CORREIA DE CAMPOS
Isto da saúde, ou do ministério, ou dos médicos, é coisa bem mais complicada!
Tudo terá agravado após a descolonização.
Com o regresso dos militares, Portugal viu-se a braços com uma boa quantidade de médicos (se não me engano, durante a guerra era necessário 1 médico por cada 30 militares) em risco de desemprego.
E aí instituiu-se números clausus nas faculdades... para não piorar a situação. Diga-se de passagem que não eram alheios, TAMBEM, os interesses de pequenos agregados de tubarões da arte médica (que tubarões sempre houve em todas as artes! Ou Hipócrates foi algum santo?).
Atitude lógica, não fora a pequena desatenção entretanto ocorrida: em saúde, como em qualquer outra área das RES PUBLICA as previsões têm de ser feitas a 10/15 anos; esqueceram-se pois os homens e mulheres eleitos para a governação que à medida que a população envelhecia, nessa mesma população, um pequeno núcleo também envelhecia - o núcleo dos médicos!
Estávamos na década de 80, com grandes áreas do país sem assistência médica, o serviço médico à periferia iniciara o levantamento do país.
E aí, ainda, iniciou-se o que se chamou a colocação de especialistas nos hospitais distritais.
E continuava a haver excedente médico, pois que estavam a sair das faculdades os que tinham entrado antes de 1974 ( as últimas fornadas de grande número de médicos). Aproveitou-se a modernização e criou-se a carreira de médicos de família - que à semelhança de outros países europeus, iniciavam os cuidados primários de saúde.
Passemos à década de 90, em que os médicos distribuídos pelo país, eram muitos, e um risco potencial (isto de entrar pelo íntimo da vida alheia por vezes traz alguns revezes à RES PUBLICA! E os médicos já tinham feito história - por exemplo, a primeira greve médica foi de zelo, em 1970! Gente sadia, com garra e alma.).
Seria necessário apaziguar alguns sinais de protesto?
Surge então, por volta dessa época, o melhor ministro da saúde! Um ministro da saúde não tem de saber se o sangue tem HIV!!!!! Um ministro da saúde tem de governar. E pode-se governar... dividindo (antiquíssima lição): médicos com 42 horas e médicos com 35 horas de serviço semanais, na mesma instituição! Os primeiros a ganhar à hora mais 50% do que os segundos, em vez de ganharem mais sete horas por semana (os primeiros, os “sacrificados à causa pública a dizerem que os segundos viviam da promiscuidade entre o público e o privado; e os segundos a verem os primeiros a sair do serviço mais cedo!........)
É a classe finalmente dividida. Tão eficaz a medida que ainda hoje estão, cada um para seu lado, em silêncio. Convivendo sadiamente...
E o tempo que corre é de economia liberal! Chamaram-lhe por exemplo a ...terceira via! Mas a terceira via é como o sol: quando nasce... nasce para médicos, para governantes. Não sei se nasce para a “populaça”, mas isso é música celestial, diria Dante. Nasce até para doentes!
Que isto da política, agora só faz correr a tinta que nós deixarmos: Mas deixamos! Soezes panos de fundo nos encobrem.
Também já todos sabemos (a democracia é jovem, mas não tanto como a pintam. Já começa a nevar no cabelo de cada um de nós) que os governos caiem pela saúde ou pela educação, verdadeiras pedras angulares.
E a boa (ou menos boa) prática médica começou a alastrar como uma mancha de nafta. Como tantas outras manchas de nafta em outros sectores. Sem controle, à boa maneira portuguesa. Organizações da classe a defender o indefensável. O desatino completo.
E todos (médicos, doentes e governantes) trazem uma história para contar. Pelo caminho ficam imensas histórias... incontáveis!
Até se descobrir que o que até então fora bom, o médico funcionário público, chegara a um ponto sem recuo : nem doentes, nem governos, nem médicos, nem organizações, sabiam onde tinham perdido o pé, e o tempo de todos nós. O tempo do país, essa coisa esboroada por entre os dedos de todos. O médico funcionário público deixara de funcionar!
O médico funcionário público não funciona, senhores! Mas não funciona como tantos outros funcionários públicos! Só que aqui não é papel, certidão, ou outro fruto. Aqui o fruto chama-se minha pele e tua pele.
E para essa minha pele, preciso de algum solteiro disposto a morrer!
Não que este solteiro venha sem mácula! Ele também a traz. E não venho defendê-lo.
Mas tenho por mim que neste país, quando se tenta gerir alguém ou alguma coisa, só encontramos multidões de lusitanos, de um e outro lado! Eles não governam nem deixam governar!
MCPC
(Leitora devidamente identificada)