sexta-feira, 5 de junho de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO QUADRAGÉSIMA TERCEIRA:

(I)
--- O vocábulo/lexema “Négritude” é, na verdade, destes termos/expressões que embotaram, adormentando pela sua própria história. Eis porque, se afigura prudente, se esforçar por precisar os seus contornos respectivos, antes de o utilizar.
--- Vindo a lume, pela primeira vez, sob a pena do poeta e dramaturgo antilhano, Aimé CÉSAIRE (1913-2008), no longínquo ano de 1935, num famigerado artigo da revista L’Étudiant noir, designava, sobretudo, um movimento literário e político. Procurava exprimir “l’ensemble des valeurs culturelles du monde noir”, segundo o intelectual senegalês Leopold Sédar SENGHOR (1906-2001) e de se servir dessas como alicerce para a revalorização da humanidade contestada dos povos negro africanos.
No fundo, no fundo, definia, por conseguinte, concomitantemente, uma atitude de orgulho filosófico e a nervura intelectual de um movimento político de reconhecimento de um povo oprimido, se encontrando, na época ainda, sob o domínio colonial. Deste modo, impossível, aliás, se afigura avaliar o impacto da négritude sem a re situar no contexto da sua peculiar génese histórica.

--- Os seus prosélitos inscreviam, demais a sua acção respectiva no rasto de uma vetusta tradição negra americana de dissidência e de valorização de uma identidade achincalhada pelo Tráfego dos Negros e a escravatura. Donde e daí, o vocábulo “Négritude”, estandarte desta revolta, recuperava a Ideia de Blackness, já em voga nos escritos de autores norte-americanos, designadamente o poeta, novelista, dramaturgo, contista e colunista, Langston HUGHES (1902-1967) e o escritor engajado, aliás, sem dúvida, o maior romancista norte-americano, Richard WRIGHT (1908-1960) e, de demais outros animadores da Harlem Renaissance.
Vale a pena abrir um breve parêntese para elucidar acerca da Harlem Renaissance: Trata-se de uma expressão oriunda do nome do célebre bairro negro de Nova Iorque e que ia ser ulteriormente o título de uma antologia The New Negro (1925) dirigida pelo escritor, filósofo e pedagogo norte-americano, Alain LeRoy LOCKE (1885-1954), congregando textos de intelectuais e artistas negros que pretendiam apresentar aos olhos do mundo uma amostra da efervescência cultural e da liberação do imaginário negro norte-americano.

--- De feito, de sublinhar, que a “Négritude” era, por conseguinte, na sua génese e origem respectiva, um vector de reapropriação da dignidade dos povos oprimidos.
Assim, no âmbito desta perspectiva e contexto respectivo, o filósofo, romancista e autor dramático francês, Jean-Paul SARTRE (1905-1980), ao prefaciar, no ano de 1948, a Antologie de la poésie nègre publicada por SENGHOR, se exaltava arrebatadamente ante esta tomada de palavra por pessoas a quem tinha sido, durante bastante tempo, imposto uma mordaça, afirmando com uma adorável ingenuidade: “La poésie noire est angélique, elle annonce la bonne nouvelle; la négritude est retrouvée”.
Todavia, o que é facto, em se posicionando como um movimento de resposta ao domínio branco, a Négritude assentava na visão idílica e sumptuosa de um mundo negro que, na realidade, jamais existira. Eis porque, a Négritude como mera rejeição do sofrimento e exaltação da alegria de dançar e de reivindicar a “personalidade negra”, permitiria, obviamente, aos novos leaders políticos e elites africanas se ofertar um lugar ao sol. No entanto, se afigura percuciente consignar, que exactamente porque se focalizava sobre a questão racial, sonegava, por exemplo, os problemas de classes.

--- De sublinhar, que no término da década de 1960, CÉSAIRE se esforçara por repor a Négritude no seu verdadeiro contexto histórico, insistindo no seu papel de conexão entre grupos de populações, partilhando uma história comum plena de sofrimento e de humilhação: “C’est un mouvement qui affirme la solidarité des Noirs de la Diáspora avec le monde africain. Vous savez, on n’est pas impunément Noir, et que l’on soit Français – de culture française - ou que l’on soit de culture américaine, il y a un fait essentiel : à savoir, que l’on est Noir, et que cela compte. Voilà la négritude. Elle affirme une solidarité. D’une part dans le temps, avec nos ancêtres noirs et ce continent dont nous sommes issus (cela fait trois siècles, ce n’est pas si vieux), et puis une solidarité horizontale entre tous les gens qui en sont venus et qui ont en commun cet héritage. Et nous considérons que cet héritage compte ; il pèse encore sur nous ; alors, il ne faut pas le renier, il faut le faire fructifier – par des voies différentes sans doute – en fonction de l’état actuel – et devant lequel nous devons bien réagir » ( Entrevista concedida ao Magazine littéraire, 1969).
Por conseguinte, a Négritude, se assume, como relevadora de uma experiência particular de vida peculiar a povos disseminados através da África, das Caraíbas, da América e da Europa. A Négritude assume, outrossim e, ainda, como revelação de um património de Humanidade que vários séculos de uma história ensanguentada não apagaram completamente. Enfim e, em suma: A Négritude se assume, como um aggiornamento filosófico necessário para a restauração de um imaginário ofendido e ferido pelas injustiças da opressão, porém, sempre capaz de se reinventar para fazer frente (opondo-se) às necessidades e às urgências do momento.

Lisboa, 02 Junho 2009
KWAME KONDÉ
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