Este é daqueles livros de alto valor cultural infelizmente consumidos apenas em pequenos nichos de mercado por não merecerem publicidade nem críticas favoráveis promocionais visto não serem "populares" e não servirem, por isso, para entretenimento, pois, o que mais se quer nesta enganada sociedade de plástico que os poderes dominantes criaram é divertir-se e esquecer as agruras do quotidiano com histórias do "jet seis" nacional, relatos de namoros, divórcios, cenas patetas e acidentes e funerais de "artistas" e ídolos de grandes massas suburbanas.
Para quem gostaria de ler este livro direi: procure-o, mas muna-se de muita, muita sorte! É que o livro está esgotado e ainda não é suficientemente velho (é de 2005) para se encontrar nos alfarrabistas. Tive a sorte de adquirir o último exemplar disponível na editora (por um grande favor do livreiro pois já estava classificado para recolher à estante das sobras únicas).
Fica aqui este cheirinho:
«Completaram-se em 18 de Outubro de 1989 duzentos e cinquenta anos sobre a morte, na fogueira, de António José da Silva, O Judeu. Assassinado pela Santa Inquisição. Tinha 34 anos de idade.
... O que é que uma coluna de gastronomia tem a ver com isso? Em primeiro lugar, feita por um homem livre, num espaço livre, tem liberdade para evocar esta ou quejanda efeméride. Depois, também aqui há matéria alimentícia a justificar o enquadramento.»
E começa então José Quitério a falar-nos acerca da alimentação dos encarcerados nas masmorras da Inquisição, passando a seguir para o autêntico regabofe que «os senhores inquisidores, apaniguados e demais funcionários do aparelho do ofício santo» protagonizavam «antes e durante os monstruosos espectáculos que encenavam.» Dizendo ainda: «Talvez até o cheiro a carne humana queimada lhes fosse estímulo para o luxo de iguarias e doces com que se banqueteavam nessas alturas.»