sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

«TARDE PIASTE»

Desculpem a extensão da posta.

Não é que esteja a tratar a Senhora Ministra da Saúde com menos respeito; estou apenas a citar uma frase popular em reacção a esta notícia. Tenho o maior respeito pela Senhora Ministra pois sei (sei mesmo) que não a deixam (nunca a deixaram) fazer o que era e é preciso.

Desde há 6 anos que venho batendo na mesma tecla denunciando o "crime" que se vem cometendo, qual seja o de acabar com as carreiras médicas e fazer recurso a médicos tarefeiros para os hospitais públicos. Basta consultar os arquivos deste blogue para constatar isso.

Como sempre disse e mantenho ― e isto levou-me a ser considerado e apelidado de «mau feitio» por três administrações hospitalares sucessivas, que só não correram comigo porque não tinham como fazê-lo ―, a "política" do fim das carreiras médicas e do ataque aos médicos, foi deliberada e teve como finalidade (com sucesso) esvaziar os hospitais públicos dos médicos mais experientes e mais competentes, "obrigando-os" a passar para instituições hospitalares privadas. Disse isso várias vezes em reuniões de serviço, algumas vezes na presença de administradores hospitalares, e cheguei até a preveni-los que se mantivessem essa política transformariam muitos médicos em verdadeiros mercenários.

Julgue-me neste pormenor quem conhece o estado actual da contratação externa e do trabalho médico no sector público hospitalar, nomeadamente nas urgências.

Em seis anos apenas conseguiu-se, não só despovoar os hospitais públicos, como ainda transmitir (admito que não intencionalmente) aos mais novos a filosofia do valor supremo do dinheiro em detrimento do humanismo, do rigor, da responsabilidade e da dedicação aos doentes. Mandou-se a Causa Pública às malvas e glorificou-se o sucesso material e individual.

Tudo isso foi feito com a aceitação tácita de uma população anestesiada e invejosa que se exultava e exulta com cada ataque que se faz à classe médica. População que nunca percebeu e muito menos aceitou esta verdade simples: em última instância, com os ataques aos médicos, quem acaba por sofrer é o doente, é o Zé Povinho. O médico sair-se-á sempre bem; cada vez melhor, à medida que se corta os benefícios sociais ao Zé.

[Esta é só para para fazer espumar de raiva os zés-ninguém militantes anti-médicos: hoje em dia, apenas fazendo urgências, há médicos que chegam a ganhar por mês €22,000.00 (é isso mesmo: vinte e dois mil euros)].

Mas continuemos a historiar mais um bocadinho a desgraça a que assistimos. Numa reunião com a presença de administradores hospitalares, em que se pretendia que o pessoal médico de determinado Serviço desse o seu "contributo" para a resolução de problemas do mesmo, após eu ter acabado de dar a minha opinião, o presidente do conselho de administração comentou virando-se para mim: «Você a falar assim qualquer dia é Ministro».

Sempre quiseram encenações e yes-men; ao estilo, aliás, do actual e anterior governos socráticos (e também do de Barroso com Luís Filipe Pereira a ministro). Nunca aceitaram ou aceitam opiniões diversas (não é preciso ser contrária) à deles; é bola p'rá frente e fé em Deus.

E pelos vistos o modelo actual é o da Grécia: o que interessa são os números e as estatísticas, mesmo que seja tudo aldrabado (é o caso das listas de espera de consultas de certos Serviços ― pura mentira). Deixou-se de gastar (diminuiu-se até muitíssimo as despesas) em horas extraordinárias com os médicos; e no orçamento isso é lindo de se ler; mas tiveram que fazer aparecer nuns casos, e de aumentar noutros, a rubrica aquisição de serviços. Foi para esta coluna do orçamento (que hoje é cerca de cinco vezes maior que a das "horas extraordinárias") que se empurrou o lixo que não se queria ver e talvez não conviesse que Bruxelas visse, não se importando de com esta medida aumentar a despesa pois as horas extraordinárias eram muito mais baratas que o recurso aos tarefeiros.

Esta política aplicada por pessoas pouco competentes (os chamados boys) vai acabar muito mal.

Nessa altura penso já estar a colher café na Ilha do Fogo, em Cabo Verde. Onde, pelo menos por enquanto, não há construção em leitos de cheia (estou a falar da Ilha do Fogo).

Passar bem.
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