terça-feira, 28 de dezembro de 2004
A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA
Naquele tempo a luta pela sobrevivência era bem mais dura que nos dias de hoje, e assumia por vezes aspectos de todo em todo chocantes no contexto histórico em que tinha lugar - como no caso aqui retratado, datado da década de sessenta do século XX.
Durante décadas e décadas, nas praias da ilha do Fogo, à hora da chegada dos pequeninos botes de pesca, lá estava sempre um magote de crianças com idades entre os dez e os catorze anos, cujas, depois de ajudarem a arrastar o bote para areia seca, disputavam entre si, arduamente, o transporte do atum e da serra, à cabeça, desde a praia até ao mercado do peixe (uma longa e dura caminhada ao sol), subindo a íngreme estrada de Fonte Vila, de chão de basalto escaldante, ou palmilhando os quatro quilómetros da estrada da Praia de Nossa Senhora.
E todo esse trabalho para receberem o quê como pagamento?
Para receberem o suã do peixe transportado e garantirem assim que à noitinha haveria lá em casa uns fiapos de peixe na catchupa da única refeição do dia.
Para quem não sabe, suã de peixe é o esqueleto, a espinha, que resta depois de separada a cabeça do animal e cortados rente à espinha os dois filetes do mesmo.
Convenhamos que o heroísmo de um povo se constrói de milhentas formas, algumas quase impensáveis para o tempo em que ocorreram.