quarta-feira, 16 de maio de 2012

(2) Estudo ensaístico Segundo


(2) Estudo ensaístico Segundo

Continuação do Estudo Primeiro...


                                                    (7) Com efeito (et pour cause), as críticas do Renascimento de Harlem” colocaram (frequentemente), em relevo, a influência profunda que exerceu WILLIAM JAMES sobre DU BOIS e LOCKE. Em contrapartida, o impacto que tiveram alguns pensadores europeus sobre as suas reflexões e os seus escritos permanecem (relativamente), menosprezados. Muito mais ainda, enquanto se ouve mesmo sublinhar os seus pontos comuns, se deixa de lado, a forma em que (eles) inflectiram e vincularam (em conjunto), conceitos e disciplinas.
                                                    (8) Explicitando (adequadamente), o arrazoado, acima avançado, temos (então) que:
                                                            --- Vamos principiar esta nossa elocubração, estudando a célebre abertura das Almas do Povo Negro” (1903), obra, em que, DU BOIS define a sua identidade, como “Uma dupla consciência”. Atentemos no seguinte extracto:
                                                            “Entre o outro mundo e eu se insurge perpetuamente uma questão formulada. (...) “Que efeito isto faz ser um problema?”(...) Ser um problema é uma experiência singular-singular mesmo para alguém que jamais foi nada de outro, salvo talvez quando era muito novo, ou quando ele se encontrava na Europa. Foi muito cedo, nos primeiros dias de uma infância à alegria exuberante, que tive a revelação fulgurante. (...) Então me apareceu com uma repentina certeza que eu era diferente dos outros, ou como eles, talvez, no meu coração, na minha vida e nos meus desejos, mas cortado do mundo deles por um imenso véu. (...) O Negro nasceu com um véu e dotado de dupla visão neste mundo americano-um mundo que não lhe concede nenhuma verdadeira consciência de si, mas que, pelo contrário, só o deixa apreender através da revelação do outro mundo. É uma sensação singular, esta consciência desdobrada, este sentimento de constantemente se observar pelos olhos de um outro, medir a sua alma pela vara de um mundo que nos considera como um espetáculo, como um divertimento colorido de piedade desdenhosa. Cada um sente constantemente a sua natureza dupla-um Americano, um Negro; duas almas, dois pensamentos, duas lutas inconciliáveis, dois ideais em guerra num único corpo, que só a sua força inabalável previne rompimento. A história do Negro Americano é a história desta luta-desta aspiração à ser um homem consciente de si mesmo, desta vontade de fundir o seu eu duplo num único eu melhor e mais verdadeiro”. (DU BOIS).

                                                    (9) Tem-se o hábito interpretar (em termos hegelianos), esta “dupla consciência” e a sua vontade de síntese, todavia, se negligencia (com isso), a relevância do “véu” na experiência do desdobramento e, se olvida que (ela) se vê menos como uma antítese que sobre o nosso modo da coexistência.
                                                    (10) E, para compreender o que é a dupla consciência, vale a pena (por conseguinte), estudar (de modo dialecticamente consequente), que conexões DU BOIS entretinha com as teorias psiquiátricas da sua época (em particular), com as análises do conceituado filósofo alemão, GEORG SIMMEL (1858-1918), sobre os constrangimentos da socialização ou de (as), de W. JAMES sobre as perturbações da personalidade.
                                                    (11) De feito (et pour cause), o filósofo alemão, desde 1894, tinha insistido sobre o papel fundamental do “olhar de outrem”, no âmbito das relações sociais. E, para uma melhor elucidação da nossa asserção, nada melhor, que atentar, no seguinte extracto sacado da notável obra, de SIMMEL: “Sociologia: estudo sobre as formas da socialização”.
                                                            “Somos todos fragmentos, não unicamente do homem em geral, mas também de nós próprios. (...) Porém, o olhar do outro completa este aspecto fragmentário para formar o que jamais somos total e unicamente. (...) Ora este princípio atua no interior da Sociedade como o a priori das ações recíprocas suplementares entre os indivíduos. (...) A base vital comum dá nascimento à certas hipóteses através das quais se vê mutuamente como através de um véu. Evidentemente, a singularidade da pessoa não é pura e simplesmente velada, mas na medida em que a sua existência completamente individual, se funda com este a priori numa unidade, este véu lhe dá uma forma nova. Não vemos o outro simplesmente como um indivíduo (...). Por toda a parte, a generalização social vela os traços da realidade (...)-visto que a generalização é sempre, ao mesmo tempo, mais e menos que a individualidade-porém todas estas categorias a priori: O seu tipo humano, a ideia (...) do grupo social ao qual pertence”.
                                                    (12) E, já no atinente à influência de W. JAMES (assaz robusta), junto do qual (aliás), DU BOIS, em Harvard, iniciara os seus estudos, no âmbito da Psicologia empírica em que (ele), num artigo datado de 1890, consagrado às experiências hipnóticas, conduzidas pelo neurólogo e psicólogo Francês, PIERRE JANET (1859-1947), dizíamos, tinha estabelecido a coexistência, em certas pessoas, de várias personalidades situadas em níveis dissemelhantes de consciência. JAMES e JANET distinguiam (destarte), a “Consciência primária”, com certos atributos sensoriais, memoriais e afectivos, de uma “Consciência secundaria”, que possuindo outros, mas permanecia (completamente), dissociada da primeira. E, que, pela transe ou pela hipnose se podia (finalmente), atingir uma Consciência terciária, mais (profundamente), enterrada e que reunia (então), as dissemelhantes personalidades, possuindo todos os atributos. Era necessário admitir, sugeria JAMES, nestes termos: “Em certas pessoas, pelo menos, a totalidade da consciência que nos é possível, pode ser dividida em partes que coexistem, mas que se ignora mutuamente e que se partilham os objetos do saber entre elas e-coisa mais notável ainda-que são complementares”. W. JAMES, In (Essays in Psychology).
                                                    (13) DU BOIS realiza (por conseguinte), uma evidente torsão dos conceitos de véu e de dupla consciência, aplicando-os à sua própria situação e, para além, à de todos os Negros. Todavia, a sua apropriação se torna (por seu turno), paradigmático: A “dupla consciência” e o “véu” tornaram-se conceitos maiores da sua própria Obra, no entanto (eles) circularam e permitiram  (identicamente), à numerosos pensadores (um dos quais, Paul GILROY (n-1956), Professor no London School of Economics, autor da notável obra: The Black Atlantic (1993) e de diversos críticos pós- coloniais), elaborar um novo quadro teórico para analisar os efeitos da dominação cultural.

Contínua (...).

Lisboa, 16 Maio 2012
                                                                                                KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista --- Cidadão do Mundo).