quarta-feira, 6 de maio de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO TRIGÉSIMA TERCEIRA:

Acerca da Noção de Raça humana:

A expressão, grupos étnicos é usada, no âmbito
Da Antropologia (“Ciência do homem”) para designar
Grupos humanos que possuem em comum uma cultura
A que se sentem vinculados
E à qual se refere a sua vivência
E a sua mundividência cujos membros
Se sentem interligados por uma identidade
Historicamente construída.
O conceito não se confunde com o de “raça”, Pelo contrário,
A Noção de grupo étnico constitui uma forma de classificação
Cuja afirmação depende de limites e codificações relativas
Às diferenças culturais entre grupos vizinhos
Que afirmam a sua singularidade, uns em relação aos outros,
Sem que os caracteres raciais, biológicos ou linguísticos,
Assumem, por si só, necessariamente elementos caracterizadores.
Eis porque deste modo,
A identidade cultural dos grupos étnicos
Não é rígida, nem imutável,
Envolvendo processos de composição e recomposição
Dentro de um espaço determinado
Dos quais resulta uma consciência individual e colectiva.

No decurso do século XX pretérito, a noção de raça humana foi repensada e se viu fortemente posta em causa. De feito, a genética das populações nascida nos anos de 1930, contribuiu vigorosamente para a elaboração, em comparação com a noção eminentemente descritiva e tipológica (normalmente hierárquica) de raça, a noção, mais exactamente biológica e histórica de população.
De consignar, que uma população, é, no seio de uma espécie, o conjunto dos indivíduos entre os quais existe uma permuta efectiva dos genes. Por conseguinte, já não é a pureza racial, sim, efectivamente, a diversidade no seio da espécie humana que se encontra no ponto de partida da reflexão em causa. Na verdade, não sendo a raça como a espécie, limitada pelo critério da inter-fecundidade, o estudo das raças humanas, só pode ser pensado, ipso facto et pour cause, em termos exclusivamente tipológicos, porquanto exige uma abordagem histórica que dá conta das migrações e das mestiçagens.
Eis porque, no âmbito desta dinâmica, o notável geneticista e biólogo evolutivo, o ucraniano, Theodosius Hryhorovych DOBZHANSKY (1900-1975), contestando a “parte major de arbitrário”que existe nos cortes raciais, propôs em 1964 uma abordagem histórica das raças, tendo em conta a sua vida e a sua morte, as suas formações, favorecidas pelas misturas de populações e aceleradas pela facilidade acrescida das permutas desde, três séculos, aproximadamente. De consignar, que, ao contrário de uma abordagem exclusivamente descritiva, esta leva em conta permutas genéticas que podem ter como consequência a formação de novas raças.

No decurso das décadas que seguem, alguns geneticistas recusam mesmo a necessidade e a pertinência dos cortes raciais para a sua própria prática científica. Eis então, que o conceituado antropólogo, Jean HIERNAUX, em 1968 concluiu o seu célebre estudo sobre a diversidade humana em África subsariana, proferindo magistralmente a conclusão seguinte:
“La diversité biologique des groupes humains (…) figurée sur un plan (…) présenterait un nuage de point répartis de façon quasi uniforme. De proche en proche, on pourrait parcourir le nuage dans toutes ces directions, sans rencontrer de discontinuité majeure, si ce n’est en certains secteurs de la périphérie du nuage (…). Il s’ensuit que toute réduction de la diversité des populations africaines à un nombre restreint de taxons, comme le font toutes les classifications raciales proposées, présente un nombre élevé de contradictions logiques et ne saurait donc qu’engendrer la confusion ».

E, prosseguindo, avisadamente este nosso Estudo, temos que, na verdade, a descrição quantitativa da variabilidade geográfica evidencia continuidades antes mesmo que classes estanques e artificialmente descontínuas. Hodiernamente, os geneticistas definem pela frequência dos seus genes de pequenas populações mendelianas cujos os indivíduos fruem entre si permutas sexuais. Eis porque, alguns consideram que a diferença genética entre as populações assim definidas já não é importante como a diferença entre indivíduos. Deste modo, uma tal abordagem tende a invalidar a própria necessidade da noção de subespécie (ou de raça) para descrever as variações geográficas, o estudo multi-variado das distribuições de caracteres no seio de um continuum, se revelando muito mais fecundo para dar conta da diversidade no seio da espécie.

Todavia e, sem embargo, nos debates científicos actuais em torno da questão da origem (ou das origens) da diversidade humana actual permanecem presentemente ainda vinculadas representações a priori do homem e do seu devir, construções débeis, apostas ideológicas, escolhas sociopolíticas. Por outro, no atinente a determinadas deferências, a questão em si mesma e as dissemelhantes respostas que lhe foram trazidas são amiúde determinadas por escolhas ideológicas subjacentes. De anotar, ainda que algumas discussões em torno do “monocentrismo” e do “policentrismo” da espécie Homo sapiens parecem reconduzir, por vezes, nos pressupostos até mesmo nos seus próprios termos, aos debates dos séculos pretéritos entre monogenistas e poligenistas. Contudo, as pesquisas edificadas sobre a repartição geográfica e a análise multi-variada dos caracteres, sobre a biologia molecular e a genética das populações, tornaram caducas as classificações raciais da antropologia clássica. Além de uma abordagem descritiva e hierárquica das raças humanas, o campo de reflexão se deslocou da especulação teológica para a investigação de campo e de laboratório.

E, à guisa de remate assertivo, com efeito, discrepâncias permanecem actualmente entre a paleontologia humana e a genética das populações, identicamente, aliás, no interior de cada uma destas disciplinas, quanto à questão da origem da diversidade humana actual. Todavia, a despeito das suas peculiares e sui generis dificuldades e das divergências, estas disciplinas se envidam em colocar, separadamente ou conjuntamente, a questão da origem da diversidade das populações humanas actuais e reconstruir a complexa rede dos seus itinerários respectivos e, outrossim e, ainda da sua história. Enfim, dos apropriados debates e confrontações poderão quiçá resultar, em breve, conclusões comuns, ao mesmo tempo, ideologicamente críticas e cientificamente informadas.

Lisboa, 02 Maio de 2009
KWAME KONDÉ
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