domingo, 16 de julho de 2006

CASSANDRA VOLTA À LIÇA

Colho, desta posta no Abrupto, em que o autor analisa uma exposição da pintura de José Cândido Dominguez Alvarez, na Fundação Calouste Gulbenkian, a seguinte conclusão expressa (sublinhados da minha responsabilidade):

«A pintura de Alvarez não é ingénua é metafísica. Aqueles homenzinhos patéticos, reduzidos a símbolos torturados ou hirtos são os homens do século XX, mais números do que homens, mais ícones do que homens, mais vírgulas e pontos numa paisagem do que coisas que agem. Por isso, volto a Kafka, porque foi Kafka que primeiro nos mostrou que os homens do século XX iriam ser assim, andando como John Cleese com passos de "silly walk", no meio de uma burocracia que lhes retira individualidade e poder

Ao ler isto, penso: esta constatação conclusão afirmação do Abrupto é intrigante. E é intrigante porque: se Pacheco está convicto de que «os homens do século XX são assim»; mas Pacheco tem vindo a condenar todos aqueles portugueses que, não usando (no seu entender) uma calculadora, têm gasto o que ganham, em prol do seu bem-estar: em viagens turísticas, festas, restaurantes, carros e roupas de marca; então o que Pacheco quer para os portugueses é o puro refinamento da sua condição de «homenzinhos patéticos, reduzidos a símbolos torturados ou hirtos», pessoas sem «individualidade e poder».

É que a mim me parece que não há muito por onde retirar outra conclusão diferente. Tanto mais que, como é sabido, não é apanágio das grandes massas a dedicação a uma vida de grande actividade intelectual ou então ao enriquecimento interior através do retiro, da meditação e da contemplação.

No meu entender Pacheco está a passar agora por aquilo a que estão condenados todos aqueles que falam de tudo o tempo todo: falam, falam, falam, até que, às tantas, já não conseguem sindicar o que disseram e escreveram no passado, defendendo hoje aquilo que ontem condenavam com veemência.

Lembramo-nos bem que Pacheco fez uma viagem da esquerda radical para o centro-direita – do MRPP para o PSD –; e sabemos bem que, desde há já dois bons pares de anos, Pacheco tem andado entre o centro-esquerda (nos tempos dos governos Barroso e Lopes) e a direita liberal (agora neste tempo do governo Sócrates). Talvez esteja aqui a fonte da contradição revelada.

Mas que se trata de contradição – lá isso é verdade.

De uma posição, no passado, de aposta nos valores da sociedade portuguesa para superação de desafios vários, rumo a um futuro promissor (tempos do MRPP), temos agora a visão catastrofista da actual sociedade portuguesa.

E pergunta-se: o que é que mudou mais de então para cá? O País ou Pacheco Pereira?

Numa só coisa podemos concordar (numa coisa muito pequena) com Pacheco: uma parte dos homens das grandes cidades e da sua cintura industrial serão, de alguma forma (mas só parcialmente), «homens do século XX»; os restantes habitantes, a grande maioria dos portugueses, felizmente, não entra nesse barco. E talvez seja por isso mesmo que Pacheco os crítica negando-lhes a liberdade de festejarem a vida e se divertirem, pois não se enquadram nas fronteiras definidas pelo Liberalismo de Pacheco.