Prática
de ACTUAÇÃO QUINQUAGÉSIMA:
“Ser culto es el único modo de ser libre”
José MARTÍ (1853-1895)
(1)
Fazendo da inovação cultural o elemento
primordial das Sociedades negras do Novo
Mundo, MINTZ e PRICE (1992), não assumem o risco de
ignorar ou de minimizar as condições nas
quais se efetuou o “encontro”. Reintegram (com efeito), a experiência negra americana no universo coercivo das plantações para
insistir no monopólio do poder dos senhores, nas condições de desumanidade/barbárie nas quais estes pretendiam
manter os escravos.
(2)
De anotar (entretanto), por outro, os autores convidam a não minimizar os interstícios,
as transgressões
que fazem que a instituição
jamais foi coagulada/congelada. No interior da estrutura codificada e
rígida da sociedade escravista existiam sectores que davam conta de interações sociais
entre os dissemelhantes blocos. Os autores resgatam
(destarte), “uma figura
esquemática das sociedades profundamente divididas pelos estatutos – ao mesmo
tempo que pelos tipos físicos e mais ainda – mais complicadas pela contínua
interação dos membros dos dois grupos à vários níveis e consoante
dissemelhantes momentos (...), em outros termos, o sistema dos estatutos jamais
deu conta, nem controlou o conjunto das interações específicas entre os
indivíduos”.
(3)
Donde (deste
modo), MINTZ e PRICE postulam a
existência destes lugares incontornáveis (inclusive), no cerne do
empreendimento esclavagista, em que a troca se produz entre dissemelhantes grupos em presença, troca que alimenta a dinâmica
cultural de crioulização, para explicar a lógica da “criatividade”, os
autores sublinham (identicamente),
uma outra dimensão: (a), para as sociedades do Novo
Mundo, de evoluir (continuadamente), numa dinâmica de contactos que predisporia à aceitação da diferença cultural e faria da aptidão para a mudança, uma característica dos sistemas culturais em
presença. É (deste modo), que “no
interior dos estritos limites determinados pelas condições de escravatura, os Africanos-Americanos
aprendem a dar muita importância à inovação e à criatividade
individual”.
(4)
Explicitamente, levado à considerar, nas
condições assaz particulares da escravatura, o “encontro” entre os mundos como
o substrato
das culturas negras Americanas, o modelo de crioulização integra bem o
que poderá faltar no da continuidade,
à saber o contexto no qual foram
levados a evoluir (“não, não senhor”),
as culturas africanas, mas os indivíduos portadores destas culturas. A
evidência da necessidade de uma tal
tomada em consideração não escapa (em
última análise), a todos os que desejam (de forma rigorosa), reconstituir uma genealogia africana das culturas
afro-americanas.
(5)
Antes de mais, se impõe sublinhar, que face à
diversidade
das teses, se afigura plausível perguntar se não está tudo simplesmente colocado numa impossibilidade a resolver
definitivamente entre o argumento da
continuidade e o da mudança, pois que, ambos não são (em última análise), constitutivos das
culturas negras do Novo Mundo? De anotar (aliás),
que a sobreposição no seio de cada interpretação de afirmações devedoras à
uma e à outra tese (designadamente
as noções quase intermutáveis de “estruturas
profundas” ou “níveis profundos”) parece confirmar a asserção acima enunciada...
(6)
Enfim e, em suma: É necessário (então), virar para o escritor antilhano
de expressão inglesa e conceituado professor universitário, EDWARD
KAMAU BRATHWAITE (natural de
Barbados, onde nasceu em 1930), para assumir toda a dimensão desta
necessidade de ultrapassar a clivagem
aparente entre teorias. Autor de um trabalho de referencia da Sociedade
Jamaicana, no curso do qual descreve
a “crioulização” como “processo cultural” em que “o confronto entre duas
culturas foi cruel, no entanto, outrossim criativo” (BRATHWAITE, 1971).
(7)
Já agora, vale a pena, elucidar (adequadamente), que este conceituado historiador e universitário é outrossim, conhecido
(simultaneamente), pelo seu interesse
pelo Jazz e pela sua relevante obra
poética, obra poética essa consagrada em restabelecer os elos/vínculos
entre as Caraíbas e a África, o que o faz ser (geralmente), percebido à
partir do “empenhamento africanista”. Donde, esta questão, assaz oportuna e
quão pertinente:
a.
Deve-se ver uma contradição neste conúbio,
sob uma forma ou sob outra, entre estas duas interpretações? Todavia, é o próprio BRATHWAITE que nos convida à
responder pela negativa à uma tal questão, quando afirma: “C’est durant cette période (de
l’esclavage) que nous pourrons voir comment
l’Africain importé depuis le lieu de sa “grande tradition” en est venu
à s’établir dans un nouvel environnement, utilisant les outils disponibles et
les souvenirs de traditions heritées pour fonder quelque chose de nouveau,
quelque chose d’antillais, mais quelque chose reconnaisable malgré tout comme
africain”.
(8)
Finalmente e, em jeito de Remate
assertivo: Na verdade, ter-se-á compreendido que as teses
da continuidade e da criatividade não podem (verdadeiramente), se opor quando a primeira reconhece a
presença das memórias da herança africana na criação do novo e quando a segunda
encara a criação cultural à partir da preservação de uma “gramática cultural” antiga...
Lisboa, 06
Abril 2012
KWAME KONDÉ
(Intelectual/Internacionalista
--- Cidadão
do Mundo).