(1)
Se transportarmos (presentemente), a nossa atenção sobre a Teoria da raça, LOCKE
(nos parece), desfraldar a
mesma estratégia de alternância e de alteração recíproca dos regímenes de
pensamento.
(2)
Com efeito, a estrutura racista da sociedade
americana, como numerosas outras sociedades ocidentais, é (de feito), uma realidade incontornável (que revela), todo (em conjunto), a influência
das relações sociais. A tarefa
que incumbe (desde então) ao intelectual Negro não poderia se limitar à denunciar nem à
desconstrução do racismo. Trata-se (mais
concretamente), de favorecer a evolução das mentalidades e precipitar (destarte), a abolição de certas e determinadas
práticas e (ao mesmo tempo),
desenvolver uma nova lógica social.
(3)
Eis porque (et pour cause), o primeiro esforço de LOCKE vai
consistir (de modo correto, evidentemente),
em refutar
as concepções dominantes e (designadamente), as diversas teorias racistas que apreendem a raça como uma realidade (fundamentalmente), biológica e que lhe atribuem (aliás),
características
psicológicas e mentais (resolutamente),
fixas e invariáveis. Na verdade, no pensamento do escritor e diplomata francês,
Joseph
Arthur, conde de GOBINEAU (1816-1882), o Spencerismo social e as outras teorias racistas que dominam na época,
no âmbito das Ciências Humanas e da Biblioteca colonial, o pensador Afro-americano pode (facilmente), reconhecer a marca/cunho do regime dominante. Na sua
lógica reedificante e na sua obsessão da
permanência ou da hierarquia, este último interfere (com efeito), com o regime turbulento e a sua afirmação de um
estrito paralelismo entre o corpo e o espírito.
(4)
Perante os preconceitos racistas e pseudo
científicos, Antropólogos, como o americano, Franz BOAS (1858-1942),
ou o seu discípulo, MELVILLE HERSKOVITS (1895-1963), empreenderam (por certo), desembaraçar o Naturalismo da invariabilidade e da
hierarquia dos tipos Humanos (BOAS...). Nesta perspectiva, os utensílios
da Antropometria lhes serviam (sobretudo), para demonstrar relevantes
mudanças físicas sobrevindas de
uma geração à outra entre os imigrantes
ou os Negros dos Estados Unidos. No âmbito da estrita lógica do paralelismo,
mudanças mentais e desenvolvimentos
intelectuais tornavam-se (então),
quão possíveis como plausíveis.
(5)
Se (ele), se aferra (ele mesmo), no regime turbulento, com as
suas preocupações genéticas e a sua
insistência sobre a ação recíproca,
LOCKE
adopta uma estratégia bem
dissemelhante de BOAS. Ele já
não defende (com efeito), a tese
de um estrito paralelismo entre corpo e espírito. Sim (ele) argumenta (ao invés), a favor de uma ruptura
fundamental entre os traços fisiológicos e as aptidões mentais, psicológicas,
intelectuais
(LOCKE...). Lá ainda (ele) permanece fiel aos ensinamentos
de Henri BERGSON que tinha defendido, em “Matière et Mémoire” (1896). Um necessário dualismo entre o
corpo e o espírito. No entanto, o pensador Negro americano vai mais
longe: Enquanto BOAS e HERSKOVITS especificam, através das medidas antropométricas, que “diferenças
raciais” existiam de um grupo ou de uma geração para outra, LOCKE
visa (sobretudo), determinar
as fontes
(tão pouco), diferenças
ou desigualdades, mas sim, iniquidades e discriminações, no âmbito da vida social (LOCKE...).
(6)
De sublinhar (antes de mais), que a Antropologia e a Psicologia Sociais lhe
servem (antes de tudo e em primeiro lugar),
para explicar diversas formas de interação (dominação e subordinação, segregação,
conflito, cruzamento de círculos sociais...). LOCKE analisa (em seguida), as práticas e as teorias racistas,
relacionando-as com causas históricas, materialistas e psicológicas. As hierarquias
raciais aparecem (sempre), na História, como a cristalização de estatutos diferenciados e como a racionalização de uma vontade de
poder (LOCKE...). Por conseguinte, nem a demonstração científica dos
erros do racismo, nem a dialéctica materialista da luta de classes não bastam
para erradicar esta prática social. Com efeito, o sentimento racial encontra (identicamente),
a sua fonte no sentimento de
parentesco (Kinship feeling),
“base antropológica de toda organização social”: Para ser apenas uma “ficção
étnica”, este último não resta nisso
menos muito pejado no imaginário social. “As classes económicas podem por conseguinte ser absorvidas, as nossas castas psicológicas não serão
nisso dissolvidas por essa razão” (LOCKE...).
(7)
LOCKE condena (de facto), sem ambiguidades, as derivas sectárias do sentimento racial, mas (ele), se reserva bem de rejeitar
todo “racionalismo”, por essa razão. El sublinha (com efeito), várias vezes seguidas, que o sentimento de pertença à uma Comunidade (histórica e culturalmente dada), pode (outrossim), gerar efeitos positivos e
criadores, designadamente, em situação de dominação (LOCKE...).
Ele sabe (destarte), reconhecer, à semelhança de DU BOIS, “Une avancée”,
no âmbito da diferenciação simétrica e da afirmação do Si, a qual permite transgredir (utilmente), a “fronteira” psicológica e sociológica entre os dominantes
e os dominados (LOCKE, 1942?) Descobre-se, neste instante, na sua obra, um enunciado
muito lúcido dos efeitos patogénicos da esquimogénese sobre as psiques
individuais e colectivas.
(8)
Com efeito (et pour cause), do lado das maiorias dominantes, a aprendizagem
precoce do preconceito racista (e isto a
despeito das tendências naturais da criança, LOCKE, 1942?), pode dar
lugar à diversas aberrações
comportamentais, tal como a persecução
violenta em contextos de interação complementar (é a prática do “bode
expiatório”), ou a paranoia agressiva e a histeria colectiva
nos contextos de interação simétrica. Ou seja: É a obsessão (ideia fixa)
da violação
e da mestiçagem, ou (mais amplamente), o medo do “perigo racial” (Ibid.). E, por sua vez, do lado das
minorias dominadas, se reencontra (não
unicamente), todas estas “Psicopatologias”
imitadas da maioria (LOCKE, 1942?), mas se pode (ainda), descobrir nevroses singulares (tais como o ódio de si, o desespero, a “dupla consciência” descrita por DU BOIS).
(9)
LOCKE corrobora (destarte), o modelo esquimogenético de BATESON,
mas o transformando. Se (ele) confirma, como DU
BOIS, uma predominância da diferenciação complementar, no
âmbito das “relações entre os Negros e os
Brancos” (BATESON...), o filósofo se recusa a encarar uma especialização dos dois grupos nas suas atitudes respectivas, para empalhar as derivas induzidas pelo regime
dominante (que favorece), o
ativismo e o nacionalismo cultural da comunidade negra americana (ele)
escolheu (por conseguinte), sistematizar
as dinâmicas sociais (relevadas
pelo regime turbulento), no entanto, as articulando, numa perspectiva
idealista.
(10)
Já agora, de anotar, que Georg SIMMEL fazia (por exemplo), da “fidelidade” uma das formas (a priori), da socialização, enquanto esta última se concebia (fundamentalmente),
segundo o princípio da ação recíproca (Wechselwirkung). LOCKE propõe optimizar este afecto social num
princípio à fim universal, à maneira da Lei moral em KANT, enquanto (ele) escolheu privilegiar as interações esteadas numa verdadeira reciprocidade.
(11)
Não deixa de ser (assaz), relevante, sublinhar,
que o lealismo (ou a dedicação voluntária de um indivíduo à causa supra-pessoal que
escolheu), representa (por certo),
um potencial
perigo. “Os lealismos em conflito
podem suscitar perturbações sociais de natureza geral pelo facto que o lealismo
é bom para as pessoas”, não basta para decidir qual das causas é justa,
quando diversas causas se opõem umas às outras”, sublinhava (com efeito), o
filósofo americano, JOSIAH ROYCE (1855-1916), um dos “Maître à penser” de LOCKE em HAVARD (ROYCE,
1946?). Este filósofo americano instituía (por
conseguinte), no interior do lealismo, um princípio de regulação:
Tratava-se de “determinar o meu lealismo, pelo menos, em certa medida, pela
consideração do bem e do mal reais que a causa que me é proposta faz a
humanidade” e visando com isso,
mesmo à isto “que ele tenha no futuro
mais lealismo no Mundo antes que menos”, LOCKE reata por conta própria este princípio de um “lealismo para com o lealismo” (LOCKE...),
que reconduz (de facto), o gesto
típico (teleológico e reflexivo)
do idealismo,
em que a estrutura intencional constitui o seu próprio fim (enquanto o fim constitui o meio).
Todavia, esta reapropriação de um dos hábitos conceptuais maiores do regime dominante
é posta ao serviço de uma preocupação (toda pragmática), para os efeitos positivos de uma tal atitude, no âmbito das interações
sociais.
(12)
Na verdade, no seu modo de pensar intelectual, como (outrossim), na sua defesa de
um nacionalismo cultural aberto sobre os outros, LOCKE antecipa (por conseguinte), esta concepção
singular do universal que AIMÉ CÉSAIRE (1913-20 ), defenderá, em 1956, na sua famigerada:
“Lettre à Maurice THOREZ”: Ou seja: “Aucunne doctrine ne vaut que repensée par
nous, que repensée pour nous, que convertie à nous (...) Provincialisme? Non pas. Je ne m’enterre pas dans
un particularisme étroit. Mais je ne veux pas me perdre non plus dans un universalisme décharné.
Il y a deux manières de se perdre: par ségrégation murée dans le particulier ou
par dilution dans “universel”. Ma conception de l’universel est celle d’un
universel riche de tout le particulier, riche
de tous les particuliers, approfondissement
et coexistence de tous les particuliers”. (CÉSAIRE In Ngal 1994: 139 & 141).
(13)
A outra estratégia, para evitar as derivas
racialistas, consiste em favorecer as interações de todas espécies. De feito, LOCKE
chega (destarte) à formular, desde 1930, um princípio de “livre troca e de reciprocidade cultural”,
que participa de uma nova lógica de interação social. Donde e daí, em resumo:
“O progresso do mundo moderno exige o que
se poderia denominar a “livre troca
na cultura” e um reconhecimento completo do princípio da reciprocidade
cultural. Os bens culturais, uma vez que evoluíram, já não constituem a propriedade exclusiva da
raça ou do povo onde nasceram. Pertencem
a todos os que os podem utilizar. Está,
por cima, de todos aqueles que podem disso fazer o melhor
uso”. (LOCKE...).
(14)
Enfim e, em suma: Na verdade (et pour cause), LOCKE formula (destarte), o mesmo discernimento que DU BOIS:
Praticar, encorajar, favorecer a reciprocidade no próprio interior de
contextos esquimogenéticos lhe
parece, de modo algum, uma tarefa vã,
mas (eminentemente), necessária (LOCKE...).
É (por conseguinte), esta orientação
(mais qualitativa que
quantitativa), mais distributiva que
cumulativa, que se trata instaurar ou preservar (restaurar ou prosseguir), se (se) pretende paliar os esquemas relacionais clássicos, sejam simétricos ou
complementares.
Lisboa, 09 Junho 2012
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista
--- Cidadão
do Mundo).