domingo, 4 de fevereiro de 2007

EU VOTO “SIM”

Por motivos que agora não interessam,tenho sido solicitado a dar a minha opinião (se quiserem, a minha resposta) à pergunta do referendo sobre a alteração da lei do aborto.

E não me escuso a resumir o que penso sobre este assunto.

Sob os pontos de vista social e profissional, voto SIM. Sob o ponto de vista político, votaria (se pudesse) NÃO.

Não vou sequer tentar explicar detalhadamente porque voto SIM. O argumentário seria longo, com partes técnicas fastidiosas e pouco compreensíveis para o cidadão comum.

Digo apenas que acho a questão mais do foro íntimo das pessoas do que pertença colectiva sujeita à razão ponderada que exigiria a cada um de nós complexas elucubrações ideológicas, filosóficas, científicas, religiosas, etc., antes de uma tomada de posição ― coisa que a grandíssima maioria dos eleitores não tem capacidade para fazer.

Por isso penso, até, que se deveria evitar “esclarecer” as pessoas. Dito por outras palavras: penso que se deveria evitar tentar convencer este ou aquele a votar num sentido ou no outro, deixando antes à consciência ou inconsciência de cada um a tomada da decisão do seu voto.

E aqui aponto todos os dedos à retrógrada Igreja Católica, parasita social e factor de subdesenvolvimento dos povos modernos, por ter sido ela a dar o pontapé de saída para esta luta de galos a que se vem assistindo, em que os argumentos são os mais falaciosos e descabidos que se pode imaginar, e em que até a execução de Saddam já serviu como arma de arremesso.

Mas explico porque votaria NÃO: pelo simples facto de não compreender como é que um Governo que com argumentos economicistas condena uma população inteira à penúria de cuidados de saúde essenciais ao seu bem-estar, saúde e sobrevivência como ser humano, admite pagar integralmente 25.000 abortos por ano, abortos em que uma grande parte será feita a pedido, como método anticoncepcional (pós-concepcional, melhor dizendo).

Acho isso simplesmente absurdo. Mas, como primeiro voto SIM, não posso votar também NÃO porque senão anularia o meu voto.

Não falei no assunto até agora porque achei, desde o início, que a discussão foi levada para o campo da disputa partidária, de facção ou de grupo, numa como que espécie de clubismo em que predominam as emoções e os falsos argumentos, por culpa de um povo pouco ou nada informado, imbuído de fantasmas que lhe são transmitidos por igrejas ou religiões retrógradas, ou grupos políticos ou politizados supostamente esclarecidos mas agindo mais na base do combate das ideias e das posições dos adversários, do que em explicar as suas próprias ideias, estando todos fundamentalmente interessados no mesmo: ganhar votos para um lado ou para o outro, independentemente de saber se quem vota vota em consciência ou não.

Agora o argumento que eu mais abomino é o daqueles que se dizem “pró-vida”; dos que se dizem "a favor da vida”.

Sem saberem definir o que é a vida, definição que, por sinal, ninguém infelizmente tem de forma definitiva, inquinam todo o debate com palavras como “assassínio” e “morte”, chamando “criança” a um ovo composto de duas células (o espermatozóide e o óvulo), enfim: um chorrilho de asneiras e patranhas que fazem inveja aos inquisidores de antanho.

Se para a Ciência, Vida é fundamentalmente movimento da matéria e movimento na matéria, «o começo da vida» ― frase tão ouvida e quase sempre mal discutida em vários fóruns ― ter-se-á dado com o aparecimento da matéria. Isto é, a vida começou e existe desde sempre. Qualquer vida existe desde sempre. Sob outras formas de vida, é certo, mas vida à mesma. A parte de uma molécula do braço de um bebé (vivo) já era vida sob a forma da planta, do animal (vaca, porco ou galinha), ião ou catião que a mãe desse bebé comeu ou bebeu e se transformou em parte do braço dele. E antes disso mesmo, há milhões e milhões de anos, já era Vida sob outra forma qualquer.

E se se fala de morte como cessação de uma forma de vida, como passagem de uma forma de vida para outra forma de vida, então os pró-vida terão que admitir que eles próprios têm uma existência indigna de ser vivida uma vez que são fruto de um infinito número de mortes e assassinatos, só continuando ainda vivos graças a um holocausto gigantesco a que a sua existência obriga a sociedade e a Natureza.

É por tudo isto que eu voto SIM.