domingo, 6 de dezembro de 2009

ELOCUBRAÇÃO DÉCIMA SÉTIMA:

“Aquele que não ama permanece na Morte”

a) Todos os homens são importantes, seja qual for a sua condição. De feito, a Pessoa vale mais do que o alimento e do que o vestuário, ainda mais que qualquer Conquista, nem que fosse da dimensão do Mundo e, que não se pode permutar por coisa nenhuma.
b) O Homem vale por si próprio e não pelo que sabe, produz ou possui. É apenas a sua dignidade de Pessoa que confere valor aos bens, que lhe servem para exprimir-se e realizar-se.
c) Conquanto nasça incompleto e cresça mediante uma experiência de Doação e de Harmonia até à perfeição definitiva, a verdade é que, desde o início, é um sujeito espiritual irrepetível, aberto ao Infinito, chamado a viver para os outros e com os outros. Donde, por conseguinte, merece todo o respeito e atenção, em todas as fases e etapas respectivas da sua Existência.
d) Evidentemente, destarte, a Vida Física, mesmo sendo o Bem Supremo, é o Suporte de todos os outros bens e permite, ipso facto, a sua concretização. Por isso, deve ser respeitada, desde a sua concepção até à morte natural. Enfim, deve ser tratada e servida de molde que todos possam ter alimento, vestuário, habitação, trabalho, tempo livre e assistência sanitária. Deve ser defendida de todas as formas de violência e preservada dos perigos que a ameaçam, designadamente o Alcoolismo, a Toxidependêcia e de todos os acidentes Previsíveis.
Finalmente:
1) Não há dúvida nenhuma de que o Corpo Humano é um sujeito cósmico no meio de muitíssimos outros, um ponto efémero na imensidão do Universo. Porém, não pode reduzir-se a uma partícula de matéria. Já do ponto de vista biológico é uma obra maravilhosamente complexa. Demais e, outrossim, facto, ainda mais significativo, está integrado na Experiência Subjectiva da Pessoa.
2) Efectivamente, não só observamos o nosso Corpo pelo lado de fora, mas vivemo-lo conscientemente por dentro: no agir, no sofrer, no tocar e em todas as nossas sensações. Sim, com efeito, eu sou o meu corpo. Nós somos os nossos Corpos.
3) De feito, através do CORPO recebemos as influências externas, modificamos as coisas, comunicamos com os demais outros exprimimos e realizamos.
4) Uma contracção muscular torna-se na consciência um grito de dor; realidades biológicas como o nascimento e o trespasse, o comer e o beber, a sexualidade e a enfermidade carregam-se simbolicamente de significados fundamentais. E, ao contrário, uma atitude espiritual torna-se gesto concreto: a amizade faz-se sorriso; a fé torna-se testemunho por palavras e obras.

Sim, efectivamente: o CORPO é Linguagem;
É a inserção no Mundo, para encontrar os demais
Outros e dirigir-se para a Transcendência.
Participa da Dignidade da Pessoa.
Demais, enfim: O respeito devido à pessoa
Estende-se, por isso, outrossim, Ao
Seu CORPO.


A Pessoa Humana tem valor por si própria:
Deve ser respeitada e amada
Incondicionalmente.

O CORPO é a Expressão da Pessoa e
Participa no respeito que lhe é
Devido, absolutamente…


(I)
Não há dúvida nenhuma, que cada Sociedade Humana segrega uma quantidade mínima de mau gosto em que ela tem necessidade para estabelecer normas, homologar as arbitrariedades e entreter as suas ambições de boa consciência. Este desejo colectivo do mórbido, que incita, por exemplo, as pessoas a ajuntar-se espontaneamente em torno, de uma briga de rua ou de um acidente da circulação, é um ingrediente fundamental da vida em comum.
De feito, esta necessidade de mau gosto se manifestou, frequentemente com uma crueldade tranquila. Trata-se do caso, durante vários séculos, quando a escravatura, no âmbito do Tráfego dos Negros era, unicamente forma trivial de Comércio, outrossim, porém, o esteio do desenvolvimento social e económico dos países, que se proclamavam, os mais avançados do ponto de vista moral e filosófico.
Deste modo, no âmbito desta dinâmica, basta, para se convencer, de observar alguns dos cartazes publicitários consagrados à venda de escravos, nos Estados Unidos da América do Norte, no término do século XVIII. Enfim!...

(II)
Aliás, a escravatura como operação de venda e de compra públicas de Corpos de Negros foi, oficialmente abolida no Estado de Nova Iorque, epicentro deste Comércio florescente, em 1827, cinquenta e um (51) anos após a proclamação da Independência Americana. Esta integração, de sublinhar, só foi consignada na Constituição pela XIII Emenda, ratificada em 1865, no fim da Guerra Civil.
No entanto, o que é Facto e, por isso vale a pena consignar, que, na verdade, só meio século após os míticos Pais fundadores (eles próprios, proprietários de escravos) da América virtuosa tinham proclamado febril e excitadamente as suas grandes ambições de reforma moral e política na Declaração da Independência, as forças do Mercado continuavam, por conseguinte, a gerir tranquilamente o CORPO desses homens, mulheres e crianças, cujo o carácter humano era posto em dúvida.

(III)
A escravatura era, entretanto, muito mais, que um mero Comércio. Constituía um Debate sobre o Corpo, isto é, acerca das conexões ambíguas e, por vezes, conflituosas que o Ser Humano mantém consigo próprio, os outros, o Bem e o Mal.
Como se pode divisar, destarte, através das Idades e das Civilizações, o CORPO encarnou, sucessivamente, a Imagem da Divindade, da Vida, identicamente, porém, do demónio e da morte. A sua Percepção respectiva evoluiu sobremaneira, indo do dualismo simplista (corpo alma) dos Gregos e dos Romanos para o determinismo biológico inspirado em concepções filosóficas oriundas do DARWINISMO (Doutrina elaborada por DARWIN na sua célebre obra, “Da origem das espécies”, 1859, segundo a qual a luta pela vida e a selecção natural são consideradas como os mecanismos fundamentais da Evolução dos Seres Vivos).
Convenhamos, todavia, que se a América pagou um pesado Tributo para se impor a Abolição Oficial da Escravatura (pelo menos, 600 000 mortos, durante a Guerra Civil, o homicídio de Abrham LINCOLN, fracturas sociais em que se mede, ainda hoje, a profundidade), é porque Estados do Sul, onde a mão-de-obra negra e servil era indispensável para manter os níveis de rentabilidade das plantações de algodão, não aceitaram se ver impor uma nova Moral oriunda do Norte.
Enfim e, em suma: efectivamente, o CORPO não era percebido unicamente como uma matéria-prima; outrossim, lugar de validação do Poder que possuía sobre os outros, era outrossim, o espaço de expressão da consciência de Si. Era, por conseguinte, um lugar de produção do discurso.

(IV)
O CORPO não foi sempre encarado com tanta seriedade no Ocidente. Durante bastante tempo, foi apenas um mero invólucro carnal, contendo a mecânica biológica. Os filósofos lhe preferia, aliás, a alma ou espírito, templo do pensamento e da acção, onde tinha assento o sopro fundamental da vida. O CORPO era, então, apenas e só, uma massa, mais ou menos, obscena destinada, seja como for, a desfear e desfigurar, se debilitar e se destruir com a idade. Imaterial e Invisível, o Espírito Humano era celebrado como a “coisa” mais bela e a mais importante.
Condenado à morte, o filósofo Grego SÓCRATES (cerca de 469-399), se felicitava da sua sentença, pretendendo que o que viveu em Filosofia deve ver na morte o Bem Supremo, que permite a separação do Corpo e da Alma e proporciona o ensejo a esta de se desabrochar verdadeiramente.

(V)
Esta desvalorização do Corpo (acima enunciada), encontra-se, outrossim, num outro filósofo Grego, PLATÃO (427-347), que aos vinte anos começou a seguir o Ensino de SÓCRATES (que, aliás, imortalizou nos seus célebres Diálogos), que, por seu turno, o reduzia ao estado de túmulo da alma e, identicamente, nas elocubrações do filósofo e matemático francês, René DESCARTES (1596-1650) para quem o Corpo era apenas uma junção de órgãos e membros. Demais, de sublinhar, que a sua experiência do Cogito (“Penso logo existo”) foi o corolário lógico duma démarche intelectual, separando radicalmente o biológico do psíquico. (Ver o “Traité des Passions”, de DESCARTE, publicado, aproximadamente doze (12) anos, após o “Discours de la Méthode”.).
Enfim, por sua vez, ARISTÓTELES (384-322 a. C.) se mostrara mais suavizado no atinente à questão que se prende com o Dualismo Corpo Alma, defendendo a Ideia da existência de uma Conexão indefectível entre estas duas Noções cuja a interacção constituía aos seus olhos o Ser Vivo, na sua Integridade. Eis porque, escreve, no seu “Tratado da Alma” o seguinte: [A alma não é um corpo, mas algo do corpo]”.

Lisboa, 03 Dezembro 2009
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).
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