sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

KWAME KONDÉ

INTERVENÇÃO DÉCIMA SÉTIMA:

O termo guerrilha é um lexema oriundo do vocábulo espanhol guerrilha (1820), se assume, grosso modo, como definição: guerra de prosélitos/guerrilheiros, por intermédio de embuscadas e importunação.
Por seu turno, guerrilheiro é todo o indivíduo/combatente que pertence à uma guerrilha.

Trata-se, efectivamente, de um processo de luta armada caracterizada por acções descontínuas de combate, embuscadas ou golpes de mão, utilizado por unidades regulares ou por guerrilheiros, contra os exércitos adversários. As finalidades deste tipo de luta são, concomitantemente políticas e estratégicas, pois que, por um lado, pretende-se através de grande propaganda política (clandestina) organizar a população contra as forças adversárias; por outro, por intermédio, de acções militares, destruir toda a infra-estrutura militar, administrativa e económica inimiga.
De feito, não possuindo poderio militar que possibilite uma confrontação directa com as forças inimigas, os guerrilheiros remetem-se a acções de pormenor que podem preparar minuciosamente, ganhando, deste modo, alguma superioridade local. Eis porque, os ataques são normalmente dirigidos de surpresa e contra objectivos de débil capacidade de reacção. Demais, para poder subsistir, minimamente a guerrilha necessita de várias condições, designadamente, o apoio das populações locais, da débil implantação militar e administrativa adversária e condições naturais de terreno, assaz favoráveis.

(a) Não há dúvida nenhuma, que a guerra de tipo “guerrilha” se desenvolve, de facto, muito, muito mesmo, antes do advento deste termo/lexema/vocábulo, que a denomina usualmente, desde a famigerada insurreição espanhola contra a ocupação napoleónica (1804-1814).
Trata-se de uma técnica, tão vetusta e prístina, como aliás, a própria história da Humanidade, baseada na mobilidade e na surpresa, conduzida por combatentes irregulares, procurando importunar um exército regular: Este modelo de conflito aparece testemunhada na Bíblia (Josué e, sobretudo Judas Macabéu), nos historiadores latinos (Tito Lívio, Tácito, Salústio, Ápio), outrossim, porém, na história e ficção chinesas (Os Três reinos, À beira da água).
De anotar, que, na verdade e, na realidade, nenhum tratado foi publicado sobre a guerra de guerrilha antes do término do Século XVIII, salvo a célebre e significativa excepção, estamos, obviamente a referir ao De velatione, cuja a autoria respectiva é atribuída ao Imperador Bizantino Nicéforo Phocas, dado a lume no remoto e longínquo século X.

(b) No atinente as causas que estiveram na origem da maior parte das Guerrilhas, temos a referir as seguintes:
Insurreições provocadas por uma invasão estrangeira, designadamente aquando da constituição de impérios (romano, otomano, napoleónico, coloniais);
Rebeliões Camponesas contra a autoridade;
Conflitos Religiosos.
Enquanto fenómeno, a guerrilha assume uma importância nova, entre o último quartel do século XVIII e o início do século XIX, principalmente durante a guerra de Independência americana (Marion, Sumter) e, sobretudo, outrossim e, ainda, durante a Revolução francesa e as Guerras napoleónicas: Vendée, Espanha, Tirol (Andréas Hofer), Rússia (a guerra de prosélitos/guerrilheiros durante a retirada do Grande Exército, em 1812).
Vale a pena assinalar, que é durante este período que floresce, naturalmente, a maior parte da Literatura, no âmbito da guerrilha, cujo os principais autores são, especificamente alemães ou franceses.
De elucidar, por outro, que o essencial desta Literatura debruça sobre a utilização das tropas ligeiras, cuja a acção se agrega ao do grosso e principal das forças, como é ocaso, aquando da Revolução Americana ou da Retirada da Rússia. Conquanto, utilize as técnicas da guerrilha, trata-se de forças de mero contributo. Em contrapartida, com as insurreições camponesas de Vendée, do Tirol e de Espanha, se se situa, num esquema clássico de guerrilha.

(c) No âmbito desta perspectiva, se afigura pertinente e oportuno, trazer, por razões óbvias, à colação as ideias oriundas da lavra do general alemão, Karl Von CLAUSEWITZ (1780-1831), que lutou contra Napoleão, criador, outrossim, da Academia de Guerra de Berlim e, através da sua obra, Von Kriege (Acerca da Guerra) e revolucionou a arte da guerra, pois que, a sua concepção da “Guerra total”, segundo a qual a guerra é uma continuação da política por outros meios, ideia que está, outrossim, na base da estratégia da revolução tão usada no século XX pretérito. Como dizíamos, com efeito, no capítulo 26 do livro 6 da sua famigerada obra, Acerca da Guerra, consagra algumas páginas penetrantes acerca deste fenómeno. Assim, em 1810 e 1811, ministra, na Academia militar de Berlim, um curso consagrado ao que denomina kleiner krieg, por outras palavras, para melhor dizer, aliás, a “pequena guerra”, que é a tradução literal (à letra, palavra por palavra) de guerrilha. Assinala, outrossim, que este tipo de técnica é fundamentalmente um complemento ao papel essencial das forças armadas regulares.

(d) De referir, todavia, que à partir do segundo quartel do século XIX, na Europa, a atenção se dirige contudo para as insurreições urbanas, que o exército, na Inglaterra como em França, se encarregou de reprimir. Em 1848, estes levantamentos agitam e sublevam o Continente, no seu todo. Eis porque, a Comuna de Paris, em 1871 aparecerá para alguns, como Marx e Engels anunciadora de uma Era Nova. Enfim, outrossim, de anotar, que guerrilhas emergem aquando da grande expansão imperial da Europa Ocidental, sendo, por sua vez, o seu estudo, sobretudo pragmático, antes de tudo e, em primeiro lugar, elaborado sob o ângulo da contra-insurreição.
(e) Não deixa de ser percuciente consignar que, enquanto a América Latina, à excepção de Cuba e de Porto Rico, acedeu à Independência, os Conflitos coloniais se desenrolam na Ásia e bem assim, em África.

(f) Destarte, os Franceses estão directamente envolvidos nos Acontecimentos/Eventos que tiveram lugar na Algéria, no Senegal, no Sudão (nome outorgado outrora ao oeste africano da Somália), no Vietname, no Oeste africano costeiro e em Madagáscar. E, no atinente aos Britânicos é à questão que se prende com o Afeganistão, a Índia, a Birmânia, a Somália, o Sudão, a África austral, ou ainda, a Nova Zelândia...em que se encontram empenhados…

(g) Com tropas reduzidas em número, porém superiores em disciplina e em armamento, sobretudo, após 1870, as potências europeias subjugam a África, no seu todo, assim como, uma muito importante parte da Ásia Meridional e Central. Por seu turno, os Estados Unidos da América, cujo o território se ampliou em detrimento do México, a conquista da Hinterlândia só termina, entre o término da Guerra de Secessão e 1890, onde as derradeiras tribos indianas são completamente dizimadas.

(h) Enfim e, em suma: Não há dúvida nenhuma, que o espírito do tempo reflecte o sentimento de superioridade dos que pensam que unicamente os mais dotados sobrevivem e dominam. É, efectivamente, quase, pouco mais ou menos, o que populariza, de modo pseudo-científico, o darwinismo social. Finalmente, na verdade, os europeus pensam ter por missão propalar e difundir a civilização, sem quê nem porquê! Hélas!...

Lisboa, 09 Janeiro 2009.
KWAME KONDÉ