sexta-feira, 21 de abril de 2006

VÊM AÍ OS “VELHÕES”

OU UM GOLFINHO NA CAPOEIRA
Quando os políticos dizem alguma coisa; quando os governantes dizem alguma coisa; é preciso saber ler muito para além do significado das palavras para se saber o que querem dizer. É preciso não se ser ingénuo.

Tenha-se em atenção o seguinte: a propaganda deste Governo parece ser feita por uma central competente de grandes especialistas em marketing e publicidade. Central de tal maneira competente que é capaz de nos convencer a levar para casa, comprado com o dinheiro que não temos, um golfinho verdadeiro para colocarmos na piscina que para o efeito devíamos ter mas também não temos.

É disso que se trata quando nos vêm falar dos extremos, carinhosos e luxuosos cuidados de saúde que pretendem oferecer aos nossos queridos velhinhos tão abandonados, coitadinhos, pelas suas famílias.

Embora nos estejam a falar no «aumento das camas hospitalares destinadas a este tipo de pacientes, no aumento das equipas de centros de saúde que prestam apoio domiciliário e numa maior ligação entre os hospitais e as instituições de apoio social, como lares e centros de dia» o que parece pretender-se verdadeiramente é privilegiar estes últimos aspectos: os lares e os centros de dia. Porque se poupará muito dinheiro aliviando os hospitais desse tipo de doentes. Doentes que não terão nos “velhões” a mesma qualidade, e muito menos a mesma assiduidade de tratamento que têm nos hospitais.

Trocado por miúdos, o que o Governo (com ou sem intenção) vai acabar por fazer com a criação dos tão propalados “cuidados continuados” é aumentar o número de armazéns para velhos (acabará por criar “velhões” à moda dos vidrões), armazéns onde se depositará os velhos para que estes não ocupem camas hospitalares que são muito caras de manter quando ocupadas pelos mesmos doentes, sobretudo quando esses doentes são pessoas definitivamente acamadas e “ameaçam” fazer ocupações longas - quiçá até à morte.

Concordo plenamente que as camas hospitalares sejam destinadas a doentes com possibilidades de recuperação a curto, médio prazo. É que também me saem do bolso as ocupações de longo prazo, confesso.

Mas não creio que os privados que exploram os lares tenham a virtude de dar uma assistência mesmo que apenas sofrível aos inúmeros doentes crónicos e idosos que lhes serão postos nas mãos quando se criarem os tais “velhões”. A lógica do lucro falará mais alto. O que é normal e não é condenável. Condenável é que se tomem decisões que permitam que tal lógica venha a vingar nos cuidados que é suposto prestar-se aos velhinhos - como se se estivesse a dar a estes o melhor dos mundos para os seus últimos dias.

Vai aumentar, com toda a certeza, o sofrimento dos doentes crónicos acamados e dos doentes terminais. Disso não se tenha a menor dúvida.

E era bom que você que me lê também as não tenha. Porque se tiver a desdita de chegar a velho e não tiver familiares que tratem de si – estará tramado, meu caro. Passará as passas do Algarve antes de morrer. E se forem só as do Algarve até me quer parecer que terá muita sorte.

Reeditado às 6:53 AM de 22 de Abril de 2006