabo perto de pessoas, em geral longe de um problema personalizado, donde ignoram o sentido dos vocábulos utilizados. Sim, efectivamente, mostram as mudanças radicais de comportamento (leia-se, outrossim, revira voltas) e de opinião e a inversão dos pedidos de “eutanásia” quando um término de vida se aproxima.


B) Por outro, é, assaz manifesto que a maioria destes debates são guiados por paixões. Obviamente, argumentos racionais são avançados de cada lado, designadamente: o respeito da dignidade da pessoa deteriorada pela enfermidade, a liberdade para cada um de dispor da sua própria vida, para os defensores do direito à prática da eutanásia, como se fosse para os seus detractores, o respeito intangível da vida, etc. Todavia, esta troca de argumentos (leia-se, outrossim, discussão acesa) se desenrolam, em geral, num clima, de tal modo, em sobre tensão, marca de um tal ardor, que não permite lograr uma reflexão serena, no âmbito de um tema quão sério e, assaz relevante.


C) Obviamente, “suicidar” ou “se suicidar” não é um acto anódino. A psicologia mostra muito bem tudo quanto revela de violência contida no inconsciente de cada um. Esta violência, solicitada pela interrogação acerca da “eutanásia”, só se encontra a se exprimir através da paixão que cada um traz para o debate. De sublinhar, assertivamente, que esta paixão não facilita a discussão e não ajuda à uma tomada de decisões serenas, que a problemática enformadora da temática Eutanásia exige e merece, obviamente.


Lisboa, 05 Março 2010
KWAME KONDÉ (Intelectual/internacionalista: Cidadão do Mundo)
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