sábado, 12 de novembro de 2005

BOM DIA

NEM TUDO É MAU NA AMÉRICA

Para além da proverbial liberdade sexual das pródigas teenagers americanas, e da sólida e séria organização comercial – na América pode-se comprar de tudo, de olhos fechados, pois, o consumidor está protegido contra todas as possibilidades de fraudes e outras circunstâncias que o podem lesar – para além disso, dizíamos, a América é uma terra de bons escritores, de intelectuais de mentes desempoeiradas, com boas bases culturais, e nada deprimidos (excepção feita a Woody Allen) que, com alguma frequência, nos brindam com livros interessantíssimos e de fácil leitura (coisa um pouco difícil de encontrar aqui deste lado do Atlântico), livros que nos dispõem bem e nos fazem levar a vida com um sorriso nos lábios e, até, a pecar sem remorsos de qualquer espécie. Tal é a escrita de Anthony Bourdin.

Bem, talvez a escrita nem seja dele. Anthony Bourdin é um renomado cozinheiro nova-iorquino que poderá muito bem ter recorrido a algum dos muitos escritores desempregados e sem nome que pululam na América para o ajudar a escrever o livro que estou a ler. Mas, para o caso tanto faz, pois, o que estamos aqui a elogiar é a qualidade dos escritores americanos.

Atentemos numa passagem do livro em questão, que aborda de forma aparentemente ligeira e despretensiosa um tema tabu, um “assunto para esquecer” – as cruzadas empreendidas no passado pelas nações católicas contra os povos incréus e os hereges -.

Reza assim:

«Diz-se que os cruzados de antigamente costumavam parar na igreja do mosteiro da sua terra antes de ir para a guerra, onde podiam comprar indulgências. Era uma espécie de cartão de crédito seguro e garantido para o céu, imagino eu, e as negociações eram provavelmente assim:

- Abençoai-me pai, porque vou pecar. Estou disposto a violar, pilhar e desmembrar pelo caminho todo, através da Europa do Sul e Norte de África, pronunciar o nome do Senhor em vão, cometer sodomia com todos e mais alguns, saquear os lugares sagrados do Islão, matar mulheres e crianças e animais, deixando-os em pilhas fumegantes… como também, é claro, divertir-me com as habituais brincadeiras militares de tirar olhos, desmembrar inocentes, atirar os cães a um urso acorrentado e pegar fogo ao que calhar. Dada esta lista de pecados, padre, quanto é que me vai custar?

- Terá de ser um novo tecto para a sacristia, meu filho, talvez alguns tapetes para aqui. Ouvi dizer que fazem lindos tapetes para onde tu vais… e, digamos, quinze por cento do grosso como dízima?

- Negócio fechado.

- Vai em paz, meu filho.»


Se leu e não gostou, olhe: tome cicuta; ou então, leia o último Saramago.
Em alternativa, venha a Lisboa e faça um mergulho da Ponte 25 de Abril.