terça-feira, 2 de outubro de 2007

NARCISO AO ESPELHO

António Lobo Antunes afirmou, nesta entrevista à revista Visão, o seguinte:

«Não tenho a menor dúvida de que não há, na língua portuguesa, quem me chegue aos calcanhares.»

Independentemente de ser verdade ou não ― para mim, não é verdade ― devo dizer que eu, pessoalmente, não gosto de ler Lobo Antunes. O erro será com certeza meu, eu sei; mas não gosto. Contudo declaro: já o li, leio e lerei. Isto para que se não pense que laboro em preconceitos.

Acho, por exemplo, Camilo Castelo Branco, de longe, melhor escritor que Lobo Antunes; e neste caso até posso fazer minhas as palavras de Lobo Antunes: Não tenho a menor dúvida de que Lobo Antunes, no que à língua portuguesa diz respeito, não chega aos calcanhares de Camilo. E já agora de Agustina Bessa-Luís, de Eça de Queirós, de Fernando Pessoa e de outros mais.

Eu nem compreendo muito bem como é que Lobo Antunes, como psiquiatra (não praticante) que é, se permitiu auto-avaliar em matéria tão subjectiva ― sim, porque o domínio de uma língua não é apenas matéria técnica; e de técnica, por sinal, Lobo Antunes não tem muita (compare-se-o a Umberto Eco, por exemplo, e fique-se com essa certeza) ― tendo-se auto-destacado de tal forma que os outros escritores da língua portuguesa, na sua avaliação, ficam longe do seu calcanhar narcísico. É que até o vulgo sabe que ninguém é juiz em causa própria; e Lobo Antunes sabe-o ainda melhor; até porque, como psiquiatra que é, sabe que a última pessoa cuja obra ele será capaz de avaliar com imparcialidade é ele mesmo.

Enfim, deve-se talvez tomar a afirmação de Lobo Antunes apenas como uma provocação.